Rompimento com Brasil e China? Milei derrete em debate eleitoral

Milei negou que o Estado tenha o papel de indutor do desenvolvimento e defendeu a privatização dos setores estratégicos

O último debate presidencial argentino realizado na Faculdade de Direito de Buenos Aires no domingo (12) à noite entre os candidatos Sérgio Massa (União pela Pátria) e o ultraneoliberal Javier Milei, expôs de forma didática o abismo que separa um estadista de um fascista tresloucado.

Sem qualquer compromisso com a realidade, Milei negou que o Estado tenha o papel de indutor do desenvolvimento, e o apontou como obstáculo. Defendeu a privatização dos setores estratégicos e desprezou qualquer política de planejamento e subsídios públicos para o crescimento do mercado interno.

O candidato da extrema-direita desprezou a soberania nacional, defendeu o rompimento comercial com o Brasil e a China, pelo “populismo de Lula” e “pelo comunismo”, condenando manter “relações com aqueles que não respeitam a democracia liberal”. Ao mesmo tempo, propôs um alinhamento com os Estados Unidos e Israel, apontados por ele como símbolos do “mundo livre”, idolatrando facínoras como Ronald Reagan (ex-presidente dos EUA de 1981 a 1989) e Margareth Tatcher (ex-primeira-ministra inglesa de 1979 a 1990), tratados como “ídolos”.

Qualificada por Massa como “criminosa de guerra”, Milei alçou Thatcher ao patamar de “grande líder da Humanidade”, desprezando os combatentes que deram a vida pelas Malvinas Argentinas. A citação antipatriótica conseguiu unificar amplos setores da mídia, mesmo reticentes a Massa.

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Na sede da Associação Judicial de Buenos Aires, onde estamos alojados, às ruas, bares e cafés, a repercussão foi tremenda e caiu como uma bomba. Nesta segunda (13), continuam sendo transmitidas repetidas vezes vídeos com Thatcher sustentando que, para manter o enclave, afundaria quantas vezes fosse necessário o navio General Belgrano. A ação matou 323 marinheiros argentinos. A defesa servil de Milei ao império britânico é algo tão repugnante quanto indescritível, e continua ressoando e provocando baixas.

De forma categórica, Massa condenou a forma irresponsável como o ex-comentarista furreca de televisão trata da história pátria e enfatizou que “Thatcher é inimiga da Argentina, ontem, hoje e sempre, e nossos heróis são uma figura inegociável”.

Entre outra avalanche de absurdos e inconsequências, Milei reconheceu que transformaria o país de José de San Martín, Che Guevara, Juan Domingo e Evita Perón em neocolônia ianque ao exclamar que iria “dolarizar a economia e fechar o Banco Central”. Sobre o desprezo à integração latino-americana e ao Estado nacional, ressaltou que ele “termina sendo um estorvo e o melhor exemplo é o que está passando no Mercosul, que não tem saúde e não progride para nenhum lado”.

Da mesma forma que ao longo da campanha, Milei desprezou os valores defendidos pelo Papa Francisco e fez apologia da privatização e da lei da barbárie. “Na Argentina, é impossível ganhar dinheiro. Se chegas a ganhar dinheiro, aparece uma quadrilha de expropriadores com a ideia de justiça social, redistribuição de renda e a igualdade de oportunidades e vai roubar o resultado do fruto do seu trabalho”, declarou.

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Quando questionado por Massa sobre o papel do Estado, Milei se apresentou “como liberal libertário”, alguém que crê “profundamente no comércio internacional” dirigido por cartéis, jamais por políticas públicas que protejam as empresas nacionais, salários, empregos e direitos.

Delírios à moda Bolsonaro

Vestindo a camisa-de-força bolsonarista, Milei acusou o governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner de haver cometido “um delito de lesa-humanidade” quando combateu a quarentena durante o combate à Covid, “restringido a liberdade das pessoas” de ir e vir. A vacinação e o controle foi reconhecidamente o que tornou a Argentina o país com menos mortes durante a pandemia entre os grandes países do continente.

Com tranquilidade e ironia, Massa disse que “Milei veio ao debate para desmentir o que disse durante a campanha”, ridicularizou o pretenso “escritor” cujos “últimos três livros têm três denúncias de fraude”, lembrou que “a política exterior não pode ser regida por caprichos nem por ideologia”. O candidato peronista foi incisivo ao reiterar que a “Argentina tem que ter relações com todos os países que abrem os braços e os mercados para ter mais trabalho argentino”, destacando que é necessário ter “a responsabilidade de decidir como construir o país dos próximos 4 anos”.

De forma racional, Massa propôs que Milei se recompusesse pois estava “muito nervoso” ao se defrontar com a verdade, o que está sendo observado até mesmo por aliados como o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019). “Você não pode ser mais mentiroso, a cada dia você se supera mais, Macri escreveu para você”. O atual ministro da Economia recordou ainda que Milei fez um estágio no Banco Central e questionou: “Por que eles não renovaram?”. E esclareceu a razão: foi pelo “desequilíbrio mental”, o que explica muita coisa. “Entendo que você esteja zangado com o BC e fale em destruí-lo”, fulminou.

Diante do abismo que separou os dois no debate e do resultado retumbante, Milei culpou o “coro de tosses” que teria sido organizado pelos apoiadores de Sergio Massa na plateia para distraí-lo, numa armação arquitetada com “um grupo de psicólogos” para deixá-lo “descontrolado”.

A Associação de Ex-Combatentes de Malvinas lançou um comunicado contundente conclamando o voto em Massa: “No próximo domingo (19) a sorte dos argentinos e argentinas está em jogo, algo nunca visto ao longo destes 40 anos de democracia. Uma aliança da extrema-direita põe em questão os acordos básicos de convivência democrática e propõe à sociedade um modelo autoritário com a supressão de direitos consagrados que colocaram a República Argentina como um exemplo a seguir”.

A última gestão do governo neoliberal, de Macri, denunciaram os Ex-Combatentes, “endividou e retirou recursos do país que provocou a situação que estamos vivendo atualmente”. “A brutalidade com que quer avançar esta força antidemocrática merece o maior dos compromissos dos setores populares. Defendemos uma Argentina Soberana com amplo sentido social. Não votaremos em Milei. Nosso voto é para Sérgio Massa. Pelos jovens de Malvinas que jamais esqueceremos!”, conclui o manifesto.

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