Chefes de agências da ONU denunciam desprezo por vidas civis em Gaza

Em nota rara, os chefes se uniram para gritar um “basta!” A própria ONU já perdeu 88 funcionários em ataques israelenses. “Precisamos de um cessar-fogo humanitário imediato”, exigiram.

OMS Pessoas deslocadas pelo conflito em Gaza recolhem água no campo de refugiados de Khan Younis (acervo ONU)

Em uma manifestação rara, os chefes das 18 agências humanitárias que compõem as Nações Unidas fizeram um apelo em uníssono por um cessar-fogo humanitário na Faixa de Gaza e salientaram que deixar uma população inteira sem comida, água e eletricidade é uma atrocidade tão grande como o assassinato de civis israelenses.

Mas o comunicado também expressa a denúncia das violações do direito humanitário internacional por Israel, cada vez que bombardeia um comboio de ambulâncias, um abrigo de refugiados ou um hospital. A nota está repleta de relatos que demonstram como é explícita a agressão às vidas civis palestinas.

O texto é mais um grito entre bombardeios, que é divulgado conforme nenhum apelo internacional sensibiliza Israel e EUA. Todos os mecanismos da ONU têm sido ineficazes para reduzir o sofrimento palestino. A nota é assinada pelos chefes da Organização Mundial da Saúde, Unicef, CARE International, Save the Children, Programa Alimentar Mundial e Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), entre outros.

A ONU também está pagando um enorme custo humano nesta guerra, com 88 funcionários da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA) mortos em ataques israelenses. Trata-se do maior número de vítimas mortais das Nações Unidas já registrado em um único conflito.

O coordenador humanitário da ONU, Martin Griffiths; o alto comissário para refugiados, Filippo Grandi; o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus; e a diretora-geral do UNICEF, Catherine Russell, entre vários outros, pediram assim respeito pelas vidas dos civis, pelas infraestruturas das quais dependem, pela libertação de reféns e pela permissão da entrada de ajuda humanitária essencial em Gaza.

“Precisamos de um cessar-fogo humanitário imediato. Já se passaram 30 dias. Já chega. Isto deve acabar agora”, exigiram.

Mortos e desaparecidos

Em meio a relatos de enormes explosões causadas por ataques aéreos no norte de Gaza durante a noite de domingo, as agências da ONU reiteraram que todas as partes devem respeitar as obrigações regidas pelo direito humanitário internacional.

Os líderes humanitários das Nações Unidas sublinharam que “toda a população está sitiada e sob ataque, sem acesso ao essencial para a sobrevivência, bombardeada nas suas casas, abrigos, hospitais e locais de culto”.

“Isso é inaceitável”, ressalta a declaração divulgada neste domingo.

De acordo com o Ministério da Saúde Palestino, o número de mortos desde 7 de outubro chegou a 9.770, incluindo 4.008 crianças e 2.550 mulheres.

Cerca de 2.260 pessoas, incluindo 1.270 crianças, estão desaparecidas em Gaza, a maioria delas pode estar presa sob a quantidade cada vez maior de escombros.

Bombardeio na fila do pão

O Escritório de Assuntos Humanitários, Ocha, informou que em Gaza as pessoas estão se arriscando durante ataques aéreos para poder fazer fila na porta das padarias na esperança de comprar pão.

Segundo o Ocha, vários painéis solares nos telhados de edifícios, teriam sido destruídos por ataques aéreos israelenses nos últimos dias. Isto eliminou uma das poucas fontes restantes de energia para hospitais e produção de água e alimentos. 

Na noite de domingo, o Ocha informou que “nas últimas 24 horas, os ataques continuaram nas proximidades de hospitais, incluindo o Hospital Indonésio e o Hospital Al Quds”, resultando em feridos e danos. 

Mais de 100 ataques a unidades de saúde, matando ou ferindo perto de 1 mil pessoas, foram relatados até 4 de novembro, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, OMS.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse na sexta-feira que estava “horrorizado” com um ataque em Gaza a um comboio de ambulâncias fora do hospital Al Shifa a caminho da passagem de fronteira de Rafah, onde as evacuações médicas de pacientes feridos em direção ao Egito começaram na semana passada.

Os bombardeios também foram condenados pela OMS, que lembrou que os ataques aos serviços de saúde, “incluindo os ataques a hospitais e a restrição da entrega de ajuda essencial, como suprimentos médicos, combustível e água”, constituem violações do direito humanitário internacional.

Evacuações médicas interrompidas

O Ocha disse que o ataque de sexta-feira ao comboio de ambulâncias foi seguido por uma interrupção completa na saída de cidadãos com dupla nacionalidade e feridos através de Rafah.

Segundo a agência, nenhuma outra evacuação foi relatada de Gaza durante o fim de semana, devido “ao fracasso do Hamas, de Israel e do Egito em chegar a um acordo sobre a evacuação segura de pacientes do norte de Gaza”.

Embora 14 dos 35 hospitais em Gaza tenham parado de funcionar, mais de 23 mil pessoas ficaram feridas em Gaza desde 7 de outubro e necessitam de tratamento.

Crescimento de doenças

Mais de 700 mil dos 1,5 milhões de pessoas deslocadas internamente em toda a Faixa de Gaza estão abrigadas em 149 instalações geridas pela Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos, Unrwa, que estão extremamente superlotadas.

Vários casos de infecções respiratórias agudas, diarreia e varicela foram relatados entre pessoas que se refugiaram em abrigos da agência.

A escassez de água, que é particularmente aguda no norte do enclave, “levanta preocupações de desidratação e doenças transmitidas pela água devido ao consumo de água de fontes inseguras”, alertou o Ocha. Segundo autoridades municipais o risco de vazamento de esgoto é iminente. 

Sem acesso ao norte

A Unrwa lamentou o fato de os seus abrigos terem sido repetidamente atingidos por ataques israelenses e já não serem seguros para aqueles que procuram refúgio. No sábado, uma escola da agência no campo de Jabalia, a norte da cidade de Gaza, foi diretamente atingida por ataques que mataram 15 pessoas e feriram 70.

A agência disse que mais de 160 mil pessoas deslocadas estavam abrigadas em 57 das suas instalações na Cidade de Gaza e na província de Gaza Norte, até12 de outubro, antes da ordem de evacuação emitida pelas autoridades de Israel.

No entanto, a Unrwa alertou que “não tem acesso a estes abrigos para ajudar ou proteger as pessoas deslocadas internamente e não tem informações sobre as suas necessidades e condições”.

A agência lamenta a perda de 88 dos seus funcionários desde 7 de outubro, o maior número de vítimas fatais das Nações Unidas já registado em um único conflito.

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