A disputa por Taiwan e a “guerra dos chips”

Os Estados Unidos vem promovendo uma guerra econômica contra a China, por meio de restrições a exportações de alta tecnologia, como a computação quântica, a biotecnologia, e principalmente semicondutores

No dia 19 de junho, o presidente da China, Xi Jinping, se encontrou com o secretário de Estado estadunidense, Antony Blinken, o primeiro a visitar a China em cinco anos. O encontro ocorreu em Pequim, quando a relação entre os dois países enfrenta o pior momento desde o restabelecimento das relações diplomáticas em 1979. O presidente Xi disse que foram feitos progressos, mas nenhum acordo foi alcançado.

A visita teria sido provocada após o The Wall Street Journal, noticiar que, em 8 de junho, a China tinha feito um acordo secreto com autoridades cubanas para estabelecer uma estação de escuta em Cuba.  Mike Gallagher, um republicano anticomunista que preside um comitê especial da Câmara dedicado a combater a China e banir o Tik Tok[1], declarou que uma nova guerra fria ameçava os Estados Unidos.

Na realidade, Blinken se apresentou como um enviado do Império a dar um recado aos chineses. Lembrou que existem “many issues on which we profoundly, even vehemently, disagree” [“muitas questões sobre as quais discordamos profundamente, até veementemente”], segundo a revista The Economist[2]. No dia seguinte, o presidente estadunidense, Joe Biden, chamou Xi Jinping de ditador. Antes, em março de 2021, numa conferência a imprensa, ele já tinha chamado o presidente chinês de um autocrata que não tinha um “osso democrático em seu corpo”[3]. As palavras pouco lisongeiras de Biden ao se referir ao presidente chinês são reveladoras da falta de rumo que os Estados Unidos enfrentam.

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Os Estados Unidos vem promovendo uma guerra econômica contra a China, por meio de restrições a exportações de alta tecnologia, como a computação quântica, a biotecnologia, e principalmente semicondutores. Além disso, Washington resolveu aumentar as provocações, utlizando a ilha de Tawiam que, conforme o Comunicado de Xangai de 1972, o próprio governo estadunidense reconhece como pertencente a China. As forças armadas dos Estados Unidos vem realizando manobras no Mar do Sul da China, e mais recentemente o chefe da Organização do Tratado Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg, sugeriu a ampliação da organização à Asia, como forma de proteger o “mundo livre asiático”. Sem esconder seu cinismo, Stoltenberg, advertiu que a China é uma “potência cada vez mais autoritária” que não só ameaçam Taiwan como também os países que formam a Otan[4].  Em outubro de 2021, Biden declarou sua disposição em ajudar militarmente Taiwan se ela fosse atacada, disposição reafirmada em entrevista coletiva realizada em Tokyo em maio de 2022.

As provocações em torno de Tawian não são de agora, importante lembrar.  Em 1996, os Estados Unidos despacharam dois grupos de batalha de porta-aviões ao estreito de Taiwan, naquilo que ficou conhecido como a “Crise de Taiwan”. Em 2010 e 2011, durante o governo Barack Obama foram despachados para Taiwan cerca de US$ 12 bilhões em armas, violando o acordo assinado no governo Reagan em 1982 (“Comunicado de 17 de agosto”), que prometia reduzir a venda de armamentos para província. A situaçao deteriorou-se durante o governo Donald Trump (2017-2021). Trump passou a ignorar tratados e acordos internacionais com o argumento de que as leis internacional visam restrigir os Estados Unidos . Nesse sentido, acordos com a China que envolviam Taiwan foram ignorados. Mais do que isso, John Bolton – ex-assessor de segurança nacional de Trump que, segundo ele mesmo, tem experiência em planejar golpes de estado – disse explicitamente que era preciso rever “a  política de uma só China”, e que slogans como “uma só China” e “um país, dois sistemas” são jogos de palavras em que os Estados Unidos sucumbiram inadivertidamente. No fundo, segundo Bolton, o que Pequin quer é que Tawian entre em colapso para que o PCCh tranformá-la numa ditadura. Os Estados Unidos devem impedir isso por meio do aumento da presença militar na Ásia Oriental[5]. Bolton provavelmente apoiaria a ideia do general Douglas McArthur de jogar até 50 bombas atômicas na China[6].

Chip War

Agora, com o governo Biden as provocações em torno de Taiwan ganharam novo alento, com o objetivo de forçar Pequin a tomar uma ação militar no Estreito de Taiwan e evitar que em um futuro próximo a reunificação aconteça de forma pacífica. Uma das razões para isso, provavelmente a principal neste momento, está relacionada com a produção de semicondutores avançados (com 16 nanômetros ou menos). Taiwan produz cerca de 90% desses chips e possui a principal empresa do mundo, a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), o que coloca a Ilha no meio da “chip war” entre China e Estados Unidos, como denominou Chris Miller[7]. A China ainda é muito dependende da importação de semicondutores, com um déficit expressivo em torno de US$ 350 bilhões ao ano; mas, isso está mundando como veremos mais à frente.

