A expulsão do paraíso. Por Rosemberg Cariry

O mistério durou até o dia em que chegou, na feira semanal do Crato, um caminhão carregado de maçãs, para o assombro do povo e delírio das crianças.

Macaúba

Dos muitos filmes que vi, quando era criança, ficou-me uma imagem persistente e misteriosa, em seu poder simbólico, afrodisíaco e mágico: a maçã. No filme bíblico, projetado no catecismo, Adão come uma maçã oferecida por Eva. Os dois são expulsos do paraíso e iniciam uma trágica história. Em outros filmes, a maçã estava na mesa e na boca de imperadores romanos, em desabusados banquetes; nos filmes de piratas, eles eram capazes de saltar em uma corda, de um navio para outro, matar o bandido, salvar a mocinha e morder uma maçã. Menino do sertão, que nunca vira tal fruta de verdade, inquietava-me em muitas interrogações. Que maravilha de fruta era aquela, capaz de tantos prodígios? Qual seria seu sabor, já que eram tão belas as suas cores e tão harmoniosa a sua forma?


O mistério durou até o dia em que chegou, na feira semanal do Crato, um caminhão carregado de maçãs, para o assombro do povo e delírio das crianças. O chofer-vendedor anunciava, com forte sotaque espanhol (talvez falso): “Manzanas, manzanas, manzanas!” Não, não se tratava de um sonho, as maçãs estavam ali, ao alcance da mão e da boca, em troca de algumas moedas.


Senti-me aflito. Dinheiro não tinha. O que fazer? Corri até a pequena bodega do meu pai, tirei da gaveta algumas moedas e fui comprar a oferecida maçã. Passei as moedas para o vendedor e recebi a fruta misteriosa. Tremi de prazer ante a expectativa da primeira mordida. Não posso precisar o tempo que a maçã levou para percorrer a distância entre minha mão e minha boca. Pareceu-me uma eternidade. Mordi o fruto tão desejado, mas… Ai de mim! A maçã não tinha gosto e nada de maravilhoso me aconteceu, como eu vira nos filmes. Sai dali cabisbaixo, expulso do paraíso.


A maçã foi a minha primeira decepção com o cinema, além do horror de passar três meses temendo o fogo do inferno. Aquela “frutinha estrangeira” não tinha o generoso sabor de uma manga-rosa madura, dessas que a gente morde sem culpa e se lambuza todo; não tinha o gosto azedo-doce do cajá, nem mesmo trazia, para o seu consumo, o lúdico do esforço-recompensa de roer uma macaúba, por exemplo.

Rosemberg Cariry é cineasta.

Fonte: (O Povo – 5 de abril de 2023)

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