Socialismo, mercado e a Revolução Bolivariana

Uma das tarefas mais importantes da revolução bolivariana consiste em aumentar substancialmente a eficiência do desenvolvimento econômico sob a gestão do Estado

Foto: Reprodução/Twitter/Nicolás Maduro

O papel do mercado no desenvolvimento econômico da sociedade humana tem sido debatido há muito tempo. Em termos simples, o mercado pode ser definido como o espaço onde se encontram fornecedores e demandantes de um produto, a partir do qual (e considerando as características de oferta e demanda) se estabelece o preço do produto e além disso, se estabelece um mecanismo de alocação de recursos na economia e entre os atores econômicos.

No capitalismo, o mercado é determinado em sua dinâmica e natureza pela maximização do lucro das corporações. Tudo está subordinado ao propósito supremo de otimizar as condições de acumulação de capital. Isso define a lógica do mercado capitalista, atuando cada vez mais de acordo com os postulados do neoliberalismo. Daí as gravíssimas consequências que se geram em termos de aumento da pobreza e das desigualdades sociais, dominação política de uma elite, guerras para inflar as fortunas das corporações, a grave crise ambiental…

No entanto, é preciso ressaltar que o mercado é muito mais antigo que o capitalismo, ou seja, não é exclusivo dele. Existia antes e existirá também depois do sistema capitalista. Nesse sentido, é interessante destacar a experiência muito bem-sucedida do mercado sob as condições de transição para o socialismo na China e no Vietnã. Um mercado socialista, assim denominado, que tem um conjunto de características que o torna único.

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Por um lado, temos o Estado revolucionário, liderado por uma força socialista, que o dirige de acordo com os princípios e objetivos que definem o socialismo. Da mesma forma, o mercado torna-se um instrumento de geração de riqueza que se traduz em bem-estar popular. Outro elemento relevante é o desenvolvimento das forças produtivas impulsionadas pelo mercado, que mais tarde constituirão a base material da sociedade socialista. Poderíamos citar também a crescente participação do povo no processo econômico, ou seja, ele não é excluído pelos fatores oligárquicos que tradicionalmente dominam o capitalismo. De tal forma que não é um mercado livre ou capitalismo de estado, é um sistema de qualidade diferente e muito superior ao capitalismo.

Ainda assim, haverá quem diga que este modelo de desenvolvimento não está isento de problemas. Na verdade nenhum modelo o é, mas este tem a virtude de aproveitar todos os recursos disponíveis para o pleno desenvolvimento da sociedade em todas as suas dimensões: econômica, social, política, ambiental, cultural e espiritual. É uma forma de desenvolvimento muito superior ao capitalismo.

Tampouco estarão ausentes as observações de que os fundadores do socialismo científico previram um sistema econômico baseado no planejamento central. No entanto, a repetição dogmática da doutrina de Marx e Engels omite que eles previam um triunfo simultâneo do socialismo em todo o mundo ou, pelo menos, nas nações mais desenvolvidas e em condições de estreita inter-relação econômica. Além disso, estabeleceram como condição para o socialismo, além da vitória política das forças revolucionárias, altos níveis de desenvolvimento das forças produtivas. Por fim, assumiu-se que todos os meios de produção estariam nas mãos da sociedade através do estado revolucionário. Nada disso aconteceu em nenhuma das conjunturas revolucionárias dos séculos XX ou XXI.

Sem abandonar o princípio fundamental do planejamento do desenvolvimento e apegar-se às realidades, que são, em última análise, o que define o desenho de qualquer política revolucionária, o mecanismo de mercado também é usado para direcionar o progresso da nação para o socialismo.

No caso venezuelano, temos um sistema econômico capitalista, rentista e dependente, onde convivem grandes e muito importantes empresas públicas, o setor privado nacional e estrangeiro, bem como pequenas empresas de propriedade socialista em suas diversas formas. Aqui os mecanismos de planificação e mercado se combinam na condução da economia, embora tenhamos que reconhecer isso se dá ainda de forma imperfeita e com deficiências.

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É por isso que uma das tarefas mais importantes da revolução bolivariana – o comandante Chávez insistiu nisso no pasado e o presidente Nicolás Maduro mantém a mesma orientação estratégica – consiste em aumentar substancialmente a eficiência do desenvolvimento econômico sob a gestão do Estado, aproveitando todos os recursos e mecanismos compatíveis com nossos princípios socialistas.

Nesse contexto, o presidente Nicolás Maduro anunciou recentemente a venda de 5 a 10% das ações das empresas públicas em bolsa, o que é apoiado por pelo menos duas declarações do comandante Chávez. Por um lado, fundar uma bolsa de valores e, por outro lado, criar sociedades de economía mista com capital estrangeiro para o desenvolvimento da indústria petrolífera nacional, setor nuclear da nossa economia.

A iniciativa atual é muito relevante, pois com o bloqueio ianque a renda nacional despencou e, com ela, a possibilidade de realizar investimentos essenciais para a manutenção e modernização de nossas empresas básicas (siderurgia, alumínio, telecomunicações, petroquímica, etc.). Sem esses investimentos será impossível sustentar o processo de crescimento econômico que está surgindo como resultado do esforço extraordinário e das vitórias históricas de nosso povo; nem conseguiremos elevar substancialmente as condições de vida da população.

De tal forma que esta política não só faz parte do planejamento central do comandante Chávez, mas também é necessária e incontornável. Em condições de bloqueio econômico, não há outra opção de financiamento dessas empresas. Além disso, busca-se o acesso a novas tecnologias e, em alguns casos, a mercados externos para exportação.

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Da direita, assim como da extrema esquerda (essa coincidência não deve surpreender), tem-se dito que é um processo de privatização, o abandono das políticas socialistas. Mas esse absurdo não tem base.

Vejamos o seguinte: i) partidos comunistas muito poderosos no poder vêm realizando essas políticas há bastante tempo e com avanços muito importantes em direção aos propósitos essenciais do socialismo; ii) uma pequena parcela das ações está sendo colocada, mantendo a propriedade e gestão dessas empresas nas mãos do Estado; iii) teremos a possibilidade de driblar o duro bloqueio ianque para continuar promovendo o desenvolvimento de nosso projeto revolucionário; iv) estamos aproveitando todas as condições e fatores existentes em nosso ambiente para resolver o principal problema do país, o econômico, sem abandonar nosso objetivo supremo, o socialismo, para o qual aprendemos com a audácia e firmeza de Lenin na NEP da Rússia Soviética, dos comunistas chineses e vietnamitas em suas grandes reformas econômicas dos anos 1970 e 1980, respectivamente, dos camaradas cubanos de hoje.

Esta política é imposta pelo bom senso e pelas condições reais da nossa revolução. Recordemos que o marxismo, segundo Lênin, é “a análise concreta da realidade concreta” e é com base nisso que se desenha a estratégia revolucionária.

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