A pandemia castiga a América do Sul

Onda de mortes que se ergueu no Brasil a partir de janeiro atinge Argentina, Uruguai e Paraguai

A América Latina responde hoje por mais de 30% de todos os óbitos do mundo por Covid-19, passando de 1 milhão de mortes na semana passada. Tirando o peso do Brasil nisso, a situação dos países vizinhos também é catastrófica. Segundo a plataforma Our World in Data, Argentina, Uruguai e Paraguai estão hoje entre os sete países com a maior proporção de novos casos por milhão de habitantes, na média semanal – e os três lideram o ranking de óbitos globais, também em relação ao tamanho da população.

O Uruguai passou praticamente ileso pela pandemia em 2020, apesar de nunca ter declarado um bloqueio nacional. Mas viu sua curva de casos começar a se inclinar no fim do ano e, desde meados de fevereiro, vive uma gigantesca escalada; houve uma breve queda este mês, que rapidamente foi revertida. Com 3,5 milhões de habitantes, o país tem hoje a maior taxa de mortes diárias do mundo.

Por lá, alguns especialistas creditam o caos à variante P.1, que se tornou dominante. Em março ela estava em 75% das amostras; em abril, eram 89%; e, na primeira quinzena de maio, chegou a 99%. O sistema de saúde está pressionado, tanto na atenção primária como nos hospitais, e o país bate recordes atrás de recordes. O governo federal chegou a decretar medidas restritivas ainda em março, mas, mesmo com o vírus em alta, decidiu começar a afrouxá-las esta semana.

Os números alarmantes contrastam com a boa campanha de vacinação no país. Apesar de ter começado tarde, no fim de fevereiro, ela é hoje uma das mais avançadas do mundo. Mais de 45% da população tomou alguma dose da vacina, e quase um terço está totalmente imunizada; cerca de 80% das doses administradas são da CoronaVac, e o restante se divide entre Pfizer e um punhado da AstraZeneca. A esperança é que essa ampla cobertura consiga logo frear o vírus, mas, por enquanto, não é o que as curvas parecem mostrar.

O segundo pior país da região hoje é o Paraguai e, lá, aumentar a vacinação rapidamente sequer parece uma opção viável. Menos de 1% da população está totalmente imunizada; só 3,5% tomou alguma dose. Segundo o governo federal, foram adquiridas 8,2 milhões de doses (para uma população de 7 bilhões de habitantes), mas só 489 mil chegaram.

O país depende muito da Covax Facility, que responde por mais de metade das doses acordadas. Mas, como se sabe, a entrega do consórcio está lenta, principalmente com as restrições de exportação da Índia. Das 4,2 milhões de vacinas que o Paraguai comprou pelo mecanismo, só 170 mil chegaram. Quem mais está entregando é a chinesa Sinopharm, mas mesmo assim é pouco: de 1 milhão de doses adquiridas, chegaram 250 mil. Fora isso, há uma aposta na Sputnik V, que só entregou 64 mil doses, de 1 milhão contratadas.

A campanha argentina também está patinando por falta de imunizantes. O país chegou a mais ou menos 26% da população coberta com uma dose, mas os totalmente imunizados são apenas 5%. A discrepância é pior do que a brasileira, mas a origem do problema é a mesma: foram distribuídas as primeiras doses, mas depois não continuou chegando um número suficiente de vacinas. O governo argentino também decidiu estender o intervalo entre as doses, mas ainda mais do que no Brasil: para “no mínimo” três meses.

A situação parece um pouco mais grave com a Sputnik V, a mais usada no país, porque os componentes de ambas as doses são diferentes (cada uma usa um adenovírus). Ou seja: é preciso esperar chegarem carregamentos específicos para a segunda dose. Porém, em vez deles, só estão chegando mais primeiras doses. Os outros imunizantes em uso são o da Sinopharm e o da AstraZeneca.

O país passa pelo seu pior momento na pandemia, com 500 mortes diárias – o que é muito, sobretudo considerando seus 45 milhões de habitantes. O governo anunciou um novo lockdown de nove dias, a partir do último sábado, nas regiões consideradas mais críticas.

Publicado originalmente no OutrasPalavras