Bolsonaro confirma reunião mas nega trama golpista em depoimento à PF

Em fevereiro, o senador Marcos do Val disse ter sido coagido pelo então presidente para participar de um plano para impedir a posse de Lula

Foto: Valter Campanato/Agncia Brasil

O ex-presidente Jair Bolsonaro prestou, nesta quarta (12), depoimento à Polícia Federal (PF), em Brasília, no inquérito que investiga uma trama de golpe de Estado articulada pelo senador licenciado Marcos do Val (Podemos-ES) e o ex-deputado Daniel Silveira. Bolsonaro ficou cerca de três horas no prédio da PF

Foi a quarta vez que Bolsonaro esteve diante investigadores desde que saiu do cargo da presidência da República.

O ex-presidente chegou com seus advogados no prédio da corporação, na Asa Norte, por volta das 13h40. Às 16h30 a oitiva já tinha acabado.

Na saída da PF, para jornalistas, Bolsonaro negou que o encontro tenha sido para articular um plano golpista. O inquérito investiga as afirmações que do Val proferiu em live com o MBL (Movimento Brasil Livre), em fevereiro deste ano, quando disse ter sido coagido pelo então presidente da República para planejar um golpe de Estado e impedir a posse de Lula.

As suspeitas são de que o senador queria gravar a conversa na busca por uma declaração do ministro admitindo ter, em algum momento, ultrapassado “as quatro linhas da Constituição”. A intenção era publicizar essa admissão de culpa, que nunca ocorreu por parte do magistrado, para usa-la como argumento a fim de questionar o resultado das eleições de 2022.

As investigações do caso são importantes para colocar Bolsonaro não como um mero ouvinte que ignorava os planos de golpe da claque que o rondava, mas como um dos mentores da ação para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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O depoimento

Aos investigadores, Bolsonaro confirmou ter recebido Marcos do Val e Daniel Silveira no Palácio do Alvorada em um reunião que teria durado cerca de 20 minutos. O ex-presidente justificou a ida dos dois por ser chefe do executivo. “[Eu] recebia a todos que solicitassem alguma audiência”, disse.

Bolsonaro é investigado
Bolsonaro acompanhado de seu assessor e advogado, Fabio Wajngarten, falam com jornalista após depoimento
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

Na oitiva, Bolsonaro disse que a reunião não teve qualquer articulação ou debate de estratégia para gravar o ministro Alexandre de Moraes, não tendo sequer citado seu nome durante o encontro.

Quarto depoimento

Desde que saiu da presidência Jair Bolsonaro já prestou quatro depoimentos à Polícia Federal. Em abril, Bolsonaro foi ouvido no inquérito das Joias Sauditas sobre a tentativa de liberação dos presentes do regime saudita avaliados em R$5 milhões. Os materiais entraram irregularmente no país e foram apreendidos pela Receita Federal. Já no fim do mandato, uma equipe da presidência tentou reavê-los, sem sucesso.

O ex-presidente prestou depoimento à corporação em inquérito que apura os Atos Golpistas de 8 de Janeiro. Bolsonaro é suspeito de ter incitado o levante contra os prédios dos Três Poderes. Dois dias após o ataque da extrema-direita, o ex-presidente publicou vídeo questionando a lisura das urnas eletrônicas. Aos policiais, disse que estava sob efeito de remédios.

Recentemente, Bolsonaro também foi ouvido no inquérito que apura Fraude nos Cartões de Vacina. A Operação Venire da PF descobre inseração de dados falsos nos cartões de vacinação da família do então presidente e de seu ex-ajudante de ordens, Mauro Cid.

As adulterações foram feitas antes da delegação bolsonarista fugir para os Estados Unidos após a derrota eleitoral. Bolsonaro e seu Mauro Cid foram alvo de busca e apreensão em 3 de maio. Para os investigadores, Bolsonaro disse que negou ter orientado a falsificação do certificado.

