A polêmica sobre a Venezuela e o lugar do Brasil no mundo multipolar

Mais: Saiba quem são os 20 países que desejam aderir aos BRICs / Espanha – Esquerda Unida apoiará Yolanda Díaz / Tensão aumenta no Kosovo, manifestantes enfrentam Otan.

A retomada em alto nível das relações entre Brasil e Venezuela é notícia que deve ser comemorada por todo o verdadeiro patriota. Qualquer país do mundo que compartilhe mais de 1.200 km de fronteira com outra nação, deseja cultivar as melhores relações possíveis com este vizinho. Ainda mais se entre os dois povos jamais tenham ocorrido dissenções importantes e se, pelo contrário, durante séculos as duas pátrias conviveram e comerciaram da forma mais amistosa possível. Pergunta-se então: o que impede que o chefe de estado e governo da Venezuela seja recebido de forma calorosa e com as devidas honras que se deve prestar ao líder de uma nação vizinha e amiga como ocorreu nesta segunda-feira (29) em Brasília? Nada, a não ser uma pressão imoral do imperialismo, verbalizada por uma mídia sem qualquer compromisso com os interesses nacionais.

Que surpresa! Analistas de “O Globo” criticam Lula e atacam Maduro

De repente, diante do tema Venezuela, ocorrem curiosos fenômenos: idólatras de torturadores e defensores da ditadura militar passam a defender os direitos humanos e a democracia; órgãos de imprensa que lutam para preservar o monopólio midiático e adotam posições monolíticas sobre os principais assuntos, defendem a pluralidade. A cobertura da mídia hegemônica brasileira sobre a recepção do presidente Lula ao presidente venezuelano é tão uniforme que basta ler um jornal para ter lido todos. Vamos ficar com o exemplo de O Globo, jornal símbolo de apoio à corrupta ditadura dos generais que durante mais de 20 anos prendeu, torturou e matou opositores no Brasil. Diz O Globo, em sua edição desta terça-feira (30) que Maduro “conduz um regime ditatorial que sufoca a democracia e as liberdades do país”, e garante que Lula foi criticado por todos os lados, pela oposição, por integrantes do próprio governo (que não são nomeados pela reportagem) e, para surpresa geral, pelos “analistas ouvidos pelo Globo”.

A torrente de mentiras sobre a Venezuela

Venezuela paz

Os manjados “analistas ouvidos pelo Globo” e o próprio jornal poderiam facilmente entrar com grandes chances em um concurso sobre Fake News quando o tema é Venezuela. Mesmo levando-se em conta os critérios que definem uma democracia burguesa (cuja principal característica é sempre ter muito de burguesa e pouco de democracia) não se pode acusar a Venezuela de ser uma ditadura. Lá, existe uma ampla variedade de mídia oposicionista que conta com farto financiamento privado e estrangeiro em pleno e livre funcionamento. Qualquer um que tenha ido a Venezuela testemunha este fato. Existe também ampla gama de partidos opositores, de direita e de esquerda, que atuam cotidianamente, inclusive ocupando postos no parlamento nacional, nos governos e parlamentos regionais. Sim, com certeza não é uma democracia perfeita e deve ter pontos a aprimorar. Mas do ponto de vista da nossa mídia hegemônica (porta-voz da burguesia brasileira) democracia perfeita é a Espanha (da qual falaremos mais adiante) cujo Chefe de Estado e comandante do Exército é um Rei, que ninguém elegeu ou elegerá, pois a sucessão é hereditária. Isso sim, é uma democracia de verdade, baseada no sangue azul, o que impede que um reles motorista de ônibus (Nicolás Maduro) seja recebido como chefe de Estado por um simples metalúrgico (Lula da Silva).

