ABIN liga garimpo ilegal a financiamento de atos golpistas

Apreensão de escavadeiras de garimpo ilegal permitiu que relatório de inteligência rastreasse envolvidos em atentados golpistas no 8 de janeiro

Usadas em garimpos ilegais, máquinas retroescavadeiras foram inutilizadas — Foto: Ascom/PF

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) encontrou evidências de que os atentados golpistas de 8 de janeiro estão relacionados com o garimpo ilegal no Pará. A apreensão de oito retroescavadeiras, trabalhando ilegalmente em terras indígenas, possibilitou chegar aos nomes e movimentação financeira dos empresários que c custearam o movimento que invadiu a Praça dos Três Poderes, em Brasília.

A reportagem do Congresso em Foco divulgou o conteúdo de um relatório de 2 de março de 2023 que rastreou redes de empresas e empresários envolvidos não só com atividades ambientais ilegais, mas também com o financiamento de manifestações antidemocráticas contra o resultado eleitoral de 2022.

Katsuda, em cima, e Lauriano com Bolsonaro

De acordo com o documento, os empresários Roberto Katsuda e Enric Lauriano estão diretamente associados ao garimpo ilegal no estado. Também têm vínculos com políticos, como o deputado estadual Wescley Silva Aguiar (Avante-PA), além de uma rede de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro na região.

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Katsuda é diretor de uma das principais associações garimpeiras do Tapajós, a Cooperativa Mista de Mineradores do Alto Tapajós, a Cooperalto. A associação, segundo o relatório, esteve com várias autoridades políticas para impulsionar o Projeto de Lei 191/2020, que libera o garimpo em terras indígenas.

CPMI quer “fio da meada” 

A relatora da CPMI dos Atos Golpistas, senadora Eliziane Gama (PSD-MA), diz que Katsuda financia cooperativas garimpeiras na região. Em 2018, o montante financiado foi em torno de R$ 220 milhões, segundo ela. Os Relatórios de Inteligência Financeira (RIF), solicitados ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) pela CPMI, devem comprovar a movimentação entre as empresas e o movimento golpista.

Já Enric Lauriano é acusado de financiar manifestações no Pará e na capital federal para contestar o resultado das eleições de 2022 e de estar presente nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Ele é filho de pecuarista com fazendas em pelo menos três municípios do Sul do Pará, investigado por desmatamento ilegal em áreas de proteção ambiental. O documento classifica Enric como um dos principais articuladores do PL 191/20, e consultor da Associação Nacional do Ouro (Anoro), responsável por fazer lobby a favor do garimpo em Brasília. 

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“[Enric] atuou como membro do acampamento em frente ao quartel-general em Brasília e também atuou ativamente na divulgação da rede de financiamento do movimento extremista a partir de Marabá/PA”, diz Eliziane em requerimento ao Coaf, que também pede um RIF sobre Enric.

A Abin identificou a propriedade das retroescavadeiras pela empresa BMC Máquinas e Equipamentos Pesados, Engenharia e Locações. Com 22 filias no Brasil, a BMC tem três delas em municípios paraenses com prática disseminada de ilícitos ambientais: Itaituba, Vitória do Xingu e Marabá, de acordo com o documento. A BMC enviou nota ao Portal Vermelho apontando imprecisões nas acusações feitas à empresa, que a desvinculariam de qualquer envolvimento, seja com os atos golpistas, ou com o garimpo ilegal. Leia a íntegra da nota, ao final.

Direita Xinguara

O endereço da BMC em Itaituba, principal ponto logístico para o garimpo na bacia do rio Tapajós, coincide com o da empresa de Roberto Carlos Katsuda. No entanto, nenhuma das duas empresas ocupam o endereço físico, mas uma empresa  de Patrícia Ribeiro Silva. Junto com Katsuda, Patrícia é diretora da Cooperalto com Vilelu Inácio de Oliveira, outro articulador da descriminalização da atividade garimpeira e apoiador de ações que bloqueiam rodovias. A BMC afirma, na nota enviada, que só tem filial em Marabá.

