Argentina: após debate, Massa se fortalece para o final da campanha

Massa, inquestionavelmente, venceu o debate e tende a conquistar mais votos de indecisos, fundamentais numa eleição deveras disputada

Javier Milei (A Liberdade Avança) acusou o golpe. Ciente de seu mau desempenho no debate entre os presidenciáveis que estão no segundo turno da eleição na Argentina, o candidato da extrema-direita declarou que seu rival, o peronista Sergio Massa (União pela Pátria), foi “muito agressivo”. Seus assessores denunciaram uma suposta “campanha do medo”. Sobrou até para os marqueteiros brasileiros que colaboram com a campanha de Massa.

Tanta milonga parece pouco aos olhos dos eleitores indecisos. Massa foi duro – mas não hostil – no debate realizado neste domingo (12), a uma semana da eleição. Questionou o ultradireitista, diretamente, sobre as polêmicas que envolvem sua candidatura. Ao partir para o confronto de ideias e pautar todo o debate, o atual ministro da Economia expôs o vazio da plataforma eleitoral de Milei, repleta de factoides.

Uma das estratégias bem-sucedidas de Massa foi desestabilizar seu oponente. Em meio ao debate, o peronista afirmou que Milei, após fazer um estágio no Banco Central (BC) argentino, não conseguiu ocupar uma vaga que estava aberta. Esta seria, segundo Massa, a razão pela qual Milei promete destruir a instituição. A acusação pegou a todos de surpresa – o fiasco do então jovem economista Milei no BC não era de conhecimento público.

O ultradireitista tentou rebater, mas abusou dos impropérios de sempre, como ao acusar a candidatura de Massa de “formar parte de um governo de delinquentes”. Não saiu barato. “Primeiro, vou te dar é um conselho”, falou Massa. “O debate é longo. Não fique agressivo, porque o que as pessoas esperam são respostas”.

Até dúvidas sobre o equilíbrio emocional de seu rival vieram à tona. Segundo Massa – que desafiou Milei a fazer um exame psicotécnico –, um presidente precisa ter “moderação, capacidade, equilíbrio mental e contato com a realidade para poder levar a Argentina adiante”.

Massa foi além e disse que Milei punha em risco o futuro da Argentina em diversas áreas, especialmente na economia. Apoiado pelo setor financeiro, o candidato da coligação A Liberdade Avança já se comprometeu em dolarizar o padrão monetário, acabar com o Banco Central, tirar o país do Mercosul, cortar relações com a China, eliminar subsídios e privatizar rios e mares.

Até o Brasil entrou em questionamento. “Quem são os principais parceiros comerciais da Argentina? O Brasil é um e a China é outro”, declarou Massa. “Diga a verdade aos argentinos: você vai romper relações com o Brasil e a China, colocando em risco o trabalho de 2 milhões de argentinos?”, disparou o peronista.

Milei passou recibo: “Você pertence a um governo em que o Alberto Fernández não falava com o Bolsonaro. Que problema tem em eu falar ou não com o Lula?”. E ouviu de Massa, na réplica: “A ruptura do Mercosul, das relações com o Brasil e com a China, representa 2 milhões de empregos a menos e um impacto nas exportações argentinas de US$ 28 bilhões. A política exterior não pode ser regida por caprichos, por ideologia – devem ser regidas pelo interesse nacional”.

Invariavelmente, Milei se sentiu constrangido a amenizar ou relativizar as ameaças, o que pode render contestações de seus apoiadores mais radicais. Num desses recuos, o candidato ultradireitista afirmou que pode, eventualmente, se desculpar com o papa Francisco, a quem criticou durante toda a campanha, recebendo em troca a ira de parte do eleitorado católico. Foi igualmente mais leve ao falar sobre sua visão privatista para a saúde e a educação.

O debate na Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires teve seis eixos temáticos, mas assuntos econômicos predominaram. O encontro opôs um Massa permanentemente na ofensiva e um Milei mais contido que o normal. Entre analistas, é consenso de que o nervosismo do extremista o levou a dar respostas pouco convincentes, mesmo quando se tratava de suas propostas de campanha.

Massa, inquestionavelmente, venceu o debate e tende a conquistar mais votos de indecisos, fundamentais numa eleição deveras disputada. Pesquisas espontâneas chegam a estimar o número de eleitores indefinidos em até 30%. Os 19 levantamentos feitos no segundo turno sugerem um empate técnico ou vantagens de modestas de algum candidato.

Daí o apelo de Massa, ao final do debate, por um governo de união nacional. A tática de usar o duelo televisivo para desmascarar o risco Milei se revelou acertada. A candidatura de Massa entra mais forte e ofensiva – mais persuasiva – nos sete derradeiros dias de campanha. O debate de domingo pode ter decidido a eleição argentina.

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