Venezuela: Recordar é viver

Lembram quando, em 2014, a presidenta Dilma Rousseff foi reeleita e Aécio Neves não reconheceu o resultado, potencializando uma crise que já vinha sendo gestada e que redundou no golpe de Estado de 2016? Pois aconteceu parecido com a Venezuela. Em 2013 Maduro venceu as eleições presidenciais por margem apertada contra o opositor Henrique Capriles (50,66% x 49,07%). Capriles não reconheceu o resultado, que segundo ele foi fraudado. Entre parênteses: que fraude estranha, fraude que dá uma vitória tão apertada é muito malfeita. Mas voltando ao curso dos acontecimentos: em 2016, na eleição para a Assembleia Nacional, a oposição sai amplamente vitoriosa e toma o controle do parlamento nacional. O Conselho Nacional Eleitoral que organizou a eleição parlamentar foi o mesmo que havia organizado o pleito presidencial de 2013, mas desta vez não houve acusação de fraude. Na mesma noite em que os resultados foram proclamados, o presidente Nicolás Maduro reconheceu a derrota do governo e disse que iria trabalhar junto com a Assembleia dominada pela oposição para superar a crise política e econômica. A resposta veio rápida, pela boca do novo presidente do parlamento, Henry Ramos Allup: “em seis meses iremos derrubar Nicolás Maduro”, prometeu.

A estranha ditadura venezuelana

Oposição vence eleição para governador, em janeiro de 2022, em estado natal de Nicolás Maduro

A partir daí a crise se agudizou, com todo tipo de tentativa de derrocar o governo eleito, inclusive ataques terroristas que causaram destruição e mortes. Diferentemente do Brasil, a esquerda venezuelana foi capaz de impedir a consumação do plano golpista de uma direita que, tanto na Venezuela quanto no Brasil, não sabe perder. Atualmente, embora a questão econômica permaneça grave, principalmente devido ao bloqueio promovido pelos EUA, politicamente a situação está bem melhor. Maduro foi reeleito em 2018 e os chavistas reconquistaram nas urnas a maioria do parlamento nacional. A oposição continua forte em algumas áreas do país. Por exemplo, em Barridas, terra natal do presidente, a oposição venceu a eleição para o governo local em janeiro de 2022 com Sergio Garrido, da Mesa da Unidade Democrática (MUD), alcançando 55,36%, contra o ex-chanceler chavista Jorge Arreaza, com 41,27%. Estranha ditadura essa, não? De qualquer modo, hoje a oposição em sua maioria participa do processo eleitoral e de uma mesa de diálogo com o governo que tenta normalizar definitivamente a situação política no país, enquanto o presidente “autoproclamado” Guaidó, está totalmente desmoralizado.

Venezuela e o que realmente incomoda

Durante os governos Lula e Dilma uma crítica constante da mídia hegemônica era a de que a política externa brasileira estava “ideologizada”, e que o Brasil deveria defender seus interesses de forma pragmática. No entanto, as críticas que assistimos sobre o encontro entre Lula e Maduro são todas de viés ideológico. Não se mencionam os interesses nacionais envolvidos na questão, como se eles não existissem. O presidente brasileiro, apresentando números precisos, mostrou que o comércio entre os dois países, durante o governo Bolsonaro, caiu para 1/5 do que era antes, penalizando as duas nações com a perda de bilhões de reais de receita. Nesta terça-feira começou a reunião convocada por Lula com todos os chefes de governo do Cone Sul (só não estará presente a presidenta do Peru, Dina Boluarte, por questões internas). Segundo a embaixadora Gisela Maria Figueiredo, secretária do Ministério das Relações Exteriores para a América Latina e Caribe, ouvida pelo jornal O Globo, são três os objetivos do encontro: “retomar o diálogo”; buscar uma “visão comum” e acordar uma agenda de cooperação em temas como saúde, infraestrutura, energia, meio ambiente e combate ao crime organizado. Essas duas iniciativas do governo brasileiro, em relação à Venezuela e o encontro dos presidentes da América do Sul, são passos decididos do Brasil no sentido de ocupar, na nova realidade do mundo multipolar, um lugar apropriado ao seu tamanho e importância. E isso, já se sabe, incomoda muita gente.

