Jornal Hora do Povo, 43 anos dedicados à denúncia politica

Fundado em 1979, o HP permanece até hoje, com centro na denúncia política cotidiana e tem natureza frentista. Algumas forças político-partidárias contribuíram com o Jornal nos últimos 43 anos, mas isso não alterou seu caráter, de defesa da frente nacional e democrática para transformação do Brasil.

Para saber o guarda-chuva que precisamos, é preciso, antes, saber a qualidade da chuva. Da mesma forma, para resistir aos lobos que assediam a aldeia, é preciso a união da coletividade com seus instrumentos de defesa.

Para muitos que não viveram a época, a ditadura do golpe de 64 talvez pareça um período uniforme de 21 anos.

Entretanto, não foi assim.

Nesses 21 anos, avulta um período de 10 anos – iniciado em 13 de dezembro de 1968 e encerrado em 13 de outubro de 1978 – que foi a ditadura sob o Ato Institucional nº 5 (AI-5).

Foi um período em que a Constituição – mesmo a que fora confeccionada pela própria ditadura em 1967 – e, de resto, todas as leis do país, estiveram submetidas ao arbítrio. Pois, o resumo do AI-5 está em que o poder do ditador de plantão era absoluto. As leis, portanto, estavam suspensas, efetiva ou potencialmente.

A ditadura do AI-5 era uma ditadura terrorista, com o esmagamento da oposição democrática e patriótica através da tortura, dos assassinatos, das cassações, das perseguições políticas.

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Porém, a luta do povo brasileiro, sob múltiplas formas, faz com que o AI-5 seja revogado no final de 1978.

É nessa nova situação política, cujo símbolo maior é a anistia, que surge, em setembro de 1979, a Hora do Povo.

A questão básica – o tipo de guarda-chuva, na imagem que usamos para iniciar este texto – era a necessidade de um órgão legal de denúncia política da ditadura.

Em suma, não se tratava de um veículo de propaganda partidária, mas de um jornal que ultrapassasse os limites impostos pelo regime autoritário, ainda que dentro dos marcos legais.

Pode parecer estranho, mas, na época, não era uma unanimidade que a denúncia política do regime deveria ser principalmente no campo legal. Afinal, depois de 10 anos em que a denúncia possível era sobretudo a que se fazia clandestinamente, era natural que o uso do cachimbo deixasse a boca torta, apesar da nova situação…

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Essa definição, de que era possível e necessário um órgão legal de denúncia política, determinava o caráter do próprio órgão: tratava-se de um órgão de frente e não do órgão oficial de qualquer partido.

E assim o HP permanece até hoje: com centro nas questões táticas (ou seja, na denúncia política cotidiana), e, politicamente, de natureza frentista. Se algumas forças político-partidárias contribuíram para a sua feitura, nos últimos  43 anos, e contribuíram muito, isso não alterou o caráter geral do órgão, que sempre aceitou qualquer colaboração dentro da frente nacional e democrática para transformação do Brasil, inclusive inúmeras de personalidades que não eram filiadas nem ligadas a partido algum – exceto naquele sentido a que se referiu Barbosa Lima Sobrinho, a da que, no Brasil, havia dois partidos, o partido de Tiradentes e o partido de Silvério dos Reis.

Todas essas questões, que resumimos muito rapidamente, foram discutidas na fundação do jornal, em 1979, e formuladas, principalmente, pelo idealizador da Hora do Povo, Claudio Campos.

Claudio Campos

Em setembro de 1979, quando surgiu, o HP era semanário. A originalidade em sua circulação é que, além da venda em bancas, como os demais jornais, ele também era vendido nas ruas, por brigadistas voluntários.

As brigadas da Hora do Povo tiveram um importante papel na luta contra a ditadura. O país emergia de 10 anos de sangue e medo. Pode o leitor mais jovem imaginar o quanto o medo intimidava e encolhia as manifestações populares no Brasil daquela época – até mesmo porque a ditadura, apesar da revogação do AI-5, não deixara de existir.

A venda do jornal através da agitação nas ruas e nas praças pelos brigadistas do HP quebraram esse medo, que assombrava as pessoas e os lares. É verdade que foi à custa de muitas prisões, em todo o Brasil, mas os brigadistas não desistiam – e acabaram por ganhar a batalha contra o medo e contra a ditadura.

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Não é possível, hoje, em um apanhado curto, como este, aquilatar a importância dessa quebra do medo para a vitória da democracia. Diríamos que teve uma importância semelhante à da volta dos exilados e a libertação dos presos políticos, com a Anistia. No entanto, tal como apontamos mais acima, a ditadura continuava a existir. Além das prisões dos brigadistas da Hora do Povo, a repressão, mesmo sem o AI-5, voltava-se contra o jornal.

Este, apesar disso, prosseguia uma trajetória ascendente, em vendas e popularidade. O marco dessa época foi a edição sobre as contas secretas na Suíça, com a divulgação, em 1980, de uma lista que circulava em meios militares inconformados com a corrupção da ditadura, de depositantes naquele país da Europa. Esta edição estourou nas bancas e nas ruas, em um fenômeno de vendagem até então inédito, desde, pelo menos, 1968.

