MP tem prova decisiva sobre “rachadinha” em gabinete de Carlos Bolsonaro

Após anos de análise e risco de arquivamento, investigação descobre prova de desvio de mais de R$ 2 milhões

Carlos Bolsonaro. Foto: Lula Marques/ABr

Chefe de gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) recebeu R$ 2,014 milhões em depósitos provenientes das contas de seis servidores. A movimentação financeira é a prova mais robusta na investigação sobre suspeita de “rachadinha” no gabinete de Carlos na Câmara. O rastro financeiro perseguido pelo Ministério Público do Rio de Janeiro foi divulgado em detalhes pelo jornal O Globo.

Até então, os indícios apontavam para a existência de “fantasmas”, funcionários que recebem sem trabalhar. Mas não comprovavam que o dinheiro era de fato transferido para um operador do esquema.

A “rachadinha” é o esquema em que o parlamentar se apropria de parte dos salários dos servidores do gabinete, uma prática que pode configurar peculato, o desvio de dinheiro público. Os servidores aceitam receber uma parte pequena do salário.

O novo laudo pode provar que Carlos Bolsonaro se beneficiou diretamente do desvio dos salários. Ao todo, 27 pessoas e cinco empresas ligadas a Carlos são investigadas pelo esquema.

O principal desafio, agora, é provar se Carlos foi beneficiado pelos desvios. Para imputar crimes ao vereador, é necessário que ele tenha recebido, de alguma forma, esse dinheiro. A Promotoria testa hipóteses ao seguir o dinheiro e ver o que encontra.

Fantasmas operantes

Jorge Luiz Fernandes é chefe de gabinete do vereador Carlos Bolsonaro desde 2018. Além de receber mais de R$ 2 milhões no esquema de rachadinha, Fernandes usou contas pessoais para pagar despesas de Carlos. O laudo é suficiente para imputar crime de peculato contra ele.

Agora, uma investigação complementar vai determinar se os pagamentos foram eventuais ou regulares, embora o esquema costume ser sistemático. O pedido é da 3ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada.

Os funcionários tinham parentesco entre si e também com servidores de outros gabinetes da família e do próprio Jair Bolsonaro, além de serem fantasmas, pois sequer compareciam ao gabinete. O laudo do MP conseguiu verificar até mesmo os saques com cartão, logo após o depósito do salário de alguns funcionários.

Esquemão

A investigação contra outro filho do ex-presidente, o hoje senador Flávio Bolsonaro (PL), mostra que o esquema de Carlos segue padrões parecidos. Os relatos eram muito semelhantes, como a falta de emissão de crachás por parte de funcionários nomeados e o não comparecimento deles à Câmara.

Além disso, Fernandes pagou despesas pessoais de Carlos, algo parecido com o que Fabrício Queiroz fazia no caso de Flávio. O senador conseguiu enterrar a investigação alegando supostas falhas processuais.

Depois, transações imobiliárias suspeitas foram encontradas, com uso de dinheiro em espécie e pagamento de valores bem inferiores aos usados pela prefeitura para cálculo de imposto. Os métodos são indícios tradicionais de lavagem de dinheiro.

Em maio de 2021, a Justiça autorizou a quebra de sigilo bancário e fiscal de Carlos e de mais 26 pessoas e sete empresas, incluindo a segunda ex-mulher de Bolsonaro Ana Cristina Valle e parentes dela.

Um dos focos do MP, naquele momento, eram relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que identificavam movimentações atípicas nas contas de empresas de Ana Cristina, que trabalhou pelo gabinete de Carlos.

Àquela altura, o chefe de gabinete Jorge Fernandes parecia mais um personagem entre todos os investigados, e não um operador do esquema.

Foram precisos dois anos sem sigilo nos documentos até que se chegou ao montante transferido para Jorge Fernandes. Até então, muitos acreditavam que a apuração parecia condenada ao arquivamento. A demora está está relacionada com a troca de promotores na investigação.

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