Roberto Siebra: Combate à corrupção –

A corrupção é um dos principais problemas enfrentado pela sociedade contemporânea nos dias atuais, como demonstram pesquisas de vários organismos internacionais (ONU, Banco Mundial, etc.), chegando inclusive a interferir no próprio desenvolvimento econômico de alguns países,

O professor Dr. Roberto José Siebra Maia escreverá para o Vermelho uma série de artigos que tratará sobre a corrupção.

Prof. Dr. Roberto José Siebra Maia*  

A corrupção é um dos principais problemas enfrentado pela sociedade contemporânea nos dias atuais, como demonstram pesquisas de vários organismos internacionais (ONU, Banco Mundial, etc.), chegando inclusive a interferir no próprio desenvolvimento econômico de alguns países, já que, conforme tais organismos, os países mais corruptos do mundo figuram entre aqueles menos competitivos do ponto de vista econômico, sendo que países em que nos últimos anos diminuíram o índice de corrupção, conseguiram ao mesmo tempo receber mais investimentos estrangeiros.

A alta incidência de práticas de corrupção existente no Estado brasileiro tem sido sistematicamente confirmada por estudos e diagnósticos como os realizados pela Transparência Internacional que alerta que o país enfrenta sérios retrocessos no combate à corrupção nos últimos anos.

Apesar de serias críticas a metodologia utilizada por este organismo, por se tratar de uma percepção do problema, o último relatório desta organização e enfático ao afirmar que o Brasil está na 94ª posição, acompanhado, com a mesma pontuação, por Etiópia, Cazaquistão, Peru, Sérvia, Sri Lanka, Suriname e Tanzânia.

A divulgação destes dados, entre outros, e a denúncia constante pela mídia de escândalos de corrupção, expressa uma realidade bastante comum vivenciada pelos brasileiros e é reflexo de um longo processo de construção da história nacional, onde a convivência entre o público e o privado foram partes inseparáveis, e serviram sempre como duas faces de uma mesma moeda que pagou a entronização das classes dominantes no comando do estado brasileiro, com consequências determinantes nas posturas contemporâneas dos nossos dirigentes, em especial os da máquina estatal. Interessante é que não falta ao país um conjunto de instituições de controle, fiscalização e punição de tais atitudes levando-nos a questionar a sua eficiência.

Martins (1994, p.22-23) já vai detectar o problema no início do processo de colonização do Brasil, onde o Rei sempre fazia uso dos bens dos súditos para saldar compromissos da coroa (Estado) que em retribuição, presenteava os súditos com cabedais públicos pelos seus préstimos. Por súditos leiam-se os homens abastados do reino, já que a grande maioria da população era excluída desta categoria, por não serem considerados cidadãos.

Mesmo com o advento da República Velha a permanência do fenômeno da corrupção vai ser fundamental e norteador das relações políticas, principalmente no que diz respeito às formas de legitimação que envolvia os bloco e poder dirigentes locais e regionais. Leal (1975, p.52-53) vai enumerar uma série de razões para existência de prática ilícitas nas administrações municipais, com a cumplicidade dos governos estaduais, entre os quais se destaca o fato de:

“… os cofres e os serviços municipais eram instrumentos eficazes de formação na maioria desejada pelos governos dos estados nas eleições estaduais e federais… O preço caro, pago pelo Estado e em troca de apoio dos chefes locais, era, portanto, uma condição objetiva para que este apoio correspondesse aos fins visados pelo governo estadual”.

Só que não estamos, pelo menos do ponto de vista de período histórico, mas na época colonial ou na República Velha, e ao contrário somos um país contemporâneo, com um arcabouço institucional fundado numa Constituição democraticamente promulgada e com grandes avanços políticos, sociais e econômicos. Não apenas isso, a máquina estatal brasileira, em especial a federal, conta com organização e aparelhamento material e de recursos humanos ausentes da maioria dos demais países emergentes, especialmente no tocante a existência de controles horizontais. A relação entre os poderes republicanos, embora com fortes interferências dos respectivos Executivos sobre os demais, é adequadamente regulada constitucionalmente – outra vez, em vivo contraste com muitos outros países, em que a indefinição institucional com frequência justifica arbitrariedades de agentes públicos. Então o que justifica o surgimento constante de casos de corrupção na vida pública nacional, quase sempre com a omissão das instituições responsáveis pela sua coibição?

O que temos certeza é que a corrupção resiste incólume às mudanças históricas acontecidas na sociedade brasileira, sendo uma das principais características da construção do processo de modernização da sociedade nacional como bem demonstram os acontecimentos que envolveram um dos mais expressivos representantes da modernidade burguesa o ex-presidente Collor de Melo, sem esquecermos o escândalo dos “Anões do Orçamento”, da CPI dos Bancos, do Judiciário, etc. , todos em esfera federal, sem contabilizar os sucessivos casos no âmbito estadual e municipal.

Não devemos esquecer mais recentemente os recentes inquéritos policiais e acusações do Ministério Público envolvendo em denunciando o Governo Jair Bolsonaro entre os quais mencionamos: corrupção passiva por suposta interferência na Polícia Federal para proteger amigos e familiares, depósitos inexplicáveis na conta bancária da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, efetuados por Fabrício Queiroz, etc.

Nossa modernidade parece se enquadrar nas reflexões de Martins (1994, p.30) ao argumentar que, na sociedade brasileira, este processo se dá no marco da tradição e o novo aqui é sempre um desdobramento do velho que metamorfoseia para se adaptar as novas realidades. Certamente isto é uma pista importante, para entendermos como perdura de uma forma tão arraigada à corrupção e a omissão das instituições no seu controle e fiscalização como setores das classes dirigentes se transformam de modernos para conservadores e vice-versa, de acordo com a moda do dia e sempre cuidadosos em proteger seus interesses pessoais. Tal argumentação pode explicar porque as mesmas relações de poder existentes na colônia, na República Velha, etc., continuam a persistir na atualidade, desafiando todos os avanços e conquistas recentes da sociedade brasileira.

O nosso interesse por esta temática tem sido alimentado, inicialmente pela presença cada vez mais destacada deste fenômeno no cotidiano da sociedade brasileira e em especial pela ausência de uma reflexão sociológica de suas consequências no nosso cotidiano, como demonstra a pouca atenção e produção acadêmicas sobre o tema, com exceção de alguns estudos nas áreas de antropologia social e economia, esta última influenciada por organismos financeiros internacionais que na última década, tem se interessado pelo tema, para justificar a onda liberalizante de reforma dos Estados em países periféricos em cumprimento ao receituário neoliberal.

Essa sequência de artigos é um esforço teórico-metodológico de compreender este fenômeno mundial e suas repercussões na sociedade brasileira e objetiva permitir uma reflexão mais ampla do que aquelas produzidas pelas mídias tradicionais e o uso restrito dos efeitos da corrupção como pratica de poder.

*Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Regional do Cariri – URCA, graduado em História – URCA, mestre em Sociologia – UFPB, Dr. em Sociologia Política – UNESP e PHD em Direitos Humanos – Universidade de Salamanca (Espanha).