Após mudança em lei, Brasil celebra Dia dos Povos Indígenas

O ‘Dia do Índio’, como era conhecido até 2022, teve a nomenclatura alterada por desconsiderar a diversidade das diferentes etnias

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Neste 19 de abril, o Brasil celebra o “Dia dos Povos Indígenas” pela primeira vez, em substituição ao antigo “Dia do Índio”. Motivo: a palavra “índio” é considerada problemática por ser um termo genérico e não considerar a diversidade das culturas dos povos originários.

A mudança foi oficializada em julho de 2022 através Lei 14.402/22, sancionada pela então deputada federal, hoje presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana – e após o Congresso Nacional derrubar o veto integral do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Há anos, ativistas das causas indígenas argumentavam que a data, que marca a luta dos povos originários pela sobrevivência desde a colonização do Brasil, deveria ser alterada.

Diferenças entre índio e índigena

Ao G1, A professora e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) Márcia Mura argumenta que a alteração era necessária para refletir as ideias e lutas das diversas sociedades indígenas, visto que “índio é um termo genérico”, ou seja, reproduz a visão do colonizador, desconsiderando as diferenças linguísticas e culturais. Já o termo “indígena” é uma palavra que significa “natural do lugar em que vive” e expressa que cada povo é único, de onde quer que seja.

Para o escritor indígena, doutor em educação pela Universidade de São Paulo e pós-doutor em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos, Daniel Munduruku, a palavra “índio” “esconde toda a diversidade dos povos indígenas”.

“A palavra ‘indígena’ diz muito mais a nosso respeito do que a palavra ‘índio’. Indígena quer dizer originário, aquele que está ali antes dos outros”, explicou ele em entrevista à BBC News Brasil.  Munduruku pertence ao povo indígena de mesmo nome, que está situado em regiões do Pará, Amazonas e Mato Grosso.

Individualidade dos povos originários

O movimento de adoção ao termo “indígena” é significativo porque representa a exposição das individualidades dos povos, conforme defende a mestra em Linguística Aplicada pela PUC-SP Maria Vitória Berlink. Os povos originários procuram tomar para si o direito de se definirem e de mostrar que são mais do que o termo “índio” exprime, que foi utilizado pelos colonizadores portugueses e espanhóis de forma rasa, sem considerar qualquer traço individual dos povos.

“Os colonizadores portugueses e espanhóis, principalmente, usavam a palavra ‘índio’ para qualquer povo originário que encontravam pelo território. É um termo raso, que não considera qualquer traço individual destes povos. O que estes mesmos povos tentam fazer agora é tomar para si o direito de se definirem e de mostrar que são mais do que o termo exprime”, explica.

Mura também ressalta a necessidade de respeitar a identidade cultural individual de cada povo e tratar as etnias pelo nome. “Quando dizemos que não somos índios, queremos dizer que somos Mura, Uruéu-Au-Au, Guarasugwe, todos habitantes do território Pindorama, que é como os Tupinambá chamam o que os colonizadores deram o nome de Brasil, mas diferentes”.

Campanha: “Nunca mais um Brasil sem nós”

Para dar mais visibilidade a este dia, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) lançou a campanha “Nunca mais um Brasil sem nós”. Uma ação que propõe dar visibilidade a luta dos 305 povos indígenas que resistem e existem no Brasil, e que garantem a preservação de 274 línguas faladas. Os povos indígenas habitam todos os biomas brasileiros e são os protagonistas da sua preservação.

Em nota divulgada nesta quarta, o MPI diz que “está disposto a fazer deste momento a grande retomada da política indígena brasileira. Com muito trabalho – em consonância com as centenas de povos originários espalhados pelo país – e grandes avanços, que já estão sendo realizados, é possível ressignificar o Dia dos Povos Indígenas.”

Segundo o MPI, a campanha celebra a força da ancestralidade, que persiste, luta e existe. “Hoje, a terra indígena resplandece em sua grandeza. É tempo de honrar a cultura, a história e a diversidade dos povos originários, que emergem exuberantes, pintados de urucum e jenipapo.”.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comemorou a data nas redes sociais e, além frisar a importância da luta dos povos originários, também falou sobre o país estar vivendo, pela primeira vez, a experiência de ter um Ministério dos Povos Indígenas com uma mulher comandando a pasta. “Esse é um motivo de orgulho.”

Dia para reivindicar e não comemorar

Ainda ao portal G1, Mura argumenta ainda que o dia 19 de abril não é um dia de celebração para os povos indígenas, mas sim de reivindicação. Segundo ela, os povos indígenas ainda precisam lutar diariamente pelo seu território, cultura e direito de viver, “enquanto enfrentam uma sociedade que os mata aos poucos”.

Dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o desmatamento na Amazônia Legal (10.267 km² no último ano) tem sido alarmante e as terras dos povos indígenas estão sendo perdidas para diferentes tipos de atividades humanas. “Estamos perdendo nossas terras para estradas, hidrelétricas, termelétricas, pastos e para a mineração ilegal. Não podemos comemorar enquanto tentamos sobreviver”, diz a professora.

Márcia destaca que os povos indígenas não estão apenas na floresta, mas também em áreas urbanas. Ela enfatiza o direito de demarcação dos territórios dos povos indígenas e lembra que o cuidado com a terra é responsabilidade de todos. Mura acredita que tanto os povos indígenas quanto os não indígenas devem cuidar da floresta e dos rios, já que todos serão afetados se os biomas forem destruídos. Ela enfatiza que tudo está interligado e que todos estamos ligados a este ambiente.

“Os povos cuidam da floresta e dos rios, mas os não indígenas também precisam cuidar. Eles também vão ser afetados se faltar chuva, se os biomas forem destruídos. Todos os biomas são importantes e são ligados aos outros. Tudo está interligado e nós estamos ligados a este ambiente.”, disse Mura.
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com informações de agências

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