O impacto no próprio regime – e, sobretudo, em suas bases, militares e civis – foi imenso.

Porém, no mesmo ano de 1980, a manchete “Ministro do Exército é mentiroso” fez com que a ditadura processasse e condenasse Claudio Campos e mais dois diretores da Hora do Povo pela então Lei de Segurança Nacional (LSN).

A manchete era rigorosamente factual. Em declarações à imprensa, o então ministro do Exército havia atribuído a Ricardo Zarattini – pai do atual deputado Carlos Zarattini – o atentado no aeroporto de Guararapes, em 1966. A própria Justiça militar já havia reconhecido a inocência de Zarattini – e era impossível que o ministro não soubesse disso, pois era público.

O ministro, portanto, mentira. A manchete “Ministro do Exército é mentiroso” apenas descrevia um fato.

Entretanto, Claudio foi condenado, e preso durante a realização do Congresso da UNE, em 1982, por algo estritamente verdadeiro.

Nesse período, a Hora do Povo foi proibida de circular algumas vezes. Foi acionado, então, um outro nome: durante essas suspensões, o órgão circulou com o nome de Jornal do Povo.

Não havia como parar o jornal, mesmo com seu idealizador e diretor preso, por via legal.

Assim, a Hora do Povo entrou na mira dos porões da ditadura, na campanha terrorista cujo acontecimento mais notório foi a tentativa de explosão no Riocentro, em 1981, que acabou por atingir os próprios terroristas.

Porém, além disso, a sede do HP no Rio de Janeiro foi detonada por uma bomba; dezenas de bancas de jornal que vendiam a Hora do Povo foram, também, detonadas; e o gabinete de um dos maiores apoiadores do jornal, o vereador Antonio Carlos de Carvalho, do Rio, foi destruído por outra bomba, ferindo gravemente um funcionário e tio do vereador, no mesmo dia em que mais uma bomba assassinava Dª Lyda Monteiro da Silva, na sede da OAB.

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Era uma situação difícil, mas a nação já havia superado a situação de medo da qual saíra do AI-5. A proteção aos terroristas, sobretudo os do Riocentro, provocou um escândalo, inclusive, dentro do Exército. Eram inúmeros os que não aceitavam que sua farda fosse manchada por alguns elementos marginais à instituição.

Assim, o movimento popular desembocou no movimento das Diretas-Já, com as maiores manifestações que o país já vira desde 1968, e na eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República, em 1985, no próprio colégio eleitoral que a ditadura concebera para se eternizar, mas que foi transformado em seu cadafalso.

Em 1984, a mudança da Lei de Segurança Nacional teve como efeito a libertação de Claudio Campos.

Durante sua prisão, o HP foi dirigido por Sérgio Rubens de Araújo Torres.

Os acontecimentos posteriores são mais conhecidos, porém, registremos que as dificuldades dessa época fizeram com que a Hora do Povo deixasse de sair regularmente em 1985.

Porém, em 1989, o HP voltou a circular como jornal diário – e, posteriormente, como bi-semanário impresso.

O combate passou a ser, então, contra o neoliberalismo dos governos Collor e Fernando Henrique.

Destacou-se, nessa época, além de Claudio Campos, que até sua morte, em 2005, foi a alma do jornal, Sérgio Rubens de Araújo Torres, com papel decisivo na implantação do diário. Como diretores de redação, sucederam-se Jorge Alves de Almeida Venâncio e Carlos Lopes.

Sérgio Rubens / Foto: Karla Boughoff

Em 2017, a Hora do Povo resolveu dar um passo à frente, instalando seu portal na Internet em tempo real, para aumentar o volume da luta política.

Repetindo um dito clássico, nosso fundador dizia que não se tratava de martelar verdades na cabeça do leitor. De nada adianta esse martelamento, se o leitor não se convencer por si próprio, por sua própria experiência, daquilo que é verdade. Portanto, a independência da mente do leitor tem que ser respeitada.

O que podemos fazer, dizia Claudio Campos, é “eliminar as ervas daninhas para que as plantas cresçam saudáveis”, isto é, expor o que há de mau, obscurantista, fascista e antissocial nos fatos da realidade. Isso constitui a denúncia política. Mas, naturalmente, cabe ao leitor, tomando conhecimento dessa denúncia, decidir qual a sua opinião – e, portanto, a sua ação.

A contribuição ao aumento de consciência da coletividade, portanto, se faz através da denúncia política.

Este é o princípio geral, pelo qual se rege a Hora do Povo. Embora, a partir do final de 1982, temos também publicado inúmeros textos que estão mais no campo teórico, no terreno de fundar uma corrente nacional, democrática – e, em alguns casos, socialista – no Brasil.

O último aspecto, secundário em relação ao primeiro, mas nem por isso pouco importante, está hoje, sobretudo, em na seção “especial” de nosso site.

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