Lula veta parcialmente o Marco Temporal para evitar derrubada no Congresso

Apib e MPF alertam para total inconstitucionalidade do PL aprovado, que fere pacto internacional. Indenização para terras pode dificultar demarcações

Brasília (DF), 28/04/2023 - A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta da Funai, Joênia Wapchana, durante o encerramento do Acampamento Terra Livre. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou parcialmente o projeto de lei que estabelece o marco temporal para as terras indígenas, mantendo os pontos que, segundo o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), “respeitam a Constituição”, enquanto barrando exatamente os artigos que datavam o limite das demarcações em 1988. Essa decisão coloca o governo em sintonia com o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a inconstitucionalidade dessa abordagem, e em discordância com o Congresso.

O marco temporal determina que os povos indígenas só podem reivindicar áreas que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Essa tese tem sido criticada, uma vez que poderia inviabilizar o reconhecimento de até 287 territórios em processo de regularização, conforme dados da Fundação Nacional do Índio (Funai).

No final de outubro, o STF determinou que a União deve indenizar ocupantes de boa-fé que percam suas terras devido a uma demarcação. No mesmo dia, o Senado aprovou o marco temporal e instituiu o pagamento de indenizações. Lula tirou todas as menções à temporalidade, em consonância com o Judiciário, mas manteve o pagamento de indenização, algo imposto pela Congresso.

A decisão do presidente de vetar partes do projeto veio após uma reunião com ministros e representantes de povos indígenas, incluindo Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e o advogado-geral da União (AGU) Jorge Messias. A intenção de sancionar o projeto em partes visa a reduzir as chances de o Congresso derrubar o veto. O governo já havia se declarado contra a demarcação temporal, desde a campanha eleitoral de 2022, mas havia lobby de setor do agronegócio e forte pressão do Congresso.

Veto integral

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) considera que qualquer aprovação do projeto, mesmo parcialmente, viola as diretrizes do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) e compromissos vinculantes ao Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) da ONU, que exige a agilização da demarcação, regularização e titulação dos territórios indígenas.

O Ministério Público Federal (MPF) também defende o veto integral do projeto, argumentando que é inconstitucional e inconvencional, colocando em risco o processo de reconhecimento das Terras Indígenas (TI). Além disso, o MPF observa que a tese do marco temporal foi declarada inconstitucional pelo STF e que direitos ao isolamento de povos indígenas estão garantidos em tratados internacionais.

Além de dificultar a demarcação de terras indígenas, lembram os procuradores, a matéria também pode abrir os territórios tradicionais para a exploração de recursos hídricos, energéticos, minerais e de instalação de infraestrutura. Além disso, o PL do marco temporal acaba com a proteção dos povos indígenas isolados em relação a contatos externos. 

A decisão de Lula sobre a sanção ou veto do projeto poderá ser publicada no Diário Oficial da União (DOU) em edição extra ou na edição regular de segunda-feira (23). Se o presidente vetar partes do texto, o Congresso poderá manter ou derrubar o veto. A situação continua a ser acompanhada de perto, com expectativa de desdobramentos significativos para os direitos e terras dos povos indígenas no Brasil.