Mesmo preso, Trump pode ser eleito, governar e anistiar-se

As eleições de 2024 nos EUA virão acompanhadas de vários julgamentos de Donald Trump, candidato republicano favorito. O constrangimento institucional é inédito para a história do país.

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Quanto mais as eleições presidenciais americanos se aproximam, mais as instituições republicanas dos EUA são expostas a constrangimentos pelo ex-presidente Donald Trump. Acusado de tentar reverter o resultado das eleições de 2020 de forma golpista e fraudulenta, ele é o primeiro ex-presidente do país a ser acusado criminalmente.

A corrida eleitoral nos Estados Unidos, que começa em 2024 com seu complicado calendário partidário, virá acompanhada desses julgamentos de Trump e de confrontos internos no Partido Republicano. No entanto, mesmo se for condenado, sua carreira política não é afetada.

No caso desta conclusão para os julgamentos, Trump ainda poderá concorrer e até ser presidente em prisão domiciliar (na Casa Branca). Como se este quadro fosse pouco embaraçoso para um país que alardeia sua “democracia liberal” como modelo para o mundo, o presidente eleito ainda poderá se auto-perdoar de qualquer crime. A extrema-direita global está atenta aos benefícios que pode tirar de todo esse imbróglio, enquanto.

Como a Constituição é muito enxuta e antiga, a Suprema Corte está com uma enorme responsabilidade, ao criar precedentes jurídicos para crimes nunca cometidos antes. A absolvição de Trump implicaria em desrespeito ao voto, assim como daria liberdade para contestações eleitorais e conspirações de toda ordem. As instituições americanas encontram dificuldades para dar respostas moderadas ao dilema, por não haver um tradicional centro político na polarização que vigora atualmente.

O fato de Trump ter furtado documentos ultra-secretos sobre assuntos de Defesa, como relatórios de material nuclear, coçam uma ferida da história americana. Pessoas já foram executadas ou banidas por acusações não comprovadas de conspiração envolvendo informações secretas sobre a construção da bomba atômica, em 1953. 

Acúmulo de acusações

Além das acusações no caso dos documentos secretos retirados da Casa Branca, Trump foi convocado para comparecer ao tribunal nesta quinta-feira (3), em Washington, para responder por outros quatro crimes.

Todos estão de alguma forma ligados à invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. São crimes de conspiração contra o país (5 anos de prisão), para desrespeitar direitos civis (direito ao voto), mais cinco anos, e tentar obstruir um procedimento oficial (20 anos); e obstrução de um procedimento oficial ao impedir o reconhecimento das eleições no Capitólio (20 anos).

Como não há precedente de um ex-presidente acusado por nada disso, nunca se viu um cenário como este nos EUA. Trump pode prolongar esses processos com declarações de inocência, o que levaria os casos à Suprema Corte, onde ele teria maioria dos juízes conservadores, três deles indicados pelo ex-presidente.

As últimas novidades envolvem a divulgação pelo Departamento de Justiça de conversas telefônicas entre Trump e seu vice, Mike Pence, tentando convencê-lo a mudar o resultado eleitoral rejeitando a contagem de votos, dias antes do cerco ao Capitólio. Trump disse a Pence: “Você é honesto demais”. Pence agora é o principal adversário de Trump nas primárias do Partido Republicano.

Outra novidade é a descoberta de seis nomes envolvidos na conspiração com Trump. Acredita-se que sejam seus advogados, como o ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani. Nomes que podem ser pressionados à delação premiada.

Processo pedagógico

Tudo isso serve como instrumento didático para esclarecer para a população de eleitores a gravidade do que ocorreu naquele período. Um processo de conscientização sobre os riscos à democracia dos EUA, que vem sendo feita, há mais de um ano, pelo Congresso.

Apesar disso, o trabalho do governo Trump para descredibiliza as instituições e o processo eleitoral americano foi eficiente e se alia ao crescente ressentimento de um eleitorado que vive em condições econômicas e trabalhistas cada vez mais precárias. Por isso, ele é favorito entre os republicanos e preserva uma forte base eleitoral. Por conveniência, mesmo lideranças republicanas evitam atacar o empresário que pode ser a alternativa de poder.

O argumento persecutório tem sido usado largamente pelo pré-candidato. O advogado de Donald Trump classifica as acusações de conspiração como “um ataque à liberdade de expressão e à defesa política”, dando a pista de sua argumentação de defesa. John Lauro disse, na terça-feira à noite, que se trata de “um esforço não só para criminalizar, mas também para censurar a liberdade de expressão” de Donald Trump.

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