Menor nível no Rio Madeira é registrado em 56 anos, diz ANA

Segundo Agência Nacional de Águas, crise hídrica preocupa e escassez ameaça geração de energia, transporte e vida aquática na região amazônica.

Seca do rio Madeira 2023 | Foto: Thiago Frota / Rede Amazônica

A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) declarou, nesta terça-feira (10), situação crítica de escassez de recursos hídricos no Rio Madeira, um dos principais afluentes do rio Amazonas. A medida, publicada em portaria no Diário Oficial da União, vigora até 30 de novembro de 2023. Essa ação está em consonância com o Plano de Contingência da ANA, que visa mitigar os efeitos das características climáticas do El Niño sobre os recursos hídricos do Brasil.

A decisão foi tomada durante a 26ª Reunião Deliberativa Extraordinária da agência, realizada na segunda-feira (9), seguindo orientação do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE). Na última quarta-feira (4), o Comitê disse, em nota, “reconhecer a severidade da crise hidrológica de seca na Região Norte do país, observada em 2023, especialmente a situação vivenciada na Bacia do Rio Madeira, com risco de comprometer o atendimento aos estados do Acre e Rondônia.” Eis a íntegra da nota aqui.

Ainda de acordo com a ANA, “os níveis d’água observados nas três principais estações fluviométricas da ANA no rio Madeira estão abaixo da cota com 95% de permanência e, em Porto Velho, inferior à cota mínima observada no histórico de 56 anos de medições.”

Margem do rio seca no Médio Madeira | Foto: Severino Nobre/Arquivo Pessoal

A seca preocupa as autoridades devido à importância do Rio Madeira, que atende a diversas necessidades de recursos hídricos, desde a subsistência das populações ribeirinhas até o transporte fluvial e a geração de energia.

Os registros de níveis mínimos observados nos últimos cinco anos, todos classificados entre os 10 últimos do histórico de origem, indicam uma gravidade sem precedentes na região e levantam preocupações sobre os impactos das mudanças climáticas. Estudos de previsões meteorológicas na Amazônia também apontam para uma possível redução da disponibilidade hídrica e o aumento da ocorrência de eventos hidrológicos extremos.

Atividades suspensas

O Rio Madeira é um dos afluentes pertencentes ao rio Amazonas, com 43% de sua área de drenagem localizada no Brasil. É nele também que funcionam as Usinas Hidrelétricas (UHE) de Jirau e Santo Antônio, peças-chave na geração de energia, e que operam a fio d’água totalizando uma potência instalada de 7.318 MW, o que corresponde a 6,7% do Sistema Interligado Nacional (SIN).

A UHE de Jirau, tem uma capacidade instalada de 3.750 Megawatts (MW) e maior resiliência à seca. Já a de Santo Antônio, tem uma capacidade instalada de 3.568 MW, o suficiente para abastecer cerca de 45 milhões de habitantes, e que está com as atividades suspensas desde o início do mês.

O rio Madeira serve ainda como importante hidrovia, usada para transporte fluvial de carga e passageiros, com trecho navegável de 1.060 km entre Porto Velho/RO e Itacotiara/AM e volume transportado de 6.538.079 toneladas em 2022, o que corresponde a 9,2% do total transportado por vias interiores no Brasil.

Consequências ecológicas

Como se não bastasse milhares de pessoas ficarem sem água, a vida aquática no rio também está em risco. Os peixes, que compõem mais de 40% de todas as espécies da bacia amazônica, estão sendo duramente afetados pela seca.

Ao Globo, a bióloga e doutora da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Carolina Dória, explicou que os peixes estão sendo obrigados a mudar seus ciclos e buscar “rotas de fuga” para sobreviver durante esse período crítico. Na bacia do Madeira, existem áreas com diferentes profundidades, e os peixes tendem a procurar locais mais profundos durante a seca para manter os seus ciclos de vida.

Peixes mortos no Lago do Piranha em Manacapuru durante seca no Amazonas | Foto: Rede Amazônica

A situação é alarmante, pois o Rio Madeira abriga mais de 1,2 mil espécies de peixes, e todos os rios de Rondônia desaguam nele. A saúde e a preservação desse rio são cruciais para toda a bacia amazônica. Uma mudança na “rota” dos peixes durante a seca pode levar à morte das espécies e dificultar a pesca local, impactando a subsistência das comunidades.

Carolina explicou que a falta de oxigênio nos igarapés e as altas temperaturas durante a seca podem levar à morte de muitas espécies aquáticas. As ondas de calor que afetam a região Norte do país aumentam a temperatura da água, e os peixes não sobrevivem. Temperaturas superiores a 30°C comprometem a capacidade das espécies em regular a sua temperatura corporal e afetam os seus processos fisiológicos.

Em períodos normais, a camada superficial da água tende a ser mais quente, enquanto no fundo do rio ela é mais fria. No entanto, com a menor profundidade durante a seca, todo o compartimento aquático fica superaquecido. Isso leva à escassez de peixes em algumas regiões e à diminuição da biomassa disponível para a pesca, comprometendo a captura dessas espécies.

Diante desse cenário crítico, é imperativo que a gestão dos recursos hídricos e as ações de preservação sejam intensificadas para garantir a sobrevivência não apenas dos peixes, mas de toda a ecologia e populações que dependem do Rio Madeira e de suas bacias. A seca histórica representa um desafio significativo e destaca a necessidade urgente de medidas efetivas para lidar com a crise hídrica na região.

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com agências

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