Debate mostra força da candidata da esquerda na eleição do Equador

Depois de um debate de quase três horas em que reafirmou o compromisso com a industrialização e a geração de empregos, candidata da Revolução Cidadã liderou passeata em Quito

Militância dá segurança e acompanha atenta no telão, em frente à TV Equador, participação da candidata da Revolução Cidadã, Luisa González (LWS/ComunicaSul)

A candidata do movimento Revolução Cidadã (RC), Luisa González, demonstrou no último debate presidencial, neste domingo (13), a razão de estar à frente dos sete demais postulantes em todas as pesquisas de opinião de voto para o próximo dia 20.

De maneira enfática, Luisa defendeu o fortalecimento do Estado como instrumento de justiça social, combateu “o favorecimento aos bancos”, se comprometeu a “construir a refinaria do Pacífico para gerar postos de trabalho” – 25 mil empregos direitos e indiretos – e a dar prioridade a saúde, a educação e a segurança pública, asfixiadas pela camisa de força da política fiscalista e recessiva ditada pelas metas assumidas pelo governo junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI).

Com a área social cambaleante, o país agroexportador de alimentos exibe atualmente a segunda mais alta taxa de desnutrição infantil da América Latina, só superada pela Guatemala. Conforme os próprios dados oficiais, 23,1% das crianças equatorianas menores de cinco anos têm desnutrição crônica ou atraso no seu crescimento.

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Diante do desespero crescente, os crimes se multiplicaram cinco vezes nos últimos seis anos, fazendo o item segurança subir na preocupação e ganhar o topo nos discursos, com uma abordagem extremamente reacionária por parte da ultradireita.

Mas o formato do debate montado pela Equador TV, canal estatal dirigido por asseclas do presidente banqueiro Guillermo Lasso, amarrou a livre expressão e o questionamento das raízes do caos, na tentativa de reduzir o debate sobre os destinos do país a um jogo de faz de conta. “Estão roubando o meu tempo. Peço que não interrompam a minha exposição de ideias”, condenou Luisa, ao ter sua voz silenciada mais de uma vez pelos debatedores.

A candidata do ex-presidente Rafael Correa (2007-2017), condenou o megaempresário midiático e de telecomunicações, Jan Topic, por ser “prestador de serviço do Estado e, por conta disso, só falar em segurança”. Topic se apresenta como um “franco-atirador” da Legião Estrangeira que já combateu na Ucrânia, na Síria e na África. Uma espécie de Rambo fascistóide, fundador da maior empresa de segurança do Equador.

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Ao mesmo tempo, Luisa González esbanjou de ironia e arrancou risos quando agradeceu o candidato Yaku Pérez “por reconhecer que as mulheres são melhores administradoras”. “Sendo assim, conto com seu voto”, disse a única candidata à presidência.

Embora tentassem não aprofundar as críticas entre os nomes da direita e da ultradireita, de olho em um eventual segundo turno contra a Revolução Cidadã, sobraram farpas entre os aspirantes. No Equador, para vencer em “primera vuelta”, o candidato precisa fazer ao menos 40% dos votos com 10% de diferença sobre o segundo colocado.

Identificando a maior debilidade de Topic, Yaku Pérez foi certeiro: “Você só crê em pá-pá-pá”, fazendo o gesto de um revólver. E acrescentou: “Escolha dois soldados legionários, os melhores entre vocês, e lhe convido para entrar em campo e jogar ecuavolley [um jogo de vôley equatoriano]”. Topic retrucou e não lhe deu bola, dizendo que o momento era muito sério para joguinhos.

Também apontando o envolvimento de Jan Topic com negócios do Estado no transporte, o candidato e megaempresário Otto Sonnenholzner ironizou o pretenso distanciamento: “Mas você não é o dono dos radares, Jan?”.

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Economista formado em Harvard, nos Estados Unidos, Sonnenholzner foi abordado por Yaku, que lançou petardos contra o empresário de rádio e televisão, por ter deixado a vice-presidência no governo de Moreno, em meio a protestos e denúncias. “Em vez de abandonar o barco, por que não lutar de dentro para conseguir reformas?”, questionou.

Filho do megaempresário do setor bananeiro Álvaro Noboa, que tentou cinco vezes ser candidato à presidência, Daniel Noboa apresentou sua candidatura como um almofadinha a serviço de Topic, que lhe agradeceu a parceria. “Daniel, graças pelos números… Daniel, excelente tua pergunta”, sorria Topic. A máxima expressão de força de Noboa foi dizer que “o governador que não trabalha será mandado para casa com uma patada”. E por aí ficou.

O candidato Bolívar Armijos beirou o ridículo ao colocar entre as suas propostas “a contratação de 10 (dez!) médicos para assessorar o ministro de Saúde”. Igualmente, Xavier Hervas, do movimento Renovação Total (Reto), quando disse que “acionaria a Organização das Nações Unidas (ONU) para declarar os grupos delinquentes como terroristas”.

De diferentes formas, os conglomerados midiáticos equatorianos procuraram passar um distanciamento do debate, omitindo sua inclinação por Topic, que teve suas reações apresentadas ao público no tempo dos demais candidatos. Além disso, é omitida a enxurrada de propaganda que invade nossos celulares e computadores quando acionamos a internet. Afinal, Jan é filho de Tomislav Topic, dono da Telconet, que controla o serviço de internet disponível aos equatorianos.

De todos os jornais, o La Hora foi o mais claro nas suas pretensões ao afirmar, com destaque, que não é a vontade popular o que deve determinar a linha de ação de um governo, mas os interesses econômicos que regem o país contra a democracia e a soberania. “O próximo mandatário terá o campo demarcado e escassa margem de financiamento de fora. O Fundo Monetário Internacional está outra vez no horizonte”, sentenciou. E foi mais fundo: “Sem importar a tendência política, o próximo presidente da República deverá priorizar os gastos e focar no mais urgente. As promessas de gastar mais que Guillermo Lasso, ainda que estejam carregadas de boas intenções, como a luta contra a delinquência e a reativação econômica, são inviáveis”. E pintou com letras fortes: inviáveis.

Para arrematar, o La Hora também ecoou as palavras do ministro da Economia, Pablo Arosemena. “Quando você tem dois buracos e uma rolha, você cobre um e o outro fica descoberto. Os recursos devem ser priorizados onde são mais necessários. Fechamos com sucesso um acordo com o FMI”, destacou o ministro de Lasso.

Na tentativa de que a orquestra financista não desafine, a grande mídia está empenhada na reta final em derrotar Luisa González. A última novidade é a candidatura do “jornalista investigativo” Christian Zurita, em substituição a Fernando Villavicencio, assassinado em condições muito mal explicadas na saída de uma concentração eleitoral numa escola de Quito.

Fundadores do portal “Jornalismo de Investigação”, Villavicencio e Zurita foram celebrados pelo cartel midiático ao revelarem pretensas “tramas de corrupção”, relacionadas, principalmente com o governo do ex-presidente Rafael Correa.

Por não ter sido inscrito a tempo, Zurita ficou de fora do debate.

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