Quad: o que está na agenda de sua cúpula em Washington?

Há desconforto no sudeste da Ásia, em particular sobre seu impacto potencial na estabilidade regional. Ou seja, o grupo seria parte da guerra híbrida americana de contenção da China, que causaria, em consequência, uma desestabilização muito prejudicial a toda a região, como já ocorre no Oriente Médio, Cáucaso e outras regiões.

Nova investida americana, o Quad (EUA, Austrália, Índia e Japão) são contraponto ao BRICS, mas principalmente à China.

Na sexta-feira (24) , os líderes da Austrália, Índia, Japão e Estados Unidos se reunirão em Washington para a primeira cúpula presencial do Quad. O vice-diretor de pesquisa do Instituto Ásia da Universidade Griffith, da Austrália, Ian Hall, analisou ao The Conversation o significado do grupo que vem gerando turbulências no Oceano Índico ao gerar desconfiança na China.

Hospedados pelo presidente dos EUA, Joe Biden, os participantes estão programados para discutir uma série de grandes questões, da covid-19 à segurança cibernética, mas a questão chinesa dominará a conversa. Com isso, o grupo é visto como uma reação americana à perda de influência internacional, conforme a China ocupa o vácuo visto como ambição desmedida pelos países ocidentais.

As “conversas informais” sucessivas e intermitentes são conhecidas como Diálogo de Segurança Quadrilateral, ou Quad. Alguns participantes foram cautelosos em não pintar o encontro como um grupo militar ou como o fundação de uma OTAN asiática, embora o acordo para um submarino nuclear para a Austrália levou a reforçar as desconfianças chinesas.

Então, o que exatamente é o Quad e o que ele pretende fazer?

Conforme lembra o especialista, o Quad se reuniu pela primeira vez em maio de 2007, quando diplomatas dos quatro países se reuniram paralelamente em uma reunião da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) nas Filipinas para uma discussão exploratória.

A ideia era ver se os participantes poderiam desenvolver o trabalho que já estavam fazendo em outros fóruns – notadamente o Diálogo de Segurança Trilateral envolvendo Austrália, Japão e Estados Unidos.

Desde lá, o grupo se apresentava como as “democracias do Indo-Pacífico” reunidas com o objetivo de melhorar a cooperação “para administrar o poder e a ambição crescentes da China”.

Essa discussão inicial não foi muito longe, porque Pequim reagiu com protestos diplomáticos formais. Então, as mudanças de governo em Canberra e Tóquio acabaram com quaisquer outras reuniões por uma década.

Quad 2.0

Quando o Quad reapareceu em novembro de 2017, ele o fez no mesmo lugar – em Manila, à margem da Cúpula do Leste Asiático . Mas, desta vez, os participantes estavam determinados a manter o grupo unido e desenvolvê-lo em algo mais substantivo.

Desde então, o Quad tem evoluído aos trancos e barrancos, segundo Hall. Nos primeiros dois anos, funcionários dos quatro países se reuniram regularmente. Em setembro de 2019, eles adicionaram uma reunião de ministros das Relações Exteriores ao calendário, realizando a primeira discussão nas Nações Unidas em Nova York .

Em março de 2020, eles se ramificaram, convocando uma conferência telefônica “Quad plus” para discutir as respostas à covid-19 com três outros países: Nova Zelândia, Coreia do Sul e Vietnã (o então presidente da ASEAN).

Um ano depois, um Biden recém-empossado convocou uma reunião virtual de líderes do Quad, abrindo caminho para a primeira cúpula presencial esta semana.

Em rede, não aliado

Às vezes rotulado de “OTAN asiática”, o Quad é na verdade algo muito diferente, na avaliação do especialista australiano.

Para começar, não é uma aliança sustentada por um tratado. Pois não comprometeria seus membros com a segurança coletiva – eles não seriam obrigados a defender-se mutuamente em um conflito. O Quad não se envolve em planejamento militar conjunto, nem tem um estado-maior militar dedicado (como a OTAN faz em seu novo quartel-general em Bruxelas).

Em vez disso, o Quad é um fórum diplomático para os membros compartilharem suas preocupações sobre questões regionais e discutir maneiras de cooperar entre eles ou com outras pessoas fora do grupo.

Como resultado, tem uma agenda muito ampla, indo muito além da simples cooperação de defesa.

Ampliando as preocupações

No final de 2017, o Quad se concentrou em quatro questões relacionadas à sustentação de uma “ordem baseada em regras” regionais. Curiiosamente, todas direta e indiretamente associadas à crescente influência chinesa no mundo.

A primeira foi a segurança marítima, alimentada por uma preocupação compartilhada com a militarização das ilhas artificiais que a China havia construído no Mar da China Meridional e a perspectiva de Pequim tentar controlar o tráfego aéreo e marítimo naquela área.

A segunda era a “conectividade” – código para a “ambiciosa” Iniciativa Cinturão e Rota da China, que visa construir infraestrutura e consequentemente aumenta sua influência em todo o mundo. As duas últimas questões foram o contraterrorismo e as armas nucleares da Coréia do Norte.

Desde aquela reunião inicial, vários outros tópicos foram adicionados à mistura. As questões cibernéticas chegaram à agenda em 2018, refletindo a ansiedade mútua sobre espionagem, desinformação e a segurança da infraestrutura digital.

O crescimento econômico e o desenvolvimento seguiram um ano depois, bem como a cooperação com organizações regionais como a Asean.

A covid-19 se tornou uma preocupação central em 2020 , junto com as cadeias de suprimentos, os chamados minerais críticos e a resiliência da infraestrutura crítica.

Na reunião virtual de líderes em março de 2021, grupos de trabalho foram estabelecidos sobre vacinas covid, tecnologia e mudanças climáticas.

Reunião inaugural do Quad em março.
O primeiro-ministro australiano Scott Morrison (à direita) e a ministra das Relações Exteriores Marise Payne (à esquerda) falam aos líderes do Quad em sua reunião inaugural em março. 

Onde a próxima?

O Quad foi criticado por muitas coisas, principalmente por ser excludente, por não apresentar resultados tangíveis e por alimentar a paranóia estratégica contra a China .

Há desconforto no sudeste da Ásia, em particular sobre seu impacto potencial na estabilidade regional. Ou seja, o grupo seria parte da guerra híbrida americana de contenção da China, que causaria, em consequência, uma desestabilização muito prejudicial a toda a região, como já ocorre no Oriente Médio, Cáucaso e outras regiões.

Uma das tarefas da reunião de Washington será abordar algumas dessas preocupações e explicar melhor o que é o Quad, o que não é e como funciona. Não vai ser fácil.

Fundamentalmente, o Quad ainda é movido por preocupações mútuas sobre a China. Seu objetivo é encontrar maneiras de trabalhar em conjunto para impedir que Pequim crie uma região Indo-Pacífica na qual, em sua interpretação:

  • define preços e padrões para bens e serviços
  • controla o comércio e o investimento, bem como o acesso a matérias-primas escassas e tecnologias sensíveis
  • fortalece estados clientes autoritários e enfraquece democracias
  • e agarra o que quer, como o Mar da China Meridional ou Taiwan, com impunidade.

Mas, é claro, isso não pode ser dito abertamente, em tantas palavras.

Traduzido e editado por Cezar Xavier

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