Saiba quem são os 20 países que desejam aderir aos BRICs

Os chanceleres do grupo BRICS reúnem-se na África do Sul na quinta e sexta-feira (1 e 2 de junho) para discutir questões geopolíticas urgentes, incluindo a primeira ampliação do bloco em mais de uma década. Desde a sua formação em 2006, o agrupamento BRICs expandiu-se apenas uma vez, com a inclusão da África do Sul em 2011. Na reunião na Cidade do Cabo, os representantes de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul discutirão os pedidos formais e informais de adesão de pelo menos 20 países e as modalidades para uma futura ampliação. Esta lista de 20 nações não foi divulgada oficialmente, mas a Súmula Internacional organizou sua própria lista baseada em declarações do chanceler russo Serguei Lavrov à TV BRICs, onde ele menciona alguns pedidos de adesão e notícias sobre pedidos de adesão veiculadas por agências internacionais. Desta forma, sujeita a alguma imprecisão, seriam estes os 20 países que já tomaram a decisão de fazer parte dos Brics e que provavelmente serão objeto de discussão nesta próxima reunião dos chanceleres: Afeganistão, Arábia Saudita, Argélia, Argentina, Bahrain, Bangladesch, Bielorrússia, Cazaquistão, Egito, Emirados Árabes Unidos, Indonésia, Irã, México, Nicarágua, Nigéria, Paquistão, Senegal, Síria, Tailândia e Turquia.

Esquerda Unida apoiará Yolanda Díaz nas eleições da Espanha

A Esquerda Unida (EU), federação de partidos da qual faz parte o Partido Comunista da Espanha (PCE), decidiu apoiar a candidata do “Movimento Sumar”, Yolanda Díaz, atual ministra do trabalho. Yolanda Díaz é membro do PCE, mas deixou a Esquerda Unida para fundar o Movimento Sumar, permanecendo, no entanto, no Partido Comunista. Yolanda será o nome defendido pela lista Esquerda Unida / Sumar para o cargo de Presidente de Governo (primeiro-ministro). A eleição será no dia 23 de junho. Segundo o coordenador nacional da EU, Alberto Garzón, a candidatura representa “a melhor oportunidade para oferecer um projeto de país e vencer as eleições gerais (…) nem um minuto a perder: todos trabalhem como uma unidade dentro da Sumar”, escreveu o líder da EU nas redes sociais. As eleições gerais espanholas iriam acontecer em dezembro, mas foram antecipadas pelo atual primeiro-ministro, Pedro Sanchez, devido a derrota do seu partido, Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) nas eleições regionais que foram favoráveis à direita (PP) e à extrema-direita (Vox).

Tensão aumenta no Kosovo, manifestantes enfrentam Otan

Foto: REUTERS/Laura Hasani

O Kosovo foi o pretexto utilizado pela Otan, em 1999, para atacar e destruir a Iugoslávia em nome de proteger a etnia albanesa. Na região, atualmente sob ocupação de tropas da Otan, existem bolsões de etnias albanesas e sérvias, que segundo vários relatos, antes da intervenção da Otan, conviviam sem maiores problemas. Recentemente, as autoridades kosovares nomearam prefeitos albaneses para regiões de maioria Sérvia o que vem provocando repetidos conflitos. A Sérvia acusa as tropas da Otan e a polícia do Kosovo de “ações brutais” contra os sérvios étnicos e colocou seu exército em prontidão máxima e próximo à fronteira. Na batalha midiática, as agências internacionais de notícias (reproduzidas acriticamente no Brasil) chamam os soldados da Otan de “soldados da paz”. O Briefing Diário da agência Reuters, por exemplo, diz que “soldados da paz da OTAN ficaram feridos em confrontos com manifestantes sérvios”. Quem lê o texto pensa que os manifestantes sérvios estão atacando doces pacifistas que conduzem apenas flores e pombas da paz. Pelo contrário, são soldados mesmo, treinados para a guerra e portando todo um aparato de fogo letal. O presidente sérvio criticou, nesta segunda-feira, o “comportamento irresponsável” do primeiro-ministro do Kosovo, Albin Kurti, que parece “sonhar” ser “uma espécie” de Vladmir Zelenski, o presidente ucraniano, à medida que as tensões crescem na região. O Kosovo não tem assento nas Nações Unidas e a maioria dos países da ONU não reconhece Kosovo como uma nação, incluindo o Brasil.

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