Na França, movimentos de esquerda do Brasil planejam memorial da resistência

“Iniciativa de fazer a memória da luta contra o golpe de 2016 e tudo o que houve por consequência é fundamental”, diz Javier Alfaya.

Durante o segundo dia da Fête de L’Humanité, grande evento do Partido Comunista Francês (PCF), movimentos de esquerda do mundo inteiro se encontram e partilham de suas estratégias de luta. Não é diferente com a delegação brasileira, que promoveu um importante encontro com a participação de representantes do PCdoB, do Movimento de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST), de coletivos que promovem internacionalmente a luta pelos Direitos Humanos, pela democratização da Comunicação, pelos direitos trabalhistas e pela solidariedade internacional.

A comitiva do PCdoB, que levou à Festa um material informativo em três idiomas com o título “O Brasil voltou”, somou-se àquelas e àqueles que estiveram nas trincheiras francesas de mobilização nos últimos anos, marcados pelos acontecimentos do golpe de 2016, da prisão de Lula, da destruição institucional e política de genocídio que marcaram criminosamente o período da extrema direita no nosso país. Foi a partir da França, com o apoio do PCF e de outros grupos políticos progressistas, que boa parte da opinião pública internacional teve acesso ao que acontecia no Brasil.

No encontro desse sábado, foi instaurada a ideia de criar um memorial da recente resistência internacional pela democracia brasileira. Uma iniciativa para registrar o trabalho da militância dos coletivos europeus e de outros continentes que se mobilizaram desde o início contra o golpe em Dilma Rousseff, que criaram os comitês mundiais “Lula Livre” durante o período de prisão política do presidente, que denunciaram o extermínio e as violações do período bolsonarista. Segundo o secretário nacional de Cultura do PCdoB, Javier Alfaya, um dos participantes da mesa, essa é uma ação de “inquestionável importância” para a democracia brasileira no presente momento.  

“A iniciativa de fazer a memória da luta contra o golpe de 2016 e tudo o que houve por consequência é fundamental. Mesmo sendo acontecimentos recentes, merecem um registro com riqueza de detalhes, por serem uma experiência inédita na nossa história, da qual saímos vitoriosos”, disse Javier em meio ao debate, referindo-se à vitória de Lula e das forças democráticas nas eleições de 2022. 

“O papel da solidariedade internacional foi importantíssimo porque repercutiu muito, especialmente em setores de imprensa, que ajudaram a formar opinião pública favorável às forças democráticas e populares, assim como isolar o que de pior há na política brasileira, que é o bolsonarismo e seus assemelhados”, completou o dirigente do PCdoB.

Uma das mobilizadoras dessa solidariedade global, a partir da França, foi a ativista brasileira, radicada em Paris, Solange Cidreira. Ela participou da coordenação do comitê francês “Lula Livre” durante todo o período de reclusão do presidente e ajudou a interconectar manifestações e atos públicos de resistência em diversas cidades da Europa, durante esse triste período da história brasileira.

“Esse movimento partiu de uma diáspora inicialmente fluida, desorganizada, sem recursos, não ligada a nenhum partido ou associação. E isso virou a nossa militância e se tornou uma fortaleza, porque ela nos deu mobilidade, permitiu criar pontes com outros movimentos, partidos, associações, sindicatos, todo mundo se encontrou nessa luta pela defesa da democracia no Brasil”, declarou Gabriela. 

Segundo ela, o primeiro desafio de quem viveu esses processos de fora do Brasil foi tomar conhecimento da gravidade do que acontecia no país: “Primeiro militamos com a bandeira do Não Vai ter Golpe, depois com o Fora Temer, o Lula Livre, o Ele Não. Em todas essas fases, nós nos reinventamos como discurso, como conceito e como forma de luta. Por isso que é importante hoje estarmos aqui com muita honra lançando esse projeto de salvaguarda da memória da democracia no Brasil. E da memória da nossa luta internacional em vários desses momentos”, disse.

Ela também lembrou de eventos muito importantes da militância em outros países, como a denúncia do assassinato político de Marielle Franco, que resultou inclusive com uma praça em Paris que hoje leva o nome da ex-vereadora.

A Fête de L’Humanité termina neste domingo (17) sua 88ª edição, com uma enorme estrutura montada na comuna de Bretigny Sur Orge, ao sul de Paris. Uma vasta programação de debates, atividades culturais e atos políticos compõe a festa. Além disso, movimentos de esquerda de todos os continentes se reúnem na Vila Mundo, partilhando suas diferentes lutas, mostrando um pouco de suas culturas, gastronomias, expressões artísticas e promovendo intercâmbios de cooperação. O evento é realizado pelo jornal L’Humanité, tradicional veículo do PCF na França, que há muitas décadas promove as ideias e visões do partido no país.