Convocação da Assembleia da ONU é vitória diplomática do Brasil
Número de mortos em Gaza é de ao menos 4.137 palestinos. Além de bombardeios, retaliação de Israel incluiu um “cerco total” ao coração de cidade, impondo uma crise humanitária.
Publicado 20/10/2023 21:37 | Editado 23/10/2023 16:42
Sob pressão da comunidade internacional, a ONU (Organização das Nações Unidas) convocou para segunda-feira (23) uma reunião de emergência da Assembleia-Geral, a fim de debater o conflito israelense-palestino no Oriente Médio. O encontro acontecerá no rastro do mal-estar causado pelo veto dos Estados Unidos à proposta de resolução do Conselho de Segurança apresentada pelo Brasil.
Segundo o jornalista Jamil Chade, colunista do UOL, o pedido de reunião foi assinado por mais de 50 países, a começar pela Rússia, “num gesto raramente visto na diplomacia internacional”. O Grupo Árabe e o Grupo da Organização para a Cooperação Islâmica (OCI) também pressionaram a ONU. Na leitura desses países e grupos, o veto norte-americano à resolução – que propunha uma “pausa humanitária” – agravou de modo inaceitável a crise, ao ignorar o drama da população palestina na Faixa de Gaza.
Entre as nações árabes, o teor da denúncia é mais enfático: eles acusam Israel, a “a potência ocupante”, de “agressão militar (…) contra a população civil palestina”. Os ataques israelenses, segundo esses grupos, “infligiu condições humanitárias catastróficas, arriscando uma desestabilização ainda mais perigosa da situação, colocando em risco mais vidas civis e ameaçando a paz e a segurança internacionais”.
Desde o início do conflito, em 7 de outubro, Israel contabiliza 1.400 perdas humanas, sendo quase todas de civis alvejados no primeiro dia de conflito. Já o número de mortos em Gaza, conforme o Ministério da Saúde do Hamas, é de ao menos 4.137 palestinos – sem contar outros 13.162 feridos. Crianças, mulheres e idosos são as principais vítimas.
Além de bombardeios, a retaliação de Israel incluiu um “cerco total” ao coração de Gaza, impondo uma crise humanitária. Yoav Gallant, ministro israelense da Defesa, anunciou publicamente que o objetivo era deixar o enclave palestino, com seus 2,3 milhões de moradores, “sem eletricidade, sem comida, sem água e sem gás”.
Já na primeira semana de bloqueio, as ações de socorro da ONU se revelaram dramaticamente insuficientes. Na terça-feira (17), a explosão do hospital Al-Ahli Arab, que deixou mais 500 mortos em Gaza, escancarou as atrocidades em curso. Dois dias depois, a despeito da comoção global, Yoav Gallent reafirmou que as tropas israelenses estavam prontas para invadir Gaza por terra.
O apoio imediato dos Estados Unidos ao que se chamou de “direito de Israel se defender”, independentemente dos métodos, não chegou a surpreender, dada a aliança histórica e estratégica entre os dois países. Quando o caso chegou à ONU, essa blindagem norte-americana foi decisiva para deixar Israel impune – e para manter os palestinos de Gaza condenados ao genocídio.
O Brasil, na condição de atual presidente do Conselho de Segurança da ONU, sobressaiu na proposta de uma resolução mediada para o conflito, já que o texto apresentado pela Rússia havia sido rejeitado. Com foco na necessidade de um cessar-fogo humanitário para socorrer civis em Gaza, a resolução brasileira buscou o equilíbrio necessário para buscar o consenso entre os 15 membros do Conselho de Segurança.
Para ser aprovada, a proposta precisava de pelo menos nove votos e não podia ser vetada por nenhum dos cinco membros permanentes do órgão. Em busca de mais apoios, o Brasil concordou em usar expressões como “odiosos ataques terroristas” do Hamas e ressaltou que a legislação internacional garante que “os civis em Israel e no território palestino ocupado, incluindo Jerusalém Oriental, devem ser protegidos”.
Mais do que os nove apoios necessários, o Brasil alcançou contundentes 12 votos, além de duas abstenções. Só que os Estados Unidos votaram contra a resolução, alegando a ausência de uma responsabilização unilateral ao Hamas. Conforme declarou Sérgio Danese, embaixador do Brasil na ONU, “tristemente, muito tristemente, o Conselho mais uma vez não conseguiu adotar uma resolução. Silêncio e inação prevaleceram, para o interesse de ninguém no longo prazo de ninguém”.
O desfecho não significa, porém, que a correlação de forças se manteve inalterada. Desta vez, o isolamento dos Estados Unidos saltou aos olhos, e o protagonismo brasileiro teve eco. “A derrota da resolução representa, na verdade, uma vitória moral. O Brasil sai engrandecido do episódio, porque apresentou um texto equilibrado, que cobria todos os pontos principais”, analisou o diplomata e professor Rubens Ricupero.
Desde quinta-feira (19), Ricupero previa que a resolução “vai encontrar no mundo inteiro muito apoio, mesmo não tendo passado”. A reunião de emergência da Assembleia-Geral confirma a vitória diplomática do Brasil.