Ken Loach, o mestre do cinema político, exalta Lula

“O Brasil, com Lula na liderança, está muito mais avançado do que nós, na Inglaterra”, diz o cineasta britânico

Embora contemporâneos, o grego Costa-Gavras, de 90 anos, e o britânico Ken Loach, de 87, são referências para gerações distintas de cinéfilos. O nome de Gavras despontou em 1968, com o lançamento de Z, um marco do cinema político, premiado com o Oscar e o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, além do Prêmio de Júri do Festival de Cannes.

Nenhum dos 15 filmes posteriores do diretor alcançou a mesma projeção de Z, embora haja na lista algumas joias, como Estado de Sítio. É como se Costa-Gavras sofresse (com menos traumas) a maldição de Orson Welles, outro cineasta genial, que foi “condenado” pela indústria – e inclusive por si próprio – a alcançar uma obra-prima à altura de Cidadão Kane. Para todos os efeitos, no continente que nos deu o cinema soviético, expressionismo alemão, o neorrealismo italiano e a nouvelle vague francesa, Gavras certamente cravou seu nome no panteão dos filmes políticos.

Mas, enquanto o cineasta grego não lança uma produção desde O Capital (2012), Ken Loach segue ativo – e talvez possa ser considerado o grande nome do cinema anticapitalista neste século. Se o norte-americano Michael Moore usa o documentário para denunciar o sistema, Loach apela ao drama ficcional, mas realista, com forte atualidade, mesmo quando faz longas-metragens de época, ambientados em momentos de ruptura na história do Reino Unido.

Autodeclarado socialista – ou melhor, inimigo do “capitalismo implacável” –, ele também quer entender as transformações vividas pela classe trabalhadora. Por Eu, Daniel Blake (2016)), que desmascara as políticas públicas previdenciárias da Inglaterra – e, por tabela, do capitalismo –, acumulou uma série de premiações, já aos 80 anos. O longa seguinte, Você Não Estava Aqui (2019), atacava a uberização pela ótica de uma família.

O novo trabalho de Loach, The Old Oak (O Velho Carvalho, 2023), acaba de receber o Prêmio do Público no Festival de Locarno. Seu tema é o desprezo aos imigrantes, um sentimento que pode se desdobrar em rivalidade e até em xenofobia. Numa época em que políticos de extrema-direita vencem eleições mundo afora com discursos ultranacionalistas e reacionários, The Old Oak vem a calhar.

No declínio da vida, o bom e velho diretor britânico mantém a esperança com a política, mas não tanto com a Inglaterra. Em entrevista à jornalista Elaine Guerini, do Valor Econômico, Loach diz que os britânicos vivem um “período negro” desde a era Margaret Thatcher, a “dama de ferro” que inoculou o neoliberalismo na economia inglesa.

“Thatcher nos levou até Tony Blair, que parecia ser de esquerda, mas era de direita. Com Boris Johnson e agora Rishi Sunak, continuamos na mesma”, diz Loach. “É sempre o projeto neoliberal onde o lucro é tudo – eles perseguem o lucro com a desculpa de que é o mais progressivo a fazer.”

Mas há saídas à mostra em outras regiões do mundo, acrescenta o cineasta. “A esperança é fundamental na política. Se as pessoas não acreditarem que uma mudança coletiva é possível, tudo está perdido”, resume. A seu ver, a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre Jair Bolsonaro (PL), nas eleições presidenciais brasileiras de 2022, foi um desses momentos de esperança. “O Brasil, com Lula na liderança, está muito mais avançado do que nós, na Inglaterra”, exalta.

Hollywood, a meca do cinema mundial, está em greve – e a opinião do diretor britânico não surpreende: “Sempre vou apoiar as greves – e a regra número um é esta: nunca cruze uma linha de piquete. No caso dos roteiristas, eles estão lutando por uma remuneração mais justa e por melhores condições de trabalho como em qualquer situação industrial. Mas há muitas perguntas importantes que ainda não foram feitas. O que os roteiristas estão escrevendo hoje em dia? Não seria melhor se eles interpretassem o que acontece no mundo, em vez de escreverem só o que mandam?”

A repórter lembra que, a exemplo de David Bowie e Stephen Hawking, Loach recusou a Ordem do Império Britânico, que lhe foi concedida em 1977 pela monarquia britânica. “Eles (a família real) são o símbolo da classe dominante e o pináculo da aristocracia. Preservar a monarquia significa endossar as coisas do jeito que elas são.”

Cineastas podem mostrar que as coisas não precisam ser o que são. Em Locarno, durante o festival, Loach afirmou que será “difícil fazer um longa novamente”. Além da falta de financiamento para filmes do seu perfil, a idade já lhe impõe restrições – ele cita duas, em especial: a falta de memória e a visão limitada. Ken Loach fará uma falta imensa.

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