Padres dizem em carta que Bolsonaro “profana a fé no Deus da vida”

Lula em encontro com religiosos diz que baderna no Santuário de Aparecida e ataques a padres são práticas de uma “direita raivosa” representada pela família Bolsonaro.

Encontro de Lula com padres, freiras e outros religiosos. Foto Ricardo Stuckert

O candidato à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, participou nesta segunda-feira (17) de encontro com lideranças católicas em São Paulo. De acordo com a campanha, 200 religiosos participaram do evento, entre padres, freiras e outros religiosos. O ex-presidente estava acompanhado do candidato a vice na chapa, Geraldo Alckmin (PSB), e do candidato ao governo de São Paulo, Fernando Haddad.

O ex-presidente destacou a importância de envolver a sociedade na governança para solução dos problemas do Brasil e disse que a igreja terá papel importante no trabalho social que precisa ser feito para consertar o país.

O candidato da Frente Brasil da Esperança ao Palácio do Planalto afirmou que padres e religiosos têm sido atacados no Brasil porque estão “falando da fome, da pobreza, da democracia”.

No último dia 12, durante missa do Dia da Padroeira do Brasil no Santuário Nacional de Aparecida, o arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, foi vaiado ao dizer que o Brasil precisa vencer muitos “dragões”, como o do ódio, o da fome e o do desemprego. Em seguida o cantor Padre Zezinho anunciou os ataques que vem sofrendo, além de Dom Odilo Scherer que foi chamado de comunista pelo uso de paramentos vermelhos. 

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Alguns dos religiosos presentes são representantes dos movimentos Padres da Caminhada e Padres contra o Fascismo. Na última semana, os grupos divulgaram carta assinada por mais de 400 lideranças católicas na qual condenam a presença de Jair Bolsonaro no Santuário de Nossa Senhora de Aparecida, no último dia 12. (Leia a íntegra da nota abaixo)

“O senhor Jair Bolsonaro profana a fé no Deus da vida fazendo uso dela para meros fins politiqueiros e vilipendia o Evangelho de Jesus de Nazaré que veio para que todos ‘tenham vida e a tenham em abundância’, afirmam no documento. (Leia a íntegra abaixo)

Casulo do ódio

“Esse país sempre foi reconhecido como um país alegre, que gostava de festa, de futebol, de dançar, de Carnaval. Eu nunca tinha visto o Brasil tomado pelo ódio como uma parte da sociedade brasileira está hoje. Tenho lido notícias de padres que são atacados durante a missa porque estão falando da fome, da pobreza, da democracia. Eles são atacados por pessoas que sempre conviveram com a gente e que a gente não sabia que essa pessoa tinha tanto ódio dentro dela. Esse ódio é como se fosse um casulo que foi aberto”, afirmou Lula.

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O presidenciável do PT afirmou que a família Bolsonaro representa o “sentimento raivoso” da direita internacional que tem ganhado espaço em muitos lugares do mundo, como Itália e Hungria. “Pessoas que não conhecem a palavra democracia e a palavra respeito. Você todo dia vê uma briga. Hoje já tá acontecendo morte. Quando, na verdade, nós queremos é paz, é democracia”, acrescentou Lula.

“Hoje, todo mundo está sendo mais ameaçado, e não é só no Brasil. É no mundo. Vimos o que aconteceu na Itália, a extrema-direita com a cabeça fascista ganhou as eleições. A gente sabe o que acontece na Hungria, que no Brasil tem representação. A família do atual presidente representa esse sentimento raivoso da direita internacional, que construiu um inimigo, que é o Foro de São Paulo”, declarou Lula no evento.

“Eu digo todo dia que o povo pobre não quer muita coisa. As pessoas querem morar, trabalhar, comer, estudar, ter acesso a cultura, ter um dinheirinho para ir ao cinema ao teatro, visitar um parente. Tudo isso está na Constituição, está na Bíblia, está na Declaração Universal dos Direitos Humanos”, afirmou.

Pedidos dos católicos

Com a presença do Padre Julio Lancelotti, o ato com católicos, freis e freiras contou com leitura do Evangelho do Dia. 

Na abertura do evento, o padre Paulo Adolfo Simões, secretário-executivo do Centro Nacional Fé e Política (Cefep)e da Diocese de Pouso Alegre (MG), disse que está na luta pela eleição de Lula.