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ÍNTEGRA DO DEPOIMENTO DE BOLSONARO

RESPONDEU: QUE perguntado se participou do encontro com o senador Marcos do Val e Daniel Silveira, ocorrido em 8 de dezembro de 2022, nas dependências do Palácio Presidencial, respondeu que sim; QUE o encontro foi no Palácio da Alvorada; QUE recebeu um telefonema de Daniel Silveira informando que o senador Marcos do Val gostaria de falar com o declarante; QUE não teve contato anterior com o senador Marcos do Val;

QUE quem solicitou a reunião foi Daniel Silveira; QUE o declarante como presidente da República, recebia a todos que solicitassem alguma audiência; QUE indagado se Daniel Silveira adiantou que seria tratado algo sobre ministro Alexandre de Moraes, o declarante respondeu que, segundo Daniel Silveira, o senador Marcos do Val também gostaria de tratar sobre algum assunto referente ao ministro, sem nenhum outro detalhe ou conotação pessoal;

QUE, nesse momento, a defesa enfatiza que, até então, o declarante nunca havia se reunido pessoalmente com o senador Marcos do Val; QUE afirma nunca ter tido nenhuma audiência privada, nem relação pessoal com o senador Marcos do Val; QUE Daniel Silveira era da base do governo: QUE não sabe ao certo se a iniciativa da reunião foi do senador Marcos do Val ou de Daniel Silveira:

QUE não foi levantada possibilidade de participação de militares, nem de integrantes do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); QUE participaram da reunião apenas o Ex-presidente Jair Bolsonaro, Daniel Silveira e o senador Marcos do Val, durando aproximadamente 20 minutos;

QUE indagado se houve algum plano para gravar o ministro Alexandre de Moraes ou a prática de algum ato antidemocrático, respondeu que não foi levantado nenhum plano, nenhum ato preparatório, sequer de gravar o ministro Alexandre de Moraes, que o declarante afirma que sempre permaneceu dentro das quatro linhas do texto da Constituição Federal;

QUE, inclusive, nada foi falado sobre o ministro Alexandre de Moraes: QUE desconhece que o senador Marcos do Val teria sido recrutado por Daniel Silveira, mas que ouvia de Daniel Silveira que o senador teria algo para mexer com a República; QUE, após tal reunião, não se recorda se houve algum contato com Daniel Silveira, nem mesmo com o senador Marcos do Val;

QUE não tinha conhecimento àquela época, de que o senador Marcos do Val tivesse reportado a reunião a alguém ou a alguma comissão (CCAI); QUE somente soube, já em 2023, pela imprensa e pela live do senador Marcos do Val, que o senador Marcos do Val havia procurado o ministro Alexandre de Moraes para reportar sobre a realização da reunião com o declarante;

QUE, no encontro com Daniel Silveira e o senador Marcos do Val, no dia 08 de dezembro de 2022 não foi falado sobre equipamentos de escuta ou gravação; QUE, após a reunião, sem saber precisar a data, recebeu uma mensagem de Marcos do Val onde o senador encaminhou print de mensagem, originariamente enviada ao ministro Alexandre de Moraes, conforme subitem XII da RAPJ n° 05/2023;

QUE, nessa mensagem, o senador Marcos do Val disse ao ministro Alexandre de Moraes que o presidente não estaria fazendo nada de errado, mas que Daniel Silveira estaria tentando convencê-lo a prosseguir na execução de algum plano;

QUE, por essa razão, o declarante respondeu “coisa de maluco”, uma vez que não havia entendido a mensagem, conforme subitem XVI da RAPJ n° 05/2023, transcrito a seguir: “Boa noite. Ministro! Desculpa incomodá-lo no seu horário de descanso. Acabei de pousar no meu Estado, só retorno para Brasília na próxima terça-feira. Mas preciso adiantar uma parte do encontro que considero de alto grau de importância. Quem está fazendo toda a movimentação com objetivo de levá-lo a perda de função de ministro e até ser preso, é o DS. O PR não está fazendo nenhum movimento nesse sentido. O D$ que está tentando convencê-lo, dizendo ao PR que eu conseguiria adquirir as peças fundamentais para que a missão fosse um sucesso(…)”;

QUE o declarante afirma que achou a mensagem sem nexo; QUE acredita que esta mensagem foi encaminhada pelo Senador, a fim de mitigar o desgaste político que teria com o declarante, por conta das diversas versões contraditórias publicadas e veiculadas sobre esses fatos; QUE a defesa deixa registrado que não teve acesso à integralidade do material produzido nesta investigação, ressaltando, inclusive, que o depoimento do Senhor Daniel Silveira somente foi disponibilizado minutos antes do presente depoimento.

Nada mais havendo, este Termo de Declarações foi lido e, achado conforme, assinado pelos presentes.

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