Pagu – uma vida engajada, por Luciana Bessa

Patrícia Rehder Galvão, ou simplesmente, Pagu, apelido recebido do poeta Raul Bopp, para além de escritora, tradutora, desenhista, jornalista, militante […]

Patrícia Rehder Galvão, ou simplesmente, Pagu, apelido recebido do poeta Raul Bopp, para além de escritora, tradutora, desenhista, jornalista, militante comunista é, para mim, uma das mulheres mais pulsionais da sociedade paulistana do século XX.

Nascida em uma família abastada, conservadora e tradicional, num contexto em que à mulher era negado o capital simbólico, era lhe reservado o espaço privado, além de ser considerada um ser frágil e indolente, Pagu fumava e bebia em público, falava alto e xingava palavrões, conservava os cabelos curtos e mantinha vários relacionamentos amorosos. Personalidade forte, altivez, inteligência e ousadia eram algumas de suas características.

Um desses relacionamentos foi com o escritor Oswald de Andrade, à época companheiro da artista plástica Tarsila Amaral. Em 1929, ambos se casaram, ela já grávida, em uma cerimônia pouco convencional no Cemitério da Consolação, gerando mais um escândalo para lhe conferir a pecha de louca e libertina.

O casal Andrade torna-se militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), em 1931, e funda o jornal “O Homem do Povo”, que funcionou até Oswald romper com o partido, no ano de 1945. A militância rendeu-lhe vinte e três prisões ao longo da vida – Pagu foi a primeira mulher presa política no país -, além do fato ter aceito as missões mais degradantes impostas pelo partido para provar sua lealdade. Deixar o primeiro marido e o filho (Rudá Andrade), além de assinar seu primeiro romance – Parque Industrial (1933) – com um pseudônimo, Mara Lobo, foram algumas das imposições que ela aceitou em nome de uma causa maior e justa, em sua opinião.

Com uma temática até então não abordada na Literatura Brasileira, os desafios, os descasos e às investidas sexuais que as mulheres operárias sofriam em casas (cortiços) e no trabalho (fábricas) em pleno contexto dos anos 30, Pagu, ao adotar um tom de crítica social, consegue entrelaçar muito bem a relação contraditória entre Literatura e Política.

Contudo, no período em que Parque Industrial (1933) foi publicado, tanto a crítica especializa, quanto a historiografia literária, não lhe deram destaque, pois fugia completamente dos padrões romanescos até então publicados. A originalidade dessa obra está na ênfase em que as questões femininas e feministas (aborto, sexualidade, exclusão do ambiente público, educação formal e sexual das mulheres pobres e operárias) assumem, haja vista que estão para além do mundo burguês e anarquista, ou da conquista do voto feminino.

As linhas são poucas para termos dimensão da pulsão literária e militante dessa mulher que não mediu esforços para não se deixar aprisionar por uma sociedade falocêntrica e repressora. Para compensar (se é que é possível) indico a obra Paixão Pagu – a autobiografia precoce de Patrícia Galvão -, o filme Eternamente Pagu (1987), dirigido por Norma Benguell, o documentário Livre na Imaginação no Espaço e no Tempo (1988), sob a direção de seu filho, Rudá de Andrade, ou simplesmente, escute a música Pagu, de Rita Lee.

Pagu tornou-se, através de sua obra, porta-voz das proletárias da década de 1930, ao denunciar os mais diferentes tipos de violência a que eram constantemente submetidas, ora pelo capitalismo, ora pelo patriarcalismo.

É verdade que a autora de Verdade e Liberdade (1950) não entrou para o cânone literário, porque sua imagem pessoal ganhou mais visibilidade do que sua vida literária. Facilmente podemos mudar isso: Leiamos, pois, a obra literária de Patrícia Galvão.

*Coordenadora da Roda de Poesia no Gesso do Coletivo Camaradas  e idealizadora do Blog Literário Nordestinados a Ler

Autor