Pioneira no Brasil, UnB celebra 20 anos da política de cotas raciais
Instituição foi a primeira federal a adotar ação afirmativa racial. Mais de 38 mil alunos negros foram beneficiados
Publicado 23/06/2023 15:38 | Editado 26/06/2023 16:55
Primeira instituição federal a adotar a política de cotas raciais, a Universidade de Brasília (Unb) realizou, nesta quinta (22), uma cerimônia para celebrar os 20 da implementação da iniciativa.
A data é marcada pela aprovação do Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial da UnB, que estabeleceu 20% das vagas do vestibular para candidatos negros, além de disponibilizar cadeiras para indígenas de acordo com demanda específica.
Desde 2004, primeiro ano de implantação da política, 38.042 estudantes entraram na universidade pelo sistema. Após a Lei de Cotas, de 2012, a instituição destina 50% para estudantes de escolas públicas, com base nos critérios de renda e raça e mantém 5% das vagas exclusivas para negros.
Na reunião extraordinária do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), órgão que aprovou e estruturou a política na UnB, o pedagogo e representante dos cotistas da universidade, Jonhatan Gonçalves, relatou como a política de cotas lhe permitiu acessar a educação.
“Minha família sequer tinha condições físicas, psíquicas, emocionais e culturais para tamanho apoio, suporte ou investimento à minha educação”, disse Gonçalves.
Avanços
O vice-reitor da UnB, Henrique Huelva, destaca que adoção das cotas foi o primeiro passo para saldar uma dívida do país com a população negra, vítima de um processo de escravidão, uma das maiores atrocidades cometidas pela humanidade. Segundo ele, o caminho ainda é longo.
Conforme pesquisas internas da universidade, quase 12% dos alunos se declaram pretos e 34% pardos. Entre os docentes, o percentual dos que se declaram pretos cai para 4%, e 20% pardos.
“Isso mostra a necessidade de termos cotas, ações afirmativas em mestrado e doutorado, os dois passos seguintes, para que se permita a entrada de novos docentes e pesquisadores e tenhamos uma aproximação um pouco mais satisfatória entre a composição étnico-racial da sociedade brasileira e composição interna da universidade”, disse Huelva.
Em 2020, a universidade estendeu a política de cotas para a pós-graduação, destinando 20% das vagas de cada edital para candidatos negros e ao menos uma vaga adicional em todas as seleções de stricto sensu para indígenas e quilombolas, As regras entraram em vigor no primeiro semestre de 2021. Está em discussão pelo Cepe a reserva de vagas para docentes.
A reitora da UnB, Márcia Abrahão, contou as pressões e desafios enfrentados pela UnB, ao ser a pioneira na implantação das cotas raciais para ingresso na graduação. Um dos episódios mais marcantes foi a contestação da iniciativa no Supremo Tribunal Federal (STF).
Na ocasião, a universidade teve de realizar um estudo sobre o nível de conhecimento dos estudantes cotistas para contestar ação judicial. Em abril de 2012, a Corte Suprema reconheceu que a política era constitucional. No mesmo ano, o governo federal instituiu a Lei de Cotas.
Em outro momento, a universidade teve de lidar com as inúmeras fraudes decorrentes da autodeclaração dos candidatos.
“A universidade foi ousada e vai experimentando. Foi um momento em que a universidade confiou que autodeclaração, de acordo com a lei [de Cotas], seria suficiente para que as pessoas entendessem que é uma política específica. Infelizmente, tivemos muitos casos de fraudes, estabelecemos comissões de investigação. Retornamos com as comissões de heteroidentificação”, afirmou.
A UnB recriou a comissão de heteroidentificação em 2022, quando uma banca avalia a autodeclaração de candidatos negros, indígenas e quilombolas para ingresso nos cursos de graduação. Dois anos antes, em decisão inédita, a instituição expulsou 15 estudantes após intensa investigação comprovar fraude na autodeclaração.
Permanência na universidade
Para a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, as cotas precisam ter como suporte políticas de incentivo à permanência dos cotistas na universidade.
“Quem é estudante sabe o quanto o dinheiro para as refeições, lanches e xerox são fundamentais para a gente se manter e viver estudando, sem precisar abandonar o estudo e correr atrás de outros modos de sobrevivência. É um auxílio fundamental para estudantes quilombolas, indígenas em situação de vulnerabilidade socio-econômica”, disse a ministra.
*Com informações da Agência Brasil
Em fevereiro, o governo federal anunciou reajuste da Bolsa Permanência, com percentuais de 55% a 75%, o que não ocorria desde 2013. Atualmente, os valores vão de R$ 400 a R$ 900.