Conflito na Palestina faz países árabes repensarem relações com Israel

O político palestino Akel Taqaz explica que a comunidade internacional precisa entender que ciclos de violência vão continuar existindo, enquanto não houver uma solução satisfatória para seu povo

Em 2020, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu assinou os Acordos de Abraham em Washington ao lado do presidente Donald Trump e do ministro das Relações Exteriores dos Emirados Árabes Unidos, Abdullah bin Zayed Al-Nahyan

Uma das lideranças do Partido do Povo Palestino (ex-Partido Comunista Palestino), Akel Taqaz, explicou ao Portal Vermelho as consequências do conflito que surpreendeu o mundo desde 7 de outubro, no Oriente Médio. A entrevista foi concedida à jornalista Moara Crivelente, que representou o PCdoB durante o 23° Encontro Internacional de Partidos Comunistas e Operários (EIPCO) em Izmir, Turquia.

Em sua análise, as perdas violentas em Israel fizeram todos “perder a cabeça”, promovendo uma reação desproporcional que afetou o modo como a opinião pública e a mídias enxergam o conflito, desmascarando manipulações ocidentais.

Mas outra consequência que tem sido discutida diz respeito aos vizinhos árabes, que vinham normalizando relações com Israel, como se o conflito com a Palestina não fosse mais um problema de todos. A resistência teria atacado o território israelense justamente para interromper este processo. Para além dos pioneiros Egito e Jordânia, nesse ano, além dos Emirados Árabes Unidos e do Bahrein, Marrocos e Sudão também normalizaram as relações com Israel. 

Para Taqaz, esses países realmente pararam para refletir depois da insurgência palestina. “Porque eles acreditam que com a pressão da política israelense e americana, eles podem normalizar com Israel sem resolver o problema palestino”. 

O palestino observou que estes países vinham considerando o problema palestino de terceira categoria, depois da guerra na Ucrânia. Mas agora eles têm que fazer esforços para a solução. “Eu acredito que alguns comentários de alguns países árabes, especialmente da Arábia Saudita, estão indo nessa direção, o que é positivo”, ponderou.

Ciclo permanente de violência

Taqaz afirmou que a situação que o mundo testemunha não é nova, apenas “mais um novo círculo de violência cometida por Israel durante todos esses anos”. “Mas dessa vez, quando o movimento palestino começou a atacar e Israel teve algumas perdas, perderam também a cabeça não só os israelenses, mas os americanos e os europeus também se apressaram a vir para a região para apoiar Israel, dizer que estão ao lado deles nessa agressão, ignorando que Israel está cometendo esses crimes por anos e anos”, afirmou. 

Para ele, Joe Biden (EUA), Olaf Scholtz (Alemanha) ou Emmanuel Macron (França) se dedicam a explicar por que as pessoas palestinas, crianças, mulheres, têm que ser mortas todos os dias por ataques israelenses. “Infelizmente, este é o padrão duplo dos países ocidentais lidando com a situação no Oriente Médio”, afirmou, apontando a discriminação entre palestinos e israelenses num mesmo território. 

Esta lógica difundida por estes líderes ocidentais evita que a ONU faça algo de efetivo para resolver o problema, sabendo que se não resolver o problema palestino não haverá paz no Oriente médio. “Nós acreditamos que se não houver uma solução real, isto se repetirá de vez em quando, até que eles entendam que têm de se sentar em uma mesa e discutir o assunto e dar aos palestinos os seus direitos básicos de determinação”, enfatizou. 

Para ele, o primeiro evento tem que ser o fim da ocupação. As pessoas palestinas têm de ter sua independência, estabelecer o seu Estado e viver em paz como todos os povos do mundo, na opinião de Taqaz. 

Dois pesos, duas medidas

Ele fez referência ao que ocorre agora, com mais de 5 mil mortos, 30 mil feridos, milhares de casas destruídas, assim como escolas, mesquitas, igrejas e hospitais. “Para proteger Israel, disseram que os letais ataques a hospitais em Gaza não vieram Israel. Enquanto o mundo todo vê que Israel está atacando. Este é o duplo padrão e a discriminação entre as pessoas. Para eles, uma vida israelita é muito importante, milhares de vidas palestinas não são importantes. Infelizmente”, completou, sobre o crime de guerra que Israel tenta atribuir aos próprios palestinos. 

O dirigente partidário palestino avalia que as redes sociais têm contribuído para mudar a opinião pública sobre o conflito na Palestina. A mídia corporativa ocidental que dedica-se à tarefa de demonizar o Hamas e a resistência palestina está sendo obrigada a abrir espaço para os palestinos nessa disputa sobre a narrativa. 

