Bebês fora de incubadora tornam-se símbolo dos crimes de Israel

As imagens se espalham pelos protestos pelo mundo como exemplo da covardia da guerra e do desrespeito ao direito internacional mínimo em casos de conflitos

Imagens das crianças vitimadas no conflito se tornam ícones da solidariedade internacional com a Palestina.

Bebês recém-nascidos enrolados em cobertores e alinhados em uma cama depois de retirados das incubadoras tornaram-se a imagem definidora do cerco israelense aos hospitais na Faixa de Gaza. A imagem tem se espalhado pelo mundo em forma de protestos contundentes, difíceis de serem revertidos a favor de Israel, acusando crimes de guerra inegáveis. Em uma das manifestações recentes, na Nova Zelândia, crianças carregavam cartazes dizendo que “Israel é muito poderoso contra criancinhas” (Israel is powerful against little kids).

Pelo menos 32 pacientes, incluindo seis bebês prematuros, morreram no Hospital al-Shifa nos últimos três dias, disse o porta-voz do Ministério da Saúde palestino, Ashraf al-Qudra, na segunda-feira (13), quando a maior instalação médica de Gaza foi forçada a fechar devido à falta de combustível e remédio.

Mais de 100 corpos estão em decomposição dentro do hospital, esperando para serem enterrados.

“Lamentavelmente, o hospital não funciona mais como hospital. O mundo não pode ficar em silêncio enquanto os hospitais, que deveriam ser refúgios seguros, são transformados em cenários de morte, devastação e desespero”, afirmou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS). Para muitos, os hospitais ainda são considerados instalações relativamente seguras, o que tornou suas imediações alojamentos de refugiados.

Israel impôs um cerco total ao território – onde vivem 2,3 milhões de pessoas – proibindo combustível, alimentos, eletricidade e água após o lançamento da sua ofensiva militar em 7 de outubro em consequência de um ataque do Hamas com mais de 1.200 mortes em Israel.

Todos os hospitais no norte de Gaza estão agora “fora de serviço”, uma vez que os implacáveis ​​ataques aéreos israelenses mataram mais de 11 mil pessoas, a maioria delas mulheres e crianças, desencadeando apelos globais por um cessar-fogo.

Sem incubadoras, médicos tentam garantir algum controle de temperatura em camas com material metalizado. Imagem de divulgação do Ministério da Saúde de Gaza.

O Hospital al-Shifa

Milhares de pessoas, incluindo 650 pacientes e 500 profissionais de saúde, estão escondidos nas instalações do Hospital al-Shifa, cercados pelas forças israelenses.

Os militares israelenses estão pedindo a pessoas sem membros ou em cadeiras de rodas que deixem o hospital “com as mãos acima da cabeça”. Nem agentes estrangeiros ou pessoal médico têm coragem de confiar e obedecer às exigências dos militares.

O Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) informou que três enfermeiras foram mortas no hospital na sexta-feira.

No domingo, a ala cardíaca do hospital foi bombardeada por Israel.

“Os pacientes estão morrendo a cada minuto – até mesmo bebês nas incubadoras”, disse o diretor do Hospital al-Shifa, Muhammad Abu Salmiya, em 11 de novembro.

Os funcionários foram forçados a colocar bebês prematuros em camas normais, utilizando a pouca energia disponível para ligar o ar condicionado e mantê-los aquecidos. “Esperamos perder mais deles a cada dia”, disse o Dr. Ahmed El Mokhallalati, médico que trabalha no hospital, aos repórteres.

Mesmo sem a guerra, os bebês prematuros já lutavam para sobreviver. Agora, morrem conforme os hospitais foram ficando sem eletricidade e os ataques se intensificaram, segundo a ONU. As incubadoras são necessárias para prematuros ou recém-nascidos doentes para proteção contra infecções, controle de sensibilidade à luz, posicionamento dos bebês. Elas requerem eletricidade para controlar a temperatura, controlar a umidade e suprir oxigênio, conforme reproduzem um ambiente controlado semelhante ao útero para que os bebês continuem crescendo. Também contém monitores de sinais vitais.

Os militares israelenses disseram no domingo que se ofereceram para evacuar bebês recém-nascidos e colocaram 300 litros (80 galões) de combustível na entrada do hospital, divulgando vídeos de seus soldados carregando contêineres e colocando-os no chão. Afirmou que o Hamas bloqueou os seus esforços.

O Hamas negou ter recusado o combustível e disse que o hospital estava sob a autoridade do Ministério da Saúde de Gaza.

Por que hospitais?

As regulações internacionais da guerra pelos signatários da Quarta Convenção de Genebra tratam ataques a hospitais como crimes de guerra. No entanto, os hospitais em Gaza têm sido repetidamente atacados, já que as forças israelenses acusaram os combatentes do Hamas de os utilizar para fins militares usando doentes e equipes médicas como reféns. Por isso, bombardeiam.

Os militares de Israel divulgaram imagens do Hospital Infantil al-Rantisi – onde suas forças entraram no fim de semana – mostrando armas que disseram ter sido encontradas em seu interior. As imagens incluíam salas no porão onde alegados combatentes palestinos mantinham reféns.

O vídeo mostrou o que parecia ser um vaso sanitário e um sistema de ventilação instalados às pressas, bem como uma motocicleta com um buraco de bala.

O Ministério da Saúde de Gaza rejeitou as acusações, dizendo que a cave mostrada fazia parte do hospital e foi transformada num abrigo para deslocados de guerra.

“O hospital foi evacuado à força sob a mira de uma arma… Por que não detiveram nenhum dos supostos combatentes da resistência ou supostos reféns?” disse um comunicado do ministério, negando que a instalação tivesse algo a ver com um túnel que as forças israelenses descobriram nas proximidades. A cidade