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Roberto Katsuda é apontado como financiador da estrutura lobista pró-garimpo do deputado conhecido como Wescley Tomáz, que alega atuar para legalizar as áreas de garimpo e nega envolvimento nos atos antidemocráticos. Ambos compõem uma comissão a favor do garimpo com Fernando Brandão, dono do maior escritório de advocacia de Itaituba, e Guilherme Aggens, engenheiro florestal da Geoconsult.

O relatório diz que, desde 2018, o grupo faz reuniões com parlamentares, ministros e o próprio ex-presidente Bolsonaro, em Brasília. Foi por influência dessa comissão que surgiu o projeto de lei 191/2020.

O documento da Abin cita ainda Ricardo Pereira Cunha, empresário minerador, que organizou financiamentos e ações golpistas por meio do PIX da primeira empresa em Marabá e em Brasília. Cunha, Enric e Onício integram o grupo Direita Xinguara, reconhecido por fazer campanhas a favor de Bolsonaro na região.

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“Essas conexões evidenciam o vínculo entre a prática de ilícitos ambientais e atuação de grupos extremistas contrários à eleição para a Presidência da República em 2022. Além de permitir identificar redes de práticas delituosas, abrangendo diversas atividades, atores e verbas oriundas da exploração ilegal de recursos naturais”, finaliza o relatório.

Resposta da BMC

A empresa BMC entrou em contato com o Portal Vermelho na terça, 22/08/2023, via assessoria de imprensa para se pronunciar sobre o conteúdo desta reportagem. Assim sendo, a nota abaixo foi acrescentada na íntegra para atender ao pedido de resposta da empresa:

1. A empresa BMC Máquinas, Equipamentos Pesados, Engenharia e Locações Ltda. é uma distribuidora autorizada da Hyundai Heavy Industries no Brasil. Tanto os seus executivos como seus sócios jamais estiveram envolvidos em qualquer ação relacionada aos atos golpistas como também a qualquer prática de garimpo ilegal.

  1. A matéria informa que foram identificados três equipamentos comercializados pela BMC, que eram utilizados em atividades ilegais dentro das áreas indígenas Kayapó e Trincheira-Bacajá, no sudeste do Pará. A BMC já comercializou mais de 25.000 dessas máquinas escavadeiras e não é possível relacionar qualquer envolvimento da empresa em atividades dessa natureza.
  2. A matéria cita que a BMC tem filiais em Itaituba, Vitória do Xingu e Marabá. O fato é que a empresa possui apenas uma filial no Pará, na cidade de Marabá.
  3. A BMC não faz financiamento para viabilizar vendas para seus clientes. As vendas são financiadas por diversos bancos do mercado de crédito brasileiro.
  4. Por ser a única comercializadora de equipamentos pesados da marca Hyundai no Brasil, a BMC vende seus produtos para mais de 100 revendas no Brasil. Entre essas revendas, a BMC já manteve relações comerciais com a BMG Comércio de Máquinas.
  5. Em maio de 2023, a BMC tomou conhecimento de relatório elaborado pelo Greenpeace, que apontava que os equipamentos da marca Hyundai, vendidos pela BMG, estavam sendo utilizados em garimpos ilegais no estado do Pará. Ato contínuo, após acordo firmado entre o Greenpeace e a matriz da Hyundai, na Coreia do Sul, a BMC notificou a rescisão do contrato com a BMG.
  6. Em suas diretrizes de governança corporativa, a BMC, ao vender seus produtos, exige que os clientes declarem, expressamente, que não exercem qualquer atividade ilegal, principalmente, mas não tão somente, atividades de desmatamento de florestas, destruição do meio ambiente, violação de terras indígenas e mineração ilegal.”
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