Orlando Silva defende responsabilizar Big Techs por fake news e desinformação

Para o deputado federal (PCdoB/SP), blindagem parlamentar é mais uma fake news para dificultar a tramitação do tema e favorecer as empresas de tecnologia.

O relator do Projeto de Lei das Fake News, deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), apoia uma flexibilização do Marco Civil da Internet que determine punição das plataformas digitais por conteúdos antidemocráticos, em linha com a proposta do governo Lula (PT) para a regulação do setor.

O tema se tornou ainda mais urgente com a dimensão que a desinformação e as fake news tomaram conforme parcela da população se mobilizou em quartéis em defesa de golpe de estado. Assim como a invasão ao Capitólio em Washington, em 6 de janeiro de 2022, o ataque aos Três Poderes em 8 de janeiro neste ano escandalizou o mundo e revelou a necessidade de algum nível de responsabilidade sobre a difusão de informação falsa por redes sociais e aplicativos de mensagem.

Orlando Silva falou ao Portal Vermelho e defende que deverá haver mudança no regime de responsabilidade no Brasil nos casos de violação da Lei do Estado Democrático de Direito, terrorismo e atentados contra a saúde pública. O deputado também quer incluir no texto da lei a responsabilização das plataformas nos casos em que as empresas ganham com impulsionamento ou monetização de conteúdo que viole a lei.

Procura-se uma fórmula que garanta às plataformas o “dever de cuidado”, ou seja, a obrigação de impedir a disseminação de conteúdo que viole a Lei do Estado Democrático de Direito. As violações envolvem pedidos de abolição do Estado de Direito, estímulo à violência para deposição do governo ou incitação de animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes.

Nesta semana, o deputado vai se dedicar a discutir o projeto com o governo, líderes partidários e consultas às bancadas. O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Alexandre de Moraes também será ouvido sobre o assunto.

“No momento, o mais importante é que existe uma confluência sobre a necessidade de tratar sobre o combate às Fake News e o ponto de partida é o debate acumulado no parlamento. Teremos avanços em breve”, disse ele à redação. A ideia é evitar falsas polêmicas que dificultem a tramitação.

Discusão democrática

Após a oposição do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o Planalto recuou da intenção de elaborar uma Medida Provisória para resolver a questão. Agora, o Executivo discute com Orlando e Lira como incorporar as medidas de punição das plataformas ao PL (Projeto de Lei) 2630, conhecido como PL das Fake News.

A responsabilização das plataformas não está na redação atual do PL das Fake News e seria, portanto, uma concessão ao governo.

Orlando não antecipa uma fórmula que agrade amplamente. Para ele, a melhor forma é aproveitar os três anos de debate sobre o tema. “O PL 2630 foi aprovado no Senado, recebeu muitas contribuições na Câmara, através de debates com a sociedade civil, empresários, academia e outros agentes. É o mais democrático”, garantiu.

Fake news contra o debate

Um dos pontos destacados para tumultuar o debate foi o que a imprensa chamou de “blindagem parlamentar”. O texto manteria a previsão de estender a imunidade parlamentar para a atuação em plataformas online. A questão foi interpretado como uma liberdade para políticos desinformarem impunemente.

Orlando é categórico ao afirmar que a tal “blindagem parlamentar” é uma Fake News para atrapalhar a tramitação. De acordo com o relator, o PL apenas redige o que já está no artigo 43 da Constituição sobre a imunidade parlamentar por opiniões e votos. 

“Isso vale no parlamento e vale nas redes. Aliás, o STF já decidiu isso. Agora, imunidade não acoberta crimes. Quem comete crime contra a democracia ou contra a honra de alguém, seja no microfone do Congresso, na rede social ou na padaria, deve ser processado e julgado, como prevê o Código Penal”, salientou.

Ele também enfatiza a necessidade de incorporar ao Projeto de Lei um órgão regulador para fiscalizar o cumprimento da nova legislação. Uma das opções seria um comitê gestor da internet, para reduzir o peso sobre o Poder Judiciário. Este é outro tema que atrapalha o debate por envolver disputa com as empresas.

“O problema é que as big techs, que ganham rios de dinheiro com milhões de usuários brasileiros, não querem ter nenhuma responsabilidade sobre eventuais conteúdos criminosos que ficam no ar, e nem dar transparência sobre como funcionam seus mecanismos de moderação”, explica o deputado. Resumindo, as grandes corporações digitais querem lucrar sem ter as responsabilidades decorrentes do negócio.

Autocensura generalizada

O Marco Civil da Internet, de 2014, é a principal lei que regula a internet no Brasil e determina que as plataformas só podem ser responsabilizadas civilmente por conteúdos de terceiros se não cumprirem ordens judiciais de remoção.

“É importante o debate sobre responsabilidade, que pode acarretar alteração no Marco Civil, e sobre um órgão regulador, pois não podemos deixar que tudo nessa seara fique a cargo do Judiciário”, afirmou.

A proposta do Ministério da Justiça brasileiro, que seria incorporada ao PL das Fake News, prevê responsabilização e remoção proativa de conteúdos pelas plataformas, antes de ordem judicial. No entanto, estabelece que as empresas não seriam responsabilizadas por determinadas postagens que violem a lei – elas só seriam multadas se houvesse descumprimento generalizado do “dever de cuidado”.

O receio de setores da sociedade civil, do Congresso e das plataformas é que essa responsabilização poderia levar as empresas a uma autocensura e remoção generalizada de conteúdos legítimos para evitar sanções.

Na opinião de Orlando, a moderação pelas Big Techs pode e deve existir. Mas ele insiste num modelo de transparência que não existe hoje. “Para que sejam públicos os critérios que fazem uma postagem ter alcance beneficiado e outra restringido. Com o devido processo para que o usuário possa recorrer quando se sentir injustiçado. O que não podemos admitir é que haja uma censura privada imposta pelas plataformas”, disse.

Experiência internacional

Orlando aponta para o debate internacional sobre o assunto. “Combater as fake news e enfrentar seus efeitos deletérios à democracia e até à saúde pública está na agenda global, é uma questão nas democracias em todo o mundo. Aqui, não seria diferente”. 

A legislação europeia, que acaba de entrar em vigor, mostra que, ao contrário do que diziam as plataformas, é possível colocar as regras em prática.

“Nossa Lei Geral de Proteção de Dados, por exemplo, coletou muitas experiências da União Europeia. Sobre Fake News, recentemente, o DSA da UE entrou em vigor, a UNESCO acaba de fazer um debate sobre o tema. Então, temos que assimilar as melhores experiências mundiais e ver as que cabem ser aplicadas à nossa realidade”, ponderou.

A diretiva de e-commerce da União Europeia (UE), de 2000, estabelece que as redes são responsabilizadas por conteúdo de terceiros ao saberem da existência dele e não removê-lo. Ou seja, é necessário retirar a publicação, por exemplo, se receber uma denúncia de um usuário.

A lei de serviços digitais, vigente a partir deste mês na UE, mantém essa imunidade, mas estabelece uma série de obrigações que devem ser cumpridas pelas plataformas, como relatórios de transparência, e demonstração de conteúdos danosos removidos.