Bolsonaro vai continuar apostando na confusão, caos e instabilidade

A pesquisadora Esther Solano, doutora em Ciências Sociais e professora da Universidade de São Paulo (USP), diz que cerca de 15% dos eleitores do presidente de extrema-direta apoiam ações antidemocráticas

(Foto: Reprodução)

Em entrevista para o jornalista João Paulo Soares, do Sindipetro-SP, especialistas avaliam as ameaças recorrentes feitas por Bolsonaro e seus aliados em sabotar as eleições e o próximo governo. Com as pesquisas indicando derrota e rejeições históricas ao atual governo, o presidente tem aumentando o tom contra às instituições e dá sinal de que não aceitará o resultado das urnas.

A pesquisadora Esther Solano, doutora em Ciências Sociais e professora da Universidade de São Paulo (USP), diz não saber “muito bem” os objetivos de Bolsonaro, mas provavelmente seja justamente fazer uma confusão, criar o caos, a instabilidade. “Grupos bolsonaristas estão se organizando para isso. Para uma ação [golpista] mais institucional, não sei se Bolsonaro teria fôlego. Mas para uma ação de confusão, acho que esses grupos teriam capacidade”, avaliou.

Segundo Solano, cerca de 15% dos eleitores de Bolsonaro apoiam ações antidemocráticas. Foram os que prontamente responderam ao chamamento golpista do presidente no dia 7 de setembro do ano passado, os quais a pesquisadora classifica como a base hiper-radicalizada do bolsonarismo.

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Em princípio, avalia a professora, os radicais não têm apoio da maioria bolsonarista mais moderada, que teria medo das consequências de uma ruptura – que resultaria em violência, caos e incertezas. “Então, toda a retórica sobre fraude nas urnas fica muito mais restrita à base radical. A base mais moderada se sente, entre aspas, acolhida por uma ordem institucional que garanta o funcionamento da economia e da política, principalmente da economia”.

Ao mesmo tempo, Solano lembra que os radicais têm grande capacidade de produção e disseminação de conteúdo em multiplataformas. “É como se fosse o núcleo que vai irradiando informações que não ficam só na base radical, (…) que acabam alimentando também os grupos mais moderados”.

A cientista política Esther Solano (Foto: Reprodução)

Militares

“O presidente tem sido claro: não entregará normalmente a cadeira”, afirma o historiador Manuel Domingos Neto, especialista em questões militares e ex-presidente da ABED (Associação Brasileira de Estudos de Defesa). “Entre os responsáveis por sua eleição”, continua Domingos Neto, “estão os militares, que não gostam da ideia de um retorno da esquerda ao governo e estarão ao seu lado, já que a chamada ‘terceira via’ não se concretizou”.

O professor concorda com a avaliação de que não há clima nem disposição para um golpe nos moldes clássicos, como o de 1964. “Os oficiais de hoje”, analisa, “atuam politicamente formando o que eles chamam de ambiente psicossocial. Absorveram o neoconservadorismo estadunidense. Promovem a guerra cultural, submetem a sociedade a choques cognitivos. Buscam ‘cobertura legal’ para suas incursões políticas”.

A ‘cobertura legal’ para um golpe nas condições atuais poderia vir com o uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) como justificativa para o enfrentamento de uma eventual situação de caos social. O dispositivo está previsto na Constituição e pode ser acionado apenas pelo presidente da República, sem necessidade de consulta ao Congresso ou qualquer outra instituição. Ela concede aos militares a condição de atuar com poder de polícia até o “restabelecimento da normalidade”.

“Um cenário possível”, afirma Domingos Neto, “seria o presidente e seus apoiadores causarem grande confusão, com a colaboração aberta ou velada de policiais. Há grupos paramilitares se armando. São articulados e violentos. Sobrevindo a desordem, o caos, as corporações militares poderiam surgir para ‘salvar a pátria’. O descontrole sobre o acesso às armas de pequeno porte é preocupante. No Brasil, essa turma do ódio está pronta para exercitar a violência”.

Para o historiador, com apoio ou não dos bolsonaristas “moderados”, os militares que hoje bancam Bolsonaro farão de tudo para manter a tutela sobre o próximo governo e as diretrizes de seu projeto regressista.

“Estou mais preocupado com o pós-eleição do que com a eleição, cujo resultado está praticamente configurado” afirma ele. “Com o aparelho de Estado apodrecido, tomado pela extrema-direita, a possibilidade de sabotagem é muito grande. Além disso, as instituições governamentais estão em pandarecos. Não será fácil para o próximo governo”.

Com informações da FUP

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