Com Bolsonaro, ataques ao jornalismo somam mais que toda a década anterior

Dossiê FENAJ-objEthos mostra como a violência contra jornalistas afeta o direito à informação no país. Publicação traz um conjunto de recomendações práticas para mitigar a violência contra jornalistas no Brasil

Entre 2019 e 2021, o total de casos de violência contra jornalistas no Brasil somou 1.066 ocorrências. O número que coincide com os anos do Governo Bolsonaro, é maior do que a soma de todos os episódios registrados pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) entre os anos de 2010 e 2018, que totalizam 1.024 situações. A comparação, que permite evidenciar a escalada da violência contra jornalistas no país, consta no dossiê “Ataques ao Jornalismo e ao Seu Direito à Informação”, publicação eletrônica lançada nesta terça (3), marcando o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.

Maria José Braga, presidenta da Fenaj

“Estes ataques demonstram uma política de cercear a liberdade de imprensa e um propósito muito evidente de descredibilizar o trabalho de jornalistas”, explicou Maria José Braga, presidente da Fenaj, ao apresentar o trabalho. Ela também observa que os ataques não são apenas externos, mas ocorrem também dentro das empresas com a crescente precarização das condições de trabalho dos profissionais.

Segundo ela, a pesquisa representa um avanço entre os levantamentos feitos pela Fenaj anualmente, na medida em que o Observatório da Ética Jornalística (objEthos), do Departamento de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (PPGJOR) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), levantou os nexos entre aqueles dados e as consequências para o acesso da sociedade brasileira à informação de qualidade.

Fruto de parceria entre a FENAJ e o objEthos, o dossiê aprofunda o debate sobre a violência contra o jornalismo no Brasil e seus impactos na sociedade, como no direito à informação. Com 41 páginas, a publicação traz análise, interpretação de cenários e recomendações práticas para o combate à violência contra os trabalhadores da mídia. Os autores querem que seja um objeto de debate na sociedade e não apenas um trabalho acadêmico, por isso a linguagem direta, atraente e ilustrada.

365 dias do ano

Para a presidenta da FENAJ, o dossiê possibilita compreender melhor como os ataques à liberdade de imprensa afetam a sociedade como um todo. “Afetam cada cidadão e cada cidadã no seu direito à informação e no seu exercício de cidadania para efetivamente termos uma sociedade democrática”, disse. É preciso compreender que a liberdade de imprensa e acesso à informação é um “direito instrumental”, pois é ele que permite que o cidadão possa saber como e quais direitos cobrar.

Um primeiro capítulo do dossiê dá nome aos jornalistas atacados e revela os impactos desses ataques a seu trabalho e vida pessoal. Um segundo nexo mostra que os ataques afetam a sociedade como um todo, ao afetar o direito à informação. Num terceiro momento, jornalistas também são vítimas de condições e relações de trabalho adversas que afetam a produção e a qualidade de informação para a sociedade.

A maior parte dos ataques foram cometidos contra jornalistas atuando em Brasília

Para o professor Rogério Christofoletti, pesquisador do objEthos e um dos organizadores do dossiê, toda violência contra jornalistas é também uma violência contra o jornalismo, contra o serviço que tem por função fornecer informações confiáveis à sociedade. “Por isso, quando um ou uma repórter é intimidada, agredida ou impedida de trabalhar, o direito à informação do público está sendo violado”.

Na ponta do lápis, a média é de 365 ataques a jornalistas por ano no Brasil, nos últimos três anos, o que significa praticamente um ataque por dia. “Esse cenário não deve preocupar só jornalistas porque, na medida em que os jornalistas são afetados, a qualidade do seu trabalho também vai ser afetada”, pontuou Christofoletti.

Segundo o pesquisador, a qualidade, a integridade e a atualidade da informação – tudo isso pode ser comprometido em situações de risco, em que repórteres precisam se blindar para poder atuar e levar as informações para a população. Christofoletti lembrou que, só em 2021, um terço dos casos detectados pela FENAJ foi de censura.

47 recomendações

O professor observa que o dossiê quer contribuir para cobrança de governos, discussão nas redações para sensibilizar as cúpulas diretoras das redações, motivar políticas públicas e programas e ações de segurança. Segundo ele, os ataques não respeitam fronteiras, etnias, tipo de mídia e envolvem violências simbólicas, físicas, emocionais e assédio judicial, sendo que um terço dos ataques são de censura.

“A gente está no Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o que mostra com dados, com números, como essa atividade é não só cercada, perseguida, acuada, mas também como isso atinge o gradiente, a qualidade, o volume e o aprofundamento das informações que chegam ao cidadão e à cidadã.

Tanto Maria José quanto Christofoletti destacaram o capítulo da publicação que trata da precarização das condições de trabalho da categoria. As ameaças não vêm apenas de fora do campo profissional, mas muitas vezes estão no próprio local de trabalho, na forma de sobrecarga, assédios ou de atraso no pagamento de salários – situações agravadas durante a pandemia.

Mapa dos Repórteres Sem Fronteiras revela o Brasil como um país muito hostil e degradante à atividade jornalística, o 110o. país dentre 180 nações.

Para os organizadores, o dossiê pode contribuir, ajudando a cobrar as autoridades para que medidas sejam adotadas, além de contribuir com o debate nas redações e fora delas, fazer com que essas situações de desamparo dos trabalhadores da mídia sensibilizem as cúpulas das empresas, motivar políticas públicas, programas ou ações de segurança.

Um primeira recomendação para reduzir este cenário de ataques envolve a federalização das investigações de crimes contra jornalistas. Outras 47 sugestões incluem aceleração de tramitação de projetos de lei, cobrança de compromissos e empenho de autoridades para proteção de jornalistas, promoção de campanhas educativas para envolver a sociedade.

Da Fundação Maurício Grabois

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