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“Queremos dizer que estamos na luta pela sua vitória no dia 30 de outubro porque entendemos que esta será a vitória do povo brasileiro, da democracia, dos pobres deste país. Aqui somos muitos, mas também muitos padres e religiosas de todo o Brasil estão espalhados por aí e gostariam de estar aqui hoje e nós os representamos”, disse Simões.

No encontro com as lideranças católicas, Lula recebeu apelos de religiosos para que assegure a democracia e estabeleça um “novo pacto econômico com renda básica de cidadania”; crie bancos de desenvolvimento comunitário; dê estímulo à economia solidária, ao agronegócio e ao orçamento participativo.

Padre Márcio Fabri dos Anjos pediu ainda ao ex-presidente que, em um eventual governo, defenda menores de idade grávidas de estupros e a diversidade de gênero. O missionário comboiano Dário Bossi falou do trabalho na região Amazônia e a importância de defender os povos indígenas da violência e impunidade.

Padre Rodrigo Schüler de Souza, outro integrante dos movimentos católicos, leu carta em que os grupos declaram apoio a Lula na disputa ao Planalto. “Desde 2018 lutamos contra este governo que ameaça constantemente a democracia. Queremos estar, neste momento da história, ao seu lado e dos que o apoiam”, disse.

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“Na iminência do segundo turno das eleições, vemos com clareza que estamos diante de dois projetos absolutamente diversos: o seu e o do atual presidente da República. Ele [Jair Bolsonaro] está jogando com as mesmas armas que jogou em 2018, tendo, no entanto, o reforço do ‘orçamento secreto’ e de todos os dispositivos que a máquina pública lhe pode conceder. A proposta é de um governo autoritário, com o desmonte das instituições republicanos e chegando a ser um perigo real para o regime democrático”, completou Schüler de Souza.

Depois de fala em que pediu o fim do racismo, do feminicídio e da exploração sexual e laboral das crianças, a irmã Rosa, de Santo André (SP), entregou a Lula uma cruz de madeira que ganhou quando visitou a Ilha de Lampedusa, ilha da Itália por onde chegam de barco migrantes africanos na Europa. A cruz foi feita por pedaços de madeira de barcos acidentados na travessia.

“Sonhamos com um presidente que escute a sociedade, suas dores, seus clamores, suas lutas e suas esperanças. Sonhamos com um país que, com mais de 50% da população de negros e negras seja menos racista. Sonhamos ver crianças negras andando pelas ruas sem medo de serem atropeladas por causa da cor da sua pele. Sonhamos com a juventude negra nas universidades e com maior representação de mulheres e homens negros”, discursou a religiosa, que além de freira é jornalista.

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Participação social

O candidato afirmou que, se eleito, retomará a realização das conferências setoriais, com ampla participação social, para a formulação de políticas públicas. Ele destacou que mais de 70 conferências nacionais foram realizadas durante a gestão petista no governo federal. 

“Eu tenho a experiência de que, só tem sentido eu estar nessa disputa, se a gente tiver como obrigação que o povo decida as políticas que o governo vai colocar em prática nesse país”, afirmou.

“É preciso ter organização para a gente fazer as mudanças que precisam ser feitas. A fome voltou e voltou pior do que estava em 2003, pior. Ela voltou muito mais grave. Nós vamos precisar fazer muito trabalho social, e eu acho que as igrejas podem ajudar muito a gente fazer muita coisa. Nós temos muita coisa para cuidar”, afirmou.

Lula reforçou seu aceno ao segmento religioso e prometeu, se eleito, reuniões periódicas com representantes de Igrejas. “As igrejas podem suprir deficiências do Estado muito grandes”, declarou.

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“Esse encontro nosso não termina aqui. Está apenas começando. Quando a gente estiver no governo, vai precisar de muitas reuniões”, acrescentou. De acordo com Lula, a extrema-direita quer impor o bolsonarismo como uma “agenda definitiva” para o Brasil, o que sua candidatura tentará barrar. 

O vice de Lula, Geraldo Alckmin e o candidato ao governo de São Paulo, Fernando Haddad também se pronunciaram. Haddad afirmou ter “dor na alma” quando um brasileiro agride outra religião. “Transformar a intolerância religiosa em política de Estado é uma coisa que eu tenho certeza, minha família jamais imaginou ver no Brasil”, declarou o ex-prefeito de São Paulo.

Alckmin, ressaltou que o espírito da vida pública é o amor ao próximo. “São Mateus nos alerta contra os falsos profetas”, disse o ex-tucano.

