Os números da vitória de Macron na França convidam à análise

A manutenção no poder de um dos mais importantes presidentes, membro da Otan e da União Europeia, terá sido decisiva para a unidade de ação da aliança que defende a Ucrânia.

Reeleição de Macron fortalece unidade europeia contra Putin e dá fôlego a Zelensky
Luiz Roberto Serrano – Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

A reeleição do presidente Emmanuel Macron na França, neste domingo passado, teve importância muito além das fronteiras do país. Normalmente, já seria assim. Mas neste momento de guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que envolve toda a Europa, os Estados Unidos e a China, esta mais a distância, tem um significado relevante.

A manutenção no poder de um dos mais importantes presidentes, membro da Otan e da União Europeia, terá sido decisiva para a unidade de ação da aliança que defende a Ucrânia. Se Marine Le Pen houvesse vencido essa aliança suas notórias ligações com Putin e seus laivos de nacionalismo isolacionista provavelmente causariam uma sensível rachadura na atual aliança antirrussa, com consequências desconhecidas.Claro que os números da vitória de Macron, 58,6% a 41,46%, com alto índice de abstenção, convidam a análises sobre o que se passa na sociedade francesa, o quanto esse resultado demonstra os desequilíbrios sociais que incomodam o dia a dia dos franceses. Nessa análise deve-se levar em conta, inclusive, os resultados do primeiro turno, em que o esquerdista Jean-Luc Mélenchon quase empatou com Le Pen, e o radical também direitista Éric Zemmour teve uma quantidade substancial de votos. Não foi à toa que, no dia de sua vitória, Macron prometeu “uma era nova”. Certamente, uma era em que os interesses das classes menos favorecidas, prejudicadas pela predominância dos interesses globalizantes que marcaram o primeiro quinquênio de Macron, serão mais levados em conta. Sua votação neste segundo turno caiu em torno de 8% em relação à eleição anterior e os 41% de Le Pen lhe dão uma significativa expressão política. Essas tensões estarão evidentes nas próximas eleições legislativas que se realizarão mais adiante.

A unidade dos países que se alinham ao lado da Ucrânia se mostra fundamental diante da crescente complexidade e de desafios que se desenham no cenário. Se ocupar todo o litoral da Ucrânia no Mar Negro a Rússia impedirá as exportações do país, asfixiando seu comércio internacional, especialmente de grãos, criando novos e sérios problemas para o governo de Volodymyr Zelensky. A duração da guerra também está abrindo espaço para imprevisibilidades.

Em entrevista na semana passada ao Valor Econômico o experiente embaixador Sérgio Amaral levantou hipóteses preocupantes sobre os desdobramentos da guerra. Segundo ele, diante da longevidade da guerra, generais da reserva do Exército dos EUA estariam defendendo que os EUA se envolvam mais com o conflito, o que pressiona o cauteloso governo do país, que mantém uma retórica agressiva, fornece armas, mas evita qualquer gesto que alimente o risco de uma Terceira Guerra Mundial. Além disso, alimenta-se a hipótese de que bombas atômicas táticas, de poder destruidor geograficamente limitado, venham a ser utilizadas pelos russos, o que colocaria a guerra em outro patamar de periculosidade e de consequências.

A guerra da Rússia com a Ucrânia gera milhares de mortes na região e um êxodo enorme de ucranianos Europa adentro, o que é profundamente lamentável e gera efeitos inimagináveis. Além disso, demonstra um grande poder para desestabilizar o equilíbrio mundial, criando problemas em áreas sensíveis da comunidade internacional, especialmente na economia, o que inclui abastecimento alimentar, linhas de produção interrompidas e elevação geral de preços. Prejudica o mundo todo, não é um fenômeno localizado e envolve os interesses internacionais de todos os atores e países envolvidos em busca de poder e influência, nem todos humanitários.

Voltando a Macron, sua vitória evita o surgimento de atores, no caso uma atriz, desconhecidos no teatro de gerenciamento e negociações de conflito. Os dois países em conflito não demonstram disposição para ceder posições com facilidade, o que só estica a guerra e seus lamentáveis efeitos. A estabilidade de atores e seus sistemas de poder e interesses é favorável a que se evitem escaladas desnecessárias e a construção de uma senda para a solução – mesmo que não seja rápida e a inteiramente desejável.

Por Luiz Roberto Serrano, jornalista, coordenador editorial do Jornal da USP da Superintendência de Comunicação Social