Debate na Argentina tem polarização e negacionismo da ultradireita

Debate reeditou negacionismos e reacionarismo da ultradireita, para combater a violência em meio à crise econômica

Os quatro candidatos à presidência da Argentina, durante debate.

No segundo e último debate oficial de candidatos à Presidência da Argentina antes das eleições, ocorrido no último domingo (8), os ânimos estiveram à flor da pele enquanto os cinco candidatos debateram questões cruciais, incluindo segurança, trabalho, desenvolvimento humano, moradia e proteção do meio ambiente. O evento ganhou destaque internacional devido a uma série de declarações polêmicas sobre o conflito em Israel e o aquecimento global.

O debate foi marcado por acusações e trocas de farpas entre os candidatos, com momentos de tensão e confronto direto que reeditam confrontos anteriores com candidatos negacionistas de ultradireita, como Jair Bolsonaro e Donald Trump. O segundo turno programado para 19 de novembro deve levar o candidato de ultradireita, Javier Milei, e o atual ministro da Economia, Sergio Massa, para a disputa. Massa, no governo, enfrenta a complexidade dos temas econômicos, enquanto o franco-atirador Milei, traz as soluções fáceis ao propor desmontar todo o sistema monetário do país para acabar com a crise.

Os cinco presidenciáveis demonstraram suas posições divergentes sobre questões-chave, e a eleição presidencial na Argentina, marcada para 22 de outubro, promete ser acirrada. O tema que dominou o final de semana, o confronto entre Israel e Palestina, unificou a maioria dos candidatos em torno da defesa hegemônica do Ocidente do Estado de Israel, ignorando os mais de 70 anos de massacre contra palestinos. O assunto é particularmente delicado na Argentina, devido a atentados contra instituições judaicas em Buenos Aires, que deixaram muitos mortos.

Massa propôs medidas abrangentes, incluindo a criação de um “FBI argentino” para combater a criminalidade e a inclusão do movimento palestino Hamas na lista de organizações terroristas do país. Ele procura se antecipar à ofensiva de Milei em torno do tema da segurança pública, que sempre é tratado de forma simplista e reacionária pela extrema-direita. Massa expressou solidariedade a Israel no início do debate devido ao ataque do Hamas e enfatizou seu compromisso com a segurança e a prevenção do crime.

Por outro lado, Milei, do partido A Liberdade Avança, causou polêmica ao declarar que, se eleito presidente, não adotaria a Agenda 2030 da ONU, que estabelece metas globais para o desenvolvimento sustentável, chamando-a de “marxismo cultural” e “decadência”. Milei também manifestou solidariedade a Israel e seu direito de se defender do Hamas. Milei disse os ciclos de aquecimento global sempre ocorreram e que “todas as políticas que culpam o ser humano” pelo fenômeno “são falsas e a única coisa que querem é arrecadar fundos para financiar socialistas preguiçosos que escrevem papers de quarta categoria”.

Patricia Bullrich, da coalizão de centro-direita Juntos pela Mudança, condenou o ataque do Hamas e acusou o kirchnerismo de “defender delinquentes”. Ela, que foi ministra de Segurança do ex-presidente Mauricio Macri, também questionou a proposta de Milei de desregulamentar o mercado legal de armas, argumentando que isso poderia resultar em tragédias nas escolas. Ela também acusou Milei de defender o comércio de órgãos humanos, o que pode gerar tráfico e sequestro de crianças.

Sobre o conflito no Oriente Médio, Juan Schiaretti, candidato peronista não alinhado ao kirchnerismo, limitou-se a expressar solidariedade ao povo de Israel pelo ataque sofrido. Já Myriam Bregman, da sigla Frente da Esquerda e dos Trabalhadores, mencionou seu pesar pelas vítimas civis, mas destacou que o conflito tem raízes na política de ocupação e apartheid de Israel contra o povo palestino.

O tema da segurança pública gerou um debate acalorado, com Bullrich acusando o kirchnerismo de “defender delinquentes” e questionando a proposta de Milei de desregulamentar o mercado de armas. Massa defendeu a prevenção como abordagem para combater a criminalidade e promoveu a criação de um FBI argentino para lidar com a corrupção, o narcotráfico e o tráfico de pessoas.

Milei argumentou que o Estado falhou na segurança pública e defendeu punições mais severas para criminosos, reformas no sistema prisional e no código penal, e uma modernização do sistema trabalhista para estimular o crescimento econômico. Todos tentaram demonstrar mão forte contra o crime, cada um propondo medidas mais duras e expressando isso em termos mais sensacionalistas.

O candidato de ultradireita também acusou Massa de ter votado contra uma lei para diagnosticar e prevenir doenças cardíacas em bebês no passado, atribuindo ao governo a responsabilidade por um “desastre” na gestão da pandemia com “130 mil mortos”.

No tocante à economia, embora a crise tenha origem no endividamento provocado por Macri, Massa sofre mais ataques por estar na gestão econômica do atual governo. Massa ironizou que os outros candidatos parecem “paraquedistas suecos”, por esquecerem que o último governo contraiu a maior dívida da história do Fundo Monetário Internacional, com o empréstimo para Macri em 2018, de 45 bilhões de dólares, a que o candidato governista atribui os graves problemas econômicos do país.

Ele defendeu suas medidas recentes para combater a inflação e mitigar os efeitos da crise, incluindo a devolução de impostos sobre produtos da cesta básica e a isenção de imposto de renda para trabalhadores de baixa renda. Schiaretti criticou Massa por ter aumentado a inflação e a desvalorização do peso argentino desde que assumiu como ministro da Economia. Bregman criticou suas propostas que apontam para redução de direitos trabalhistas. Aqui, Milei a atacou de forma chauvinista, acusando-a de não entender nada de economia ao propor redução da jornada de trabalho. Contra Patrícia, ele disparou acusando-a de participar de atentados terroristas durante a ditadura.

Milei, por sua vez, reiterou seu plano de dolarizar a economia, reduzir os gastos públicos, ampliar as privatizações e fechar o Banco Central. Ele afirmou que, com essas reformas, a Argentina poderia alcançar níveis de vida comparáveis aos dos Estados Unidos em 20 anos. Massa argumentou que a implementação desse plano levaria a problemas econômicos semelhantes aos enfrentados por países como Zimbábue, Equador e El Salvador.

Bregman, representando a esquerda, criticou o Fundo Monetário Internacional (FMI) por parte dos problemas econômicos da Argentina e acusou Milei de ser um “gatinho mimoso do poder econômico”, ironizando o fato dele comparar seu cabelo com a juba de um leão. Ela também destacou que o candidato ultradireitista apoiava os interesses das grandes empresas.

Houve ainda rescaldo de escândalos de corrupção, críticas à defasagem de salários e pensões em relação à inflação descontrolada, e Milei revelando que vai pensar também nos mais ricos, “o capital”.

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