Chile: O programa do comunista Daniel Jadue para chegar à presidência

Presidenciável do Partido Comunista enfatizou que o cerne do seu projeto é a criação de um sistema de proteção social “que garanta uma vida digna a todas as pessoas e que signifique uma derrota estratégica sobre o neoliberalismo”

Em longa transmissão ao vivo (live) pelas redes sociais, o Partido Comunista do Chile lançou oficialmente, na quarta-feira (16), o programa de governo que Daniel Jadue, pré-candidato da legenda, pretende defender nas eleições presidenciais deste ano. “Algumas das transformações que queremos fazer não serão coisas de um só governo – terão que ser consolidadas a longo prazo, por pessoas que virão depois de nós”, declarou.

No evento, Jadue enfatizou que o cerne do seu projeto é a criação de um sistema de proteção social “que garanta uma vida digna a todas as pessoas e que signifique uma derrota estratégica sobre o neoliberalismo, que tanto sofrimento tem causado ao nosso povo”. Entre as principais estruturas desta rede de proteção social, a mais inovadora é a proposta de criar o que o comunista batizou de Sistema Nacional de Saúde, similar aos sistemas públicos que existem em vários países, como o Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. No Chile, só existe hoje a rede privada no setor.

Na educação, o presidenciável do Partido Comunista admitiu que sua proposta de fortalecer o sistema público e gratuito de ensino se baseia no aprofundamento das reformas iniciadas durante o segundo mandato de Michelle Bachelet (2014-2018). Ele vai priorizar a ampliação da rede de ensino estatal, desde o ensino fundamental até as universidades e escolas profissionalizantes.

Outro tema sensível no Chile é a questão da Previdência Social. O programa comunista prevê a criação de um novo sistema público baseado em um modelo de repartição. Jadue lembrou que sua proposta não é estranha no Chile, já que as Forças Armadas mantêm seus oficiais e funcionários nesse modelo até hoje. Os cidadãos comuns é que estão obrigados a utilizar serviços oferecidos por empresas de previdência privada, a maioria delas ligadas a bancos.

A proposta previdenciária do candidato não obrigará as pessoas a abandonarem o sistema privado, mas assegura que oferecerá garantias para que muitos dos trabalhadores que perderam fundos previdenciários durante a pandemia do novo coronavírus possam recuperá-los aderindo ao novo sistema. Devido à falta de maior auxílio econômico por parte do governo Sebastián Piñera, o Congresso do Chile autorizou, por leis de emergência, o retiro de fundos previdenciários para que as famílias pudessem enfrentar a crise econômica decorrente da Covid-19.

Segundo a proposta, o novo sistema previdenciário de repartição garantiria que todas as pessoas que aderirem a esse modelo recuperarão seu direito à aposentadoria. Porém, essa adesão não será obrigatória – quem preferir se manter no sistema privado terá essa possibilidade.

Taxação das grandes fortunas

Os principais questionamentos ao projeto comunista na imprensa chilena se referem ao possível alto custo dessas políticas. Sobre isso, Jadue foi bastante objetivo em suas considerações. “O custo total estimado deste programa é de 11,2% do PIB. Essa proposta será viabilizada por uma reforma tributária que aproveitará para corrigir muitas das nossas desigualdades, cobrando daqueles que mais possuem e aliviando os setores vulneráveis”, explicou o pré-candidato.

Entre os pontos da proposta tributária comunista, o mais chamativo é a criação do imposto permanente às grandes fortunas, que propõe uma taxa anual de 2,5% sobre patrimônios a partir de US$ 5 milhões de dólares. Além disso, Jadue quer erradicar os mecanismos de evasão fiscal, obrigando especialmente os grandes contribuintes a atualizar permanentemente suas declarações patrimoniais. Ele ainda citou o fim das isenções fiscais de qualquer espécie e a eliminação dos segredos bancários e tributários.

O economista Ramón López, um dos responsáveis pela parte econômica do projeto, respondeu com ironia críticas a respeito dessas ideias: “A maioria dessas medidas é utilizada em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e são recomendações que este organismo faz aos seus países membros, devido à sua preocupação em acabar com os paraísos fiscais”.

Outros pontos importantes do programa anunciado por Jadue é a de nacionalização dos recursos naturais. O pré-candidato disse que promoverá uma nova lei de concessões para uso de recursos hídricos, mas garantiu que isso não gerará uma “onda estatizante ou expropriadora” no Chile. Ele assegurou que sua proposta se ajusta ao exigido por organizações ambientalistas chilenas e destacou que o Partido Ecologista Verde é parte da sua coalizão.

Com os coletivos feministas, o candidato se comprometeu em impulsionar uma lei de igualdade salarial, um auxílio para financiar o trabalho domésticos e uma nova lei para legalizar o aborto em qualquer circunstância. Em 2017, o governo Michelle Bachelet sancionou uma lei que permite o aborto em casos de risco de vida, inviabilidade fetal e gravidez fruto de violência sexual.

Calendário eleitoral

Atualmente, Jadue é prefeito da comuna de Recoleta, uma das mais importantes da Região Metropolitana de Santiago. Também é um dos favoritos para ser o próximo presidente do Chile. Conforme pesquisa publicada na segunda-feira (14) pela consultora Pulso Ciudadano, Jadue aparece com 16% das intenções de voto, empatado com o candidato da direita, Joaquín Lavín.

Devido à alta abstenção observada nas últimas eleições realizadas no Chile, a pesquisa também fez uma medição somente entre os que declararam que pretendem votar. Nesse caso, Jadue passa a liderar com grande margem: 21,5%, contra 11,1% de Lavín.

A pré-candidatura comunista enfrentará sua primeira disputa importante em 18 de julho, quando acontecerão as primárias. Nesse dia, a coalizão entre o Partido Comunista, a Frente Ampla e a Federação de Regionalista Verde escolherá seu candidato presidencial, em uma eleição entre Daniel Jadue e o deputado Gabriel Boric, ex-líder estudantil e candidato do partido Convergência Social, membro da Frente Ampla.

O primeiro turno das eleições presidenciais do Chile acontecerá no dia 21 de novembro. Caso seja necessário um segundo turno, será em 19 de dezembro.

Com informações do Opera Mundi