Em tom de crítica, procurador fala em palestra que Funai “não existe mais”

Aruã Pataxó endossa a crítica ao governo Bolsonaro, que desestruturou de forma planejada a fundação.

Foto: Funai

A Polícia Federal e a Interpol realizaram um seminário para debater crimes ligados ao garimpo no final do mês de junho. Na ocasião, que contou com pesquisadores, geólogos e membros da inteligência, inclusive do FBI, o procurador do MPF (Ministério Público Federal) Luís de Camões Boaventura falou, em tom crítico, que a Funai (Fundação Nacional do Índio) “não existe mais”.

O procurador ainda denunciou que a maioria dos cargos da fundação não tem ocupantes e que o orçamento foi cortado em 40%, como traz a reportagem do UOL. Segundo dados da Polícia Federal, 39 terras indígenas foram invadidas pelo garimpo.

Desestruturação planejada

Sobre o comentário do procurador, o Cacique Aruã Pataxó, membro do comitê central do PCdoB, endossa a crítica ao governo Bolsonaro.

“[O governo] acabou com a Funai. Logo no primeiro ano as atribuições da Funai foram distribuídas para vários outros órgãos do governo federal. Parte ficou com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, outra parte para a Secretaria Especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, outra para o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). As instituições indígenas entraram com ações no STF (Supremo Tribunal Federal) para declarar essas medidas inconstitucionais, pois vieram para desestruturar o principal órgão de defesa dos direitos dos nossos povos, que é Funai”, critica Aruã.

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“Além disso, [Bolsonaro] colocou na Funai três delegados federais na estrutura principal, como presidente, vice-presidente e diretor-geral, assim como os coordenadores regionais sendo também das forças armadas. Esse prejuízo é grande, pois não temos a Funai para denunciar as violações de direitos nos nossos territórios, pelo contrário. Agora a Funai está servindo como instituição de fazendeiros, do agronegócio. Quando uma liderança indígena se posiciona contra o atual governo é a própria Funai que denuncia as nossas lideranças à Polícia Federal”, completa ao lembrar que as mortes de Bruno Pereira e Dom Philips fazem parte dos ataques a quem se posiciona pelos direitos dos indígenas.

Aruã Pataxó que é pré-candidato a deputado estadual pela Bahia e preside a Federação das Nações Pataxó e Tupinambá do extremo Sul da Bahia, sendo cacique da aldeia Coroa Vermelha por 17 anos, acrescenta que “só na ditadura militar os indígenas passaram por algo assim”.

“Desde quando Bolsonaro esteve em campanha ele disse que não iria demarcar nenhum milímetro de terra indígena, isso ele está cumprindo até hoje […] a situação das demarcações das terras indígenas no Sul da Bahia, assim como em todo o Brasil, está totalmente paralisada. No território Barra Velha tivemos aprovação em 2009, depois tivemos 6 mandados de segurança. Desde o governo Michel Temer a gente vem lutando por esta defesa, mas foi necessária a nossa organização pela Federação das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia com advogado parceiro para fazer um recurso e tentar derrubar as liminares e destravar esse processo. Mesmo assim, ainda nada andou. O território Tupinambá de Olivença vem esperando a portaria declaratória. O território Comexatibá tem 156 contestações, e nada tem andado”, explica.

De acordo a assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a terra indígena Comexatibá é a que tem mais contestações no Brasil.

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“Aqui a aldeia Coroa Vermelha é uma terra indígena em partes demarcadas. São 1493 hectares, sendo 77 de área urbana, 589 de área rural e 827 hectares de área em preservação ambiental que é a reserva Pataxó da Jaqueira, uma área determinada por nós com importante fragmento de Mata Atlântica preservada. Em Coroa Vermelha estamos constantemente sob ataque. Temos uma medida do Ministério Público Federal, da Justiça Federal em Eunápolis, para derrubar todas as barracas de praia da aldeia Coroa Vermelha. Isso é ruim porque é um dos meios de sobrevivência das nossas comunidades. Vivemos também da comercialização de artesanato, então é uma situação bastante precária para nós”, comenta Aruã que ainda mostra preocupação com o PL 191/2020 sobre mineração em terras indígenas e o PL 490/2007 sobre demarcação de terras considerando o marco temporal.

“O nosso lema hoje é resistir para existir. Por isso, para melhorar e garantir os nossos direitos precisamos tirar Jair Bolsonaro do poder. Inclusive, estamos visitando cada comunidade indígena para alertar os nossos povos que a situação pode piorar ainda mais. Precisamos de um governo que veja a demarcação de nossas terras, olhe para a preservação do meio ambiente e para projetos sociais para o nosso povo”, acrescenta.

Com informações Uol