Putin e Biden travam diálogo sobre segurança em meio a ameaças e exigências

A elevada tensão militar na Europa, em particular a situação da Ucrânia, entrou na pauta das conversações entre Moscou e Washington nesta última semana, dando início a um novo processo nas negociações entre as partes

Presidente da Rússia, Vladmir Putin, em videoconferência com o Presidente dos EUA, Joe Biden I Foto: Kremlin

Em 7 de dezembro, Vladimir Putin e Joe Biden realizaram uma videoconferência de duas horas de duração. O principal tema discutido foi o acúmulo de tropas russas perto das fronteiras da Ucrânia.

Biden alertou Putin sobre “consequências econômicas jamais vistas em termos de imposição” caso haja uma invasão russa na Ucrânia.

Já o líder russo respondeu que a Otan estava fazendo “tentativas perigosas de conquistar o território ucraniano” e exigiu garantias que impediriam a expansão do bloco para o leste europeu.

Após as negociações, os dois presidentes concordaram em instruir seus representantes a manter contato e iniciar consultas sobre “linhas vermelhas”, termo repetidamente usado pelo presidente russo, Vladimir Putin, para se referir ao tom agressivo das manobras militares da Otan perto das fronteiras russas.

Para o cientista político e editor-chefe do site Centro de Previsões Geopolíticas, Andrei Andrianov, este foi o principal resultado da videoconferência entre Putin e Biden. Ele disse ao Brasil de Fato que “apesar de ser um passo pequeno, ele foi dado na direção certa”.    

Na última quarta-feira, 15 de dezembro, a diplomacia russa anunciou que entregou oficialmente suas propostas para negociar suas garantias de segurança aos EUA. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores da Rússia, se a Otan e os EUA não atenderem às demandas de Moscou sobre a não expansão da Aliança do Atlântico Norte para o Leste europeu, isso pode levar a uma nova rodada de confrontos.

Os líderes da Rússia e dos EUA já haviam se encontrado anteriormente e estabelecido o início do diálogo em uma série de temas importantes da relação bilateral entre os dois países, com consultas bastantes ativas na área de cibersegurança, sobre o tratado de desarmamento nuclear Start-3, entre outros pontos de segurança global.

No entanto, a elevada tensão militar na Europa, em particular a situação da Ucrânia, entrou na pauta das conversações entre Moscou e Washington nesta última semana, dando início a um novo processo nas negociações entre as partes. 

Tropas russas próximas à fronteira com a Ucrânia I Foto: Reuters

O vice-diretor do Instituto de História e Política da Universidade Estatal Pedagógica de Moscou, Vladimir Shapovalov, afirmou ao Brasil de Fato que, em princípio, o início do diálogo sobre a segurança na Europa é uma notícia positiva por si só. No entanto, ele destaca que de nenhuma forma isso representa que Rússia e EUA normalizaram as relações e deixarão de ser oponentes, mas que a rivalidade entre os dois países ocorrerá no formato de determinadas regras do jogo.

“Em outras palavras, há uma Guerra Fria entre a Rússia e os EUA, mas em 2021 essa Guerra Fria entrou em uma fase de descarga, não no sentido de alívio, mas no sentido de determinação de ‘linhas vermelhas’, um reforço no âmbito normativo e jurídico. Nesse sentido, não pode haver nenhuma expectativa de normalização da relação, mas a interação começa a ser mais previsível e menos perigosa para o mundo”, disse. 

O ex-diretor do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca para Assuntos do Brasil e do Cone Sul entre 2014 e 2016, Nicholas Zimmerman, comentou ao Brasil de Fato que, para a gestão do presidente Joe Biden, e para grande parte do establishment da política externa dos EUA, a Rússia é vista como uma ameaça, mas muito “diferente do que a China representa, que é uma ameaça em termos econômicos, militares e políticos”.

De acordo com ele, a iniciativa do presidente dos EUA de estabelecer diálogo com Moscou corresponde a um receio de uma deterioração da situação na Europa, considerando que Putin tem como prática realizar “campanhas de informações políticas para tentar criar caos em democracias, seja nos EUA, seja na Inglaterra”.  

