Bolsonaro deixa de usar bilhões de dólares de ajuda contra desmatamento

Relatório da CGU demonstra que houve ação deliberada do governo em interromper funcionamento do Fundo Amazônia. Entidades defendem responsabilização criminal do governo.

(Foto: Reprodução)

Um relatório da Controladoria Geral da União (CGU) divulgado nesta terça (28) corroborou o que a sociedade civil organizada e políticos vêm alertando desde 2019: a paralisação do Fundo Amazônia aconteceu por decisão deliberada do Governo Federal. O Fundo capta bilhões de dólares de países europeus para políticas de preservação das florestas.

Desde o início do governo, entidades ambientais e políticos alertam que não há qualquer planejamento ou fundamentação técnica para a paralisação do Fundo Amazônia, além de haver total falta de esforço em recriar suas estruturas de governança. Com isso, o Ministério do Meio Ambiente colocou em risco a continuidade do mecanismo de captação e os resultados das políticas ambientais associadas.

Além disso, existe o detalhe da pasta de Meio Ambiente sempre ter funcionado de maneira precária por falta de recursos. Agora que dispõe de bilhões em doações internacionais é inexplicável o abandono da área. Existe ainda o risco de ter que devolver os recursos não utilizados aos países doadores.

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Esta é, inclusive, a argumentação de quatro partidos políticos – Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido dos Trabalhadores (PT) e Rede Sustentabilidade – na ação impetrada no Supremo Tribunal Federal em que as siglas pedem que seja reconhecida a omissão da União em relação à paralisação do Fundo (Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 59).

Segundo os críticos consultados pelo portal Vermelho, a opção do governo em paralisar o Fundo contraria o discurso que o próprio presidente Bolsonaro vem repetindo de que os países ricos precisam pagar pela preservação da Amazônia, o que revela uma estratégia perversa de governo. O relatório revela que o governo pede recursos externos para a proteção ambiental, recebe as doações e propositalmente não usa os recursos que tem.

O documento da CGU existe desde o início de junho, mas teve sua divulgação adiada por quase um mês, tendo sido despublicado também. O relatório afirma que, durante o governo Bolsonaro, o Ministério gerou ‘impactos negativos’ para as políticas de preservação da Amazônia Legal ao não reestruturar comitês-bases do fundo. Além dos R$ 3,2 bi que já foram captados e não usados, cerca de US$ 20 bilhões também estão impedidos de serem captados pelo programa.

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Criado há cerca de 14 anos para financiar ações de redução de emissões provenientes da degradação florestal e do desmatamento, o Fundo Amazônia é considerado uma iniciativa pioneira na área, mas está paralisado desde abril de 2019, quando o governo federal fez um “revogaço” de centenas de conselhos federais e com isso extinguiu seus Comitê Orientador (COFA) e Comitê Técnico (CTFA).

As reações nas redes sociais foram de lamento por algo que vem sendo repetido continuamente, sem qualquer tomada de atitude do governo. O Portal Vermelho também colheu comentários de especialistas.

Para o ex-secretário de Meio ambiente de Pernambuco, José Bertotti, o relatório apresenta uma síntese do histórico de desmonte do governo federal das políticas ambientais na Amazônia e revela a estratégia para impedir que o avanço e gestão dos projetos financiados pelo Fundo Amazônia. “Se este relatório da CGU se estender para o Fundo Clima, estes recursos também pararam de ser disponibilizados”, acrescentou, considerado o relatório da CGU tardio.

Bertotti considera absurdo o Brasil ter voltado a ser emissor de efeito estufa com as queimadas, considerando sua indústria incipiente e riqueza de biomas, perdendo a oportunidade de desenvolver uma economia verde. “O que está por trás disso, na minha opinião, é tornar a Amazônia terra sem lei, de fato. Aberta a exploração de grileiros, empresas internacionais de mineração e tráfico de metais preciosos e o tráfico de drogas. O pano de fundo é dar guarida a relações promíscuas do governo com milícias que se alimentam do trafico de drogas”, analisou.

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O especialista em Sustentabilidade na Amazônia, engenheiro agrônomo Eron Bezerra, disse que a política predatória do Governo e do Ministério tem consequências práticas, e não apenas retóricas. “Além da estupidez, da degradação ambiental, da apologia ao crime acobertando marginais de toda natureza, o governo não é omisso, mas conivente com os crimes ambientais”, criticou.

A primeira consequência prática, na opinião dele, é a suspensão dos financiamentos dos fóruns internacionais que aportam dinheiro, dentre eles o Fundo Amazônia, que é administrado pelo BNDES, mas que tem como agente financiador a Noruega e a Alemanha. “Mais do que fazer diagnóstico, a sociedade brasileira precisa entender que é preciso substituir esse governo. Sem mudança do governo, não haverá mudança na política para que haja possibilidade de investimento no Brasil dos órgãos ambientais”.

O deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ) indignou-se com a irresponsabilidade ambiental como Bolsonaro demole uma política vitoriosa. Ele lembra que o Fundo Amazônia foi uma conquista criada no Ministério do Meio Ambiente, quando ele estava na pasta do governo Lula, entre 2008 e 2010. “Conseguimos U$ 1 bilhão da Noruega, investimos em 120 projetos de desenvolvimento sustentável e reduzimos o desmatamento em 50%”, afirmou.

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Sônia Guajajara, coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), espanta-se com a frieza com que o governo Bolsonaro faz isso com bilhões de reais em recursos. “Um fundo que poderia ajudar incontáveis famílias e conter a devastação da floresta. Esse governo não consegue admitir que o problema deles é a incompetência!”

Responsabilidade criminal

Para Suely Araújo, especialista sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima, a paralisação do Fundo Amazônia é um exemplo claro do projeto de desmonte ambiental colocado em curso por Bolsonaro. Ela sugere responsabilização criminal do governo.

“É inacreditável que se tenha de ir à mais alta Corte do país para exigir que o governo use recursos disponíveis. Para mim, além de omissão inconstitucional, esse quadro caracteriza improbidade administrativa para os responsáveis por essas decisões, que devem responder pelo caos que caracteriza várias partes do território da Amazônia Legal”, defendeu Suely, em entrevista ao jornal ambiental ((o))eco.

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“A consequência da paralisação do Fundo, na prática, é: menos políticas públicas implementadas, menos ações realizadas e, com isso, você torna a Amazônia mais vulnerável. Os números do desmatamento são a maior resposta”, diz Ângela Kuczach, diretora-executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação.

Segundo ela, não só o aumento nas cifras do desmatamento, mas também a explosão no número de crimes, grilagem de terras, garimpo e tráfico de drogas na Amazônia são reflexos do “orquestramento do desmonte ambiental” promovido por Bolsonaro.

Sem lugar para enviar os depósitos

De acordo com a CGU, até o último mês de dezembro, o Fundo tinha cerca de R$ 3,2 bilhões parados para a destinação a novos projetos. Além disso, o relatório aponta que o Fundo possui um crédito de valores a serem arrecadados que podem chegar à ordem dos US$ 20 bilhões.

Ricardo Salles dizia que os europeus não queriam aceitar a gestão do Fundo, mas os técnicos da CGU chamam atenção no texto para o fato de que o primeiro registro de reunião realizada com as embaixadas dos países europeus e o Ministério aconteceu somente após o fim do prazo de reestruturação estabelecido pelo decreto que extinguiu o COFA e o CTFA.

“Enquanto o conselho e o comitê técnico para calcular os resultados do desmatamento estiverem fechados, não há lugar para onde enviar o pagamento”, declarou à época o ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen, ao interromper os depósitos em 2019.

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