Num primeiro momento, Taqaz avalia que as pessoas estavam surpresas e condenando o Hamas como terroristas, para depois perceberem nuances do problema. O palestino explica que cresce a percepção de que o Hamas é parte do movimento de libertação palestina. “Sim, eles são islamistas, nós temos muitas diferenças com eles, ideologicamente, economicamente, socialmente, etc. Mas eles são parte da população palestina. E essa campanha para caracterizar o Hamas como terrorista está nos tornando alvos para dizer que todo o movimento palestino é terrorista, como eles diziam todos esses anos”. 

No entanto, a dimensão desproporcional da devastação de hospitais, escolas, igrejas, mesquitas, milhares de prédios destruídos com as pessoas dentro, faz com que as pessoas vejam algo que não viam antes. Desta forma, as forças econômicas hegemônicas no Ocidente perdem o controle totalitário que tinham sobre as mídias e narrativas.

“Agora, a mídia social tem um papel importante, mostrando a verdadeira imagem. Antes, você podia ver apenas o que eles queriam mostrar na televisão. Agora não é assim. E por causa disso, nós acreditamos que todas as atividades de solidariedade com os palestinos são muito importantes de serem distribuídas pelo mundo para fazer fracassar a campanha da mídia ocidental em apoio à causa israelense”, afirmou o político.

30 anos de “soluções”

Os eventos trágicos das últimas semanas são resultado direto, de acordo com Taqaz, das soluções apresentadas pelo Ocidente por 30 anos. Foram décadas de resoluções internacionais, que os Estados Unidos, em hegemonia nas Nações Unidas, não permitiram que qualquer decisão fosse implementada. “Quando eles queriam invadir o Iraque, fizeram em dois dias, sem qualquer resolução, assim como invadiram o Afeganistão. Mas para os palestinos, eles não querem solução, porque eles estão apoiando a ocupação e os crimes de Israel, antes de Gaza e depois de Gaza”, indigna-se ele, citando os conflitos de Israel apoiados pelos EUA no Egito (1956), no Líbano (1982), em Gaza (2008, 2012, 2014, 2021 e agora).

Por isso, ele diz que sem parar essa política e sem respeitar o Direito Internacional, não haverá solução, e, portanto, não haverá paz. A primeira condição para ter paz no Oriente Médio, conforme pontua ele, é resolver o problema palestino e dar aos palestinos o direito de ter ocupação indígena, auto-determinação, estabelecimento do estado dentro das fronteiras de 1967 com a capital em Jerusalém Oriental, libertar os prisioneiros e dar aos refugiados o direito de retornar de acordo com a resolução da ONU. 

A Organização pela Libertação da Palestina (PLO) não tem cumprido um papel relevante, segundo Taqaz. Desde a estabilização da Autoridade Palestina, o papel da organização ficou menor, com o líder da PLO sendo o mesmo da AP, que também está fragilizada. 

Após 35 anos de negociações e também de acordos, não há perspectiva de solução, pois “Israel está anexando os territórios palestinos, construindo assentamentos, muros e, praticamente, destruindo a possibilidade de solução dos dois estados”. 

Desta forma, se a comunidade internacional continuar a fechar os olhos para o comportamento israelense, não haverá lugar para o Estado Palestino, o que significa que o conflito continuará. Algo que se propaga, porque Israel é parte da Síria, do Líbano e da Palestina. “Nenhuma força no mundo pode convencer as pessoas a desistirem de lutarem pela liberdade e pelos indivíduos”, declarou. 

Taqaz também vê muitos problemas na estratégia de fortalecer a PLO por meio de eleições, este ano. Primeiro, as regras da comunidade internacional, que não estão dispostas a forçar Israel a aceitar as eleições que serão feitas em Jerusalém, algo que é fundamental para os Palestinos. São 300 mil palestinos vivendo na capital, que não podem votar sem abrir mão da nacionalidade palestina.

O maior receio dos palestinos é perceber que o conflito atual avance para dividir ainda mais o povo palestino. “Eles não querem lidar com os palestinos como um todo. Eles estavam felizes com essa divisão em territórios espalhados. A solução deles prevê que o estado palestino estará em Gaza, podem dar outra parte do Sinai, no Egito, para ampliar o território, e com os acampamentos e outras coisas no Oeste, os palestinos podem viver sob a ocupação, o que não é viável”, criticou, citando a proposta irrealista feita por Donald Trump, quando de sua visita ao país em 2018.

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