Assessores venderam joias e repassaram dinheiro vivo para Bolsonaro

Operação da PF faz buscas contra militares ligados ao ex-presidente suspeitos de vender, ilegalmente, presentes oficiais recebidos pelo governo

Da esquerda para a direita: o general do Exército, Mauro César Lourena Cid (pai de Mauro Cid); o tenente-coronel do Exército, Mauro Cid; o tenente do Exército, Osmar Crivelatti; e o advogado Frederick Wassef | Créditos: Alesp; Alan Santos/PR; Marcos Ommati/Diálogo e Paulo Vitalle/Veja)

Novos desdobramentos envolvendo o “caso das joias” levaram a Polícia Federal (PF) a deflagrar na manhã desta sexta-feira (11) uma operação que tem como alvo alguns militares ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Eles são suspeitos de tentar vender ilegalmente presentes oficiais dados ao governo brasileiro por delegações estrangeiras. A ação, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), cumpre quatro mandados de busca e apreensão em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. As informações são do g1.

Entre os alvos da investigação estão o general do Exército Mauro César Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, de Mauro Cid; o próprio Mauro Cid; o tenente do Exército Osmar Crivelatti; e o advogado Frederick Wassef, conhecido por já ter defendido o ex-presidente e seus familiares. A suspeita é de que o grupo possa ter lucrado mais de R$ 1 milhão com a comercialização ilegal desses itens. A operação recebeu o nome de “Lucas 12:2”, fazendo referência ao versículo bíblico que diz: “Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido”.

Em nota, a PF afirmou que a ação tem o “objetivo de esclarecer a atuação de associação criminosa constituída para a prática dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro”.

Alexandre de Moraes, em decisão que também determinou a quebra do sigilo da operação, classificou a equipe de Bolsonaro envolvida na tentativa de venda dos itens como organização criminosa. “Com o avançar das investigações, destacou a autoridade policial que foram identificados, até o presente momento, cinco eixos principais de atuação da referida organização criminosa: (a) ataques virtuais a opositores; (b) ataques às instituições (STF, TSE), ao sistema eletrônico de votação e à higidez do processo eleitoral; (c) tentativa de Golpe de Estado e de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito; (d) ataques às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias na pandemia e; (e) uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens”, diz.

Em áudio, Mauro Cid cita US$ 25 mil para Bolsonaro

Em um áudio descoberto pela PF, Mauro Cid cita US$ 25 mil para Bolsonaro. Nele, o ex-ajudante de ordens afirma que o pai, o general Mauro Lourena Cid, estaria com 25 mil dólares, segundo a PF, “possivelmente pertencentes a Jair Bolsonaro”.

A mensagem foi enviada por Mauro Cid ao assessor especial de Jair Bolsonaro, Marcelo Câmara, segundo o inquérito instalado pela Polícia Federal.

Mauro Cid também indicaria medo de usar o sistema bancário para entregar o dinheiro a Bolsonaro. Preferia fazer a entrega em espécie, ou “em cash”.

“Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que, que era melhor fazer com esse dinheiro levar em ‘cash’ aí. Meu pai estava querendo inclusive ir ai falar com o presidente (…) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (…). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor né? (…)’.

Ao que Marcelo Câmara responde “Ok. Ciente”.

O mesmo áudio revela tratativas para a venda de estátuas de palmeira e um barco folheados a ouro, recebidos pela comitiva brasileira durante visita oficial ao Bahrein, em 2019.

“(…) aquelas duas peças que eu trouxe do Brasil: aquele navio e aquela árvore; elas não são de ouro. Elas têm partes de ouro, mas não são todas de ouro (…) Então eu não estou conseguindo vender. Tem um cara aqui que pediu para dar uma olhada mais detalhada para ver o quanto pode ofertar (…) eu preciso deixar a peça lá (…) pra ele poder dar o orçamento. Então eu vou fazer isso, vou deixar a peça com ele hoje (…)’.

E também negociações para levar a leilão um dos kits recebidos na Arábia saudita com relógios e joias masculinas.

“(…) o relógio aquele outro kit lá vai, vai, vai pro dia sete de fevereiro, vai pra leilão. Aí vamos ver quanto que vão dar(…)”, diz Mauro Cid.

Pai de Mauro Cid

O general Mauro César Lorena Cid, colega de Jair Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras nos anos 70, é um dos envolvidos. Durante o governo Bolsonaro, ele ocupou um cargo ligado à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) em Miami.

Segundo as investigações, mensagens identificadas em aplicativo de mensagem do celular de Mauro Cid indicaram que ele “estaria levando consigo uma mala específica que deveria ter como destino a casa de seu pai, o General da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, na cidade de Miami, nos Estados Unidos”.

Em uma das imagens obtidas pela PF, é possível ver o reflexo do rosto de Mauro Lourena Cid em uma foto usada para negociar, nos EUA, esculturas recebidas como presente oficial do governo. Segundo o inquérito, ao fotografar a caixa com os itens para avaliação de valor em lojas especializadas, o general acabou deixando seu rosto aparecer no reflexo.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, destacou a importância de investigar a venda de joias, ressaltando que esse é um caminho clássico para corrupção e lavagem de dinheiro. “Há muitos estudos que mostram que compra e venda de joias é um caminho clássico de corrupção e lavagem de dinheiro. Muitos veem como um crime ‘seguro’, que ficará escondido para sempre. Por isso, é essencial sempre investigar o assunto, quando há indícios de ilegalidades”, escreveu o ministro em uma rede social.

“Estava no caminho certo”

Por sua vez, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8/1 no Congresso Nacional, afirmou nas redes sociais que a investigação “estava no caminho certo” ao questionar transações financeiras de Mauro Cid.

Durante a oitiva, Eliziane questionou valores em espécie trazidos por Cid dos EUA, mas ele se resguardou por meio de um habeas corpus concedido pelo STF e não respondeu.

“Estávamos no caminho certo: pergunta feita por mim a Mauro Cid na CPMI em 11/7: ‘O senhor fez viagem aos EUA num bate e volta. Esse valor de US$ 35 mil em espécie, juntamente com esses R$ 16 mil em espécie, o senhor teria trazido dos EUA?’ Protegido por HC, Cid não me respondeu”, escreveu Eliziane.

No começo do mês a CPI aprovou a quebra de sigilos bancário, fiscal e telefônico de Mauro Cid. O foco da próxima semana deve se voltar para a investigação da PF, que os parlamentares governistas pretendem vincular aos atos golpistas de 8/1.

O desenrolar desse caso promete revelar novos detalhes sobre a alegada venda ilegal de joias e suas possíveis ramificações em eventos políticos passados.

Repercussão

O caso repercutiu nas redes sociais e ficou entre os assuntos mais comentados no Twitter com o nome de “Mauro Cid” em destaque no 2º lugar nos trending topics (TT) do Brasil. “Jair Bolsonaro”, “Bolsonaro na Papuda”, e “Bolsonaro na cadeira” também aparecem na lista.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) alegou que “para quem queria vender pedras preciosas por baixo dos panos” “na lojinha bolsonarista”, o general Lourena Cid não foi lá “muito discreto”.

O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) qualificou Bolsonaro como “ladrão de joias” e disse que ele tinha “intermediários de peso”.

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com agências

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