Biden e o problema com as sanções

Sanções precisam ter credibilidade e potencial para causar dano econômico em setores-chave, mas têm pouca efetividade sobre políticos e países punidos.

Sanções econômicas favorecem popularidade do políticos punidos e têm baixa efetividade econômica e diplomática sobre os países.
Cristiane Lucena – Foto: Kris Knack

A crise política na Ucrânia traz à tona o velho debate sobre a utilidade das sanções econômicas como instrumento de política internacional. As sanções são vistas como um instrumento de pressão política, como uma alternativa ao conflito armado, e como uma prerrogativa de países poderosos. Estas três impressões encontram-se plantadas no senso comum e frequentemente permeiam o debate de maneira incontestável – como se estivéssemos diante de características irrefutáveis e pressupostos absolutos. A ameaça por parte do governo norte-americano de impor sanções econômicas à Rússia no contexto da crise na Ucrânia oferece um novo laboratório para retomarmos o tema das sanções.

É verdade que as sanções econômicas operam através da pressão política. Entretanto, para que produzam o resultado desejado – no contexto atual, a contenção das ameaças russas à soberania da Ucrânia, sanções precisam ter credibilidade e potencial para causar dano econômico em setores-chave. Curiosamente, o tema da credibilidade está diretamente relacionado aos custos que as sanções econômicas impõem ao país que as patrocina, neste caso, os Estados Unidos. Quanto maiores os custos para a economia doméstica daquele país que impõe (ou ameaça) as sanções, maior a sua credibilidade perante o país que é alvo das mesmas. Este achado contraintuitivo da literatura sobre sanções econômicas repousa sobre a necessidade de expressar o comprometimento que o país ameaçando ou impondo as sanções precisa demonstrar. Os custos para a economia doméstica contribuem para sinalizar o quão importante é a mudança de comportamento por parte do país-alvo para aquele país que ameaça ou impõe as sanções.

Já o tema do dano econômico recebeu melhor tratamento pela imprensa. Artigo recente do The New York Times revela como o presidente Putin implementou uma estratégia de insulamento nos últimos cinco anos, com vistas a proteger a economia russa de eventuais sanções econômicas. Se a proteção é suficiente ou não, os economistas internacionais terão algo a dizer sobre a questão; difícil crer que a economia russa seja autossuficiente hoje. Mas as iniciativas russas de insulamento e o baixo custo de eventuais sanções econômicas para a economia norte-americana comprometem o nível de pressão política que estas sanções possam vir a produzir.

Também é verdade que as sanções econômicas constituem uma alternativa ao uso da força. Inclusive estão assim previstas e regulamentadas na Carta das Nações Unidas. A pressão política produzida pelas sanções levaria à mudança de comportamento por parte do país-alvo, sem que fosse necessário recorrer à guerra. Cumpre ressaltar que sanções econômicas se desdobram em duas etapas: a ameaça e a implementação das restrições econômico-financeiras. Com base no Threat and Imposition of Economic Sanctions dataset (TIES), banco de dados que reúne todos os episódios de sanções econômicas documentados até 2005, hoje sabemos que as ameaças são muito mais eficazes quando se trata de produzir o resultado almejado pelas sanções econômicas. As restrições econômico-financeiras, quando implementadas, alcançam seus objetivos em menos de 40% dos casos, segundo estudo influente do economista Gary Hufbauer (Peterson Institute for International Economics). Portanto, o entendimento de que sanções constituem uma alternativa ao uso da força precisa ser relativizado.

Por último, a ideia de que sanções econômicas são ferramentas exclusivas de países poderosos também precisa ser posta em perspectiva. Existe uma grande incerteza no que diz respeito ao modus operandi das sanções econômicas, uma vez que elas são implementadas. Em diversos casos consequências negativas – ainda que não antecipadas – foram observadas. Por exemplo, tem sido comum ver o aumento da popularidade doméstica de líderes políticos cujos países foram alvo de sanções econômicas. Em outros casos, as sanções estão associadas a um aumento da repressão política nos países-alvo. Em ambos os exemplos, as sanções que são patrocinadas por um grupo de países, senão pelo próprio Conselho de Segurança da ONU, tendem a alcançar os objetivos desejados em uma proporção maior dos casos estudados. Nestes casos, as consequências adversas para as sociedades em questão também são mais brandas.

Fica claro que o problema com as sanções que os Estados Unidos ameaçam impor à Rússia não é tão simples assim. A iniciativa do presidente Macron esta semana parece trazer uma novidade ao tabuleiro de xadrez europeu. Tendo em vista a ausência de resultados das ameaças norte-americanas até o momento e a baixa probabilidade de que as sanções – uma vez implementadas – venham a produzir uma mudança de comportamento por parte do presidente Putin, a diplomacia tête-à-tête alcança especial relevância.

Por Cristiane Lucena, professora do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP

Do Jornal da USP