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Assim, o governo Biden vem impondo sanções de forma crescente para dificultar ao máximo tanto a importação como a produção de semicondutores avançados em território chinês e, principalmente, impedindo que a China importe máquinas essencias para sua produção. Em outubro de 2022, Biden anunciou um conjunto de controles de exportação e uma medida específica vizando cortar o fornecimento para China de certos semicondutores fabricados por qualquer empresa do mundo que use equipamentos dos Estados Unidos. A medida também restringe o trabalho de trabalhadores qualificados estadunidenses em território chinês.

Embora tenha feito avanços consideráveis na produção de semicondutores por meio de financiamento estatal, a China ainda é muito dependente de máquinas para produção que são importadas do Japão, Holanda, Taiwan e Estados Unidos.  São poquíssimas empresas que produzem máquinas para produção de semicondutores avançados. A empresa holandesa ASML é um caso especial: maior fornecedora de sistemas litografia para a indústria de semicondutores e a única fornecedora no mundo de máquinas de litografia de ultravioleta extremo (EUV) utilizada na produção de semicondutores avançados. Desde 2019, por pressão de Washington, a ASML não fornece mais máquinas EUV para China, tendo inclusive quebrado um acordo de instalação de uma EUV em uma empresa chinesa. Não satisfeito, o governo Biden ainda tenta reduzir o fornecimento de máquinas litografia ultravioleta profunda (DUV) para semicondutores menos avançados (entre 16 e 40 nanômetros)[8].

Entretanto, os Estados Unidos encontram dificuldades em manter a proibição simplemente porque a China é o maior mercado para venda de semicondutores, e a proibição total poderia levar as empresas fornecedoras à falência. Além disso, as autoridades chinesas vem respondendo às sanções. Por exemplo, citando riscos de segurança nacional, Pequim proibiu algumas empresas chinesas de comprar chips da multinacional estadunidense Micron. A Micron possui um faturamento anual de cerca de US$ 3 bilhões na China e a medida deverá impactar fortemente a empresa[9].

Por outro lado, a China fez avanços reais na capacidades de fabricação de semicondutores na última década, e as sanções estão impulsionando sua produção. Isto significa que a China está  “desamericanizando” suas cadeias de abastecimento para produção de semicondutores menos avançados[10]. Empresas chinesas estão reduzindo suas encomendas de empresas ocidentais, substituindo fornecedores por chineses. Isso poderá levar que a China domine o mercado de semicondutores menos avançados, utilizados amplamente em todo mundo em automóveis, tabeblets, celulares etc, elevando seu poder de barganha[11].

De fato, o  maior desafio tecnologico para China está na produção de semicondutores avançados, e o governo encara esse desafio como prioridade nacional. Em dezembro de 2022, a Huawei pediu a patente de uma máquina de litografia de ultravioleta extremo (EUV). Ainda é cedo para saber se a patente irá vingar, mas demonstra a capacidade e disposição da China em resistir ao imperialismo e se manter na construção do socialismo.


[1]  Lynch, David. House panel zeroes in on Chinese-owned app TikTok over security fear. The Washington post, jan. 30, 2023.

[2] “Politcs”. The Economist, 22 de jun.2023.

[3] Grazioss, Graig. “Biden says Chinese president Xi Jinping ‘doesn’t have a democratic bone’ in his body”, Independent. 25 mar, 2021.

[4] Murakami, Sakura. NATO chief stresses importance of Indo-Pacific partners amid security tensions, Reuters, 1 fev., 2023.

[5] Bolton, John R. Revisit the ‘One-China Policy’. The Wall Street Journal, 16 jan. 2017.

[6] Losurdo, Domenico. Imperialismo e Questão. Europeia. São Paulo: Boitempo, 2023.

[7] Miller, Chris. Chip War: The Fight for the world’s most critical technology, 2022

[8] Durbin, Bydee-Ann; Madhan, Aamer. “Biden’s huge computer chips campaign against China has won over the Dutch and Japanese, source says”. Fortune, 30 de jan.2023.

[9] “Sanção da China sobre a Micron coloca Coreia do Sul em encruzilhada”, Valor Econômico, 22 de mai. 2023.

[10] Che, Chang; Liu, John. ‘De-Americanize’: How China Is Remaking Its Chip Business. The New York Time, 11 de mai. 2023.

[11] Noon, Ben. “Biden Needs to Broaden Semiconductor Sanctions on China”. Foreing Policy. 3 de abr. 2023.

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