Leia a íntegra da nota dos Padres da Caminhada e Padres contra o Fascismo:

“O que é de César a César, e o que é de Deus a Deus” (Mt 22,21)

A visita de Jair Bolsonaro ao Santuário Nacional de Aparecida

Somamos nossa indignação à de muitas e muitos que professam a fé católica. A causa dessa indignação é a leitura e a oração de consagração a Nossa Senhora Aparecida feitas pelo Sr. Jair Messias Bolsonaro, em uma missa vespertina no Santuário Nacional.

Horas antes ouvimos as palavras de Dom Orlando Brandes, Arcebispo Metropolitano de Aparecida: “Para ser pátria amada, não pode ser pátria armada (…). Para ser pátria amada, uma república sem mentira e sem fake news. Pátria amada sem corrupção e pátria amada com fraternidade.” Sua reflexão enche de esperança quem a ouve, sobretudo em um Brasil que ainda chora a morte de mais de seiscentos mil filhas e filhos por causa da má gestão de uma cruel pandemia; em um Brasil que sente a dor da fome, sobretudo das crianças cujo dia deveríamos estar comemorando; em um Brasil que sofre por ver milhões de famílias novamente empurradas para abaixo da linha da pobreza e obrigadas a sobreviver com uma sopa rala de ossos ou de carcaça de peixe; em um Brasil que vê suas matas arderem e seus povos originários serem encurralados em pequenos espaços de terra.

Sim, as palavras de Dom Orlando Brandes reacendem a esperança! Contudo, o que aconteceu no Santuário Nacional momentos depois acende a indignação!

O Sr. Jair Bolsonaro, ainda Presidente da República, fez uma visita ao Santuário Nacional, participou da missa, leu a leitura do livro de Ester – um escândalo, porque o que menos ele demonstra querer é o bem de seu povo (Est 7,3) – e rezou em nome desse povo a consagração a Nossa Senhora Aparecida. Dizíamos um escândalo, mas, por tudo o que aconteceu, é melhor usar a palavra “profanação”.

Sim, o Sr. Jair Bolsonaro profana a fé no Deus da vida fazendo uso dela para meros fins politiqueiros e vilipendia o Evangelho de Jesus de Nazaré que veio para que todos “tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). E não pela primeira vez, basta relembrar sua ida a uma missa em Brasília durante a qual recebeu a Eucaristia.

Como alguém que se deixa batizar nas águas do Rio Jordão por um pastor evangélico – líder de um partido político e que foi preso em uma operação anticorrupção – ainda se diz “católico”? Ou bem assume um credo ou outro e não fique usando-os para seus mesquinhos fins. Como alguém pode bradar pelos princípios cristãos da “família tradicional”, uma vez que em sua vida pessoal não dá provas de que acredita verdadeiramente neles, como quando ainda era parlamentar e mantinha uma residência oficial na capital federal “para comer gente”? Como alguém consagra o povo brasileiro à Mãe Aparecida tendo manifestado inúmeras vezes descaso por esse mesmo povo, especialmente pelos povos originários, pelos afrodescendentes, pelas mulheres, pelas e pelos LGBTQIA+? Como alguém reza a consagração a Nossa Senhora Aparecida dizendo que poucos morreram durante a ditadura militar, elogiando o torturador Coronel Brilhante Ustra e pregando o uso de armas pela população? Como alguém recorre à proteção da Padroeira do Brasil quando desprotegeu a população toda negando a gravidade da violenta pandemia?

Jair Bolsonaro, que gosta tanto de ostentar seu segundo nome, não tem nada de católico, nem de cristão, nem sequer de humano. É um facínora! Ele usa e abusa da fé como palanque político; tenta reverter suas seguidas derrotas políticas apelando à religião. Não, Jair Bolsonaro não é religioso. Ele perverte o ensinamento evangélico porque quer dar a Deus o que é do perverso César (Mt 22,21). Jair Bolsonaro não é de Deus!

Indignamo-nos com sua participação na missa em Aparecida, com sua profanação do sagrado no templo e fora dele, porque quem despreza a vida profana o sagrado. Indignamo-nos com o apoio que autoridades eclesiásticas católicas ainda expressam a esse homem maldoso que não possui o menor respeito pela fé e por aquelas e aqueles que a professam. Indignamo-nos com seu profano gesto de dar a César o que é de Deus.

Padres da Caminhada & Padres Contra o Fascismo [1]

Nota

[1] Padres da Caminhada & Padres contra o Fascismo – São coletivos de padres de todo o Brasil que se articulam informalmente, constituídos por mais de quatrocentos (400) padres e alguns bispos.

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