A badalada The Economist ainda acha que “a gente somos inútil”

Mais prestigiada revista econômica do mundo afirmou que nós, latinos, somos “trabalhadores inúteis”. A expressão foi usada no título de uma reportagem que critica a suposta baixa produtividade dos trabalhadores na América Latina

A badalada The Economist ainda acha que “a gente somos inútil”

“Tem gringo pensando / Que nóis é indigente”, já dizia o Ultraje a Rigor na letra de Inútil. Passados 40 anos do lançamento do maior hit da banda, a britânica The Economist comprova que a percepção dos “gringos” não mudou tanto. Sem muita cerimônia, a mais prestigiada revista econômica do mundo afirmou que nós, latinos, somos “trabalhadores inúteis”.

A expressão foi usada no título de uma reportagem publicada na semana passada. O texto criticava a “baixa produtividade” da classe trabalhadora na América Latina. A região, segundo a revista, era “uma terra de trabalhadores inúteis” (“a land of useless workers”). A chamada questionava “por que os trabalhadores latino-americanos são tão improdutivos”.

O racismo e a xenofobia da grande mídia europeia costumam ser mais velados e sutis, sem adjetivação. É um preconceito enrustido e envergonhado, típico de quem ainda sonha em ver o Velho Continente como o centro da nossa civilização.  

O ataque da Economist  aos latino-americanos, de tão ostensivo, foge à regra. Não por acaso, provocou uma onda imediata de protestos, a começar pelos leitores online. Acadêmicos e críticos da mídia endossaram as críticas.

Em depoimento à NBC News, Alexander Aviña, professor de História da Universidade do Arizona, afirmou que o teor da reportagem “é racista, é incendiário, é um insulto”. Aviña lembra que “parte da imprensa dos Estados Unidos no século 19, até mesmo no século 20”, recorria a estereótipos para rotular, por exemplo, “a falta de desenvolvimento e produtividade” no México.

A seu ver, os editores da The Economist “sabem o que estão fazendo”. A ofensa no título e no subtítulo seria uma espécie de “caça-cliques” para turbinar a audiência da reportagem. “Ainda assim, acho que é incrivelmente insultante, objetivamente impreciso em vários níveis – e acho que é racista”, reiterou Aviña.

Outro professor, Ignacio Sánchez Prado, que dá aulas de Estudos Latino-Americanos na Universidade de Washington, foi além. Segundo ele, “há uma ideia fixa que rebaixa os países latino-americanos a estereótipos. Matérias como esta se alimentam dessa representação”.

Além disso – diz Ignacio –, se as condições de trabalho não são as melhores para as empresas na região, a Economist é suspeita para denunciá-las. “Boa parte disso se deve às políticas econômicas passadas – algumas inclusive endossadas pela revista – que contribuíram para minar as condições econômicas do México e da América Latina”, diz o professor.

A saraivada de críticas levou a revista a reescrever o título, mudando-o para “Uma terra de trabalhadores frustrados” (“A land of frustrated workers”). Em nota, os editores tentaram explicar que queriam tão-somente analisar “os custos sociais e econômicos da baixa produtividade” na região, em especial as “as causas estruturais”. Em autolouvor, a publicação diz que terminou a reportagem “com apelos para uma melhor formulação de políticas”.

Inúteu! / A gente somos inúteu!”, ironizava o refrão da música do Ultraje. Quatro décadas se passaram, e a badalada The Economist ainda nos acha “inúteis” – ou melhor, “frustrados”. Não houve pedidos de desculpas – e não haverá. Aos olhos da revista, tudo pode ser resumido à sentença de que “a gente somos inútil”.

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