O cientista político Ivan Andrianov, por sua vez, argumenta que a Rússia está principalmente preocupada com os planos da Otan de implantar armas ofensivas em suas fronteiras e a “Ucrânia, neste caso, é apenas um jogador estático no grande jogo geopolítico”. “Assim que ela não for mais necessária, ela será deixada por conta própria [pelos EUA], como a Geórgia foi abandonada em 2008 ou o Afeganistão em 2021”, completa.  

De acordo com ele, “a peculiaridade do sistema político americano, que vive atualmente uma grave crise, é tal que, qualquer que seja o resultado das negociações, a retórica agressiva de Washington contra Moscou continuará”.

Pequim se aproxima de Moscou em oposição a países ocidentais

Foto: Mikhail Metzel/ Sputnik/AFP

As negociações entre Moscou e Washington nesta semana ocorreram em meio à realização da “Cúpula da Democracia”, evento organizado pelos EUA nos dias 9 e 10 de dezembro para supostamente promover o combate à corrupção e a promoção do respeito aos direitos humanos, que contou com a participação de 110 países. A Rússia e a China não foram convidadas para o evento. 

Não por acaso, o presidente russo, Vladimir Putin, realizou uma videoconferência com o líder chinês, Xi Jinping, na última quarta-feira (15). Em uma conversa marcada por um tom amigável, Putin confirmou que irá às Olimpíadas de Pequim e se encontrará pessoalmente com Xi Jinping.

De acordo com o líder russo, no contexto do boicote dos países ocidentais ao evento esportivo, é um passo enfaticamente amigável em relação à China. Já o líder chinês destacou que a Rússia e a China “defendem a verdadeira essência da democracia e dos direitos humanos”.

Durante a reunião foi destacado que o comércio bilateral entre Rússia e China cresceu 31% nos primeiros 11 meses de 2021, alcançando um total US$ 123 bilhões. Putin e Xi Jinping também concordaram em estender um tratado de amizade e cooperação de 20 anos.

Vale lembrar que a retirada das tropas dos EUA no Afeganistão, e a consequente emergência do Talibã na região, foi utilizada por Rússia e China para ocupar o vácuo deixado pelos estadunidenses e alinhar posições diante do enfraquecimento dos EUA. Na ocasião, Putin e Xi Jinping mantiveram contatos estreitos para buscar um governo inclusivo e uma solução política para a crise afegã.

‘Reagrupamento’ geopolítico dos EUA

De acordo com o pesquisador Vladimir Shapovalov, a política externa norte-americana passa por um processo de “reagrupamento”, sobretudo após a retirada do Afeganistão. Neste processo, o tom de ameaça dos EUA em relação à Rússia funcionaria como uma espécie de “compensação” diante da demonstração de fraqueza da administração Biden no plano internacional, sobretudo após as retiradas.

Presidente dos EUA, Joe Biden I Foto: WEF

De acordo com o cientista político, a ideia de que a Rússia possa realizar uma intervenção militar na Ucrânia serve como um instrumento de provocação retórica para consolidar o seu controle no espaço europeu formando a ideia de que a Rússia é um “inimigo”.

Assim, Vladimir Shapovalov argumenta que, em um contexto de uma confrontação mais direta com a China, é interessante para os EUA buscar um diálogo com a Rússia e, ao mesmo tempo, “empurrar a Rússia para uma situação de confronto com a Europa, mas sem a participação dos EUA”, deixando Moscou ocupada, longe do conflito sino-americano.

O editor-chefe do site Centro de Previsões Geopolíticas, Andrei Andrianov, corrobora com a ideia de que é do interesse dos EUA buscar uma normalização das relações com a Rússia. “Também deve ser considerada como uma demonstração da intenção de Washington de remover pelo menos parte do seu fardo e alocar mais forças e meios para enfrentar a China, que já está ultrapassando os americanos política e economicamente”, completou.

Fonte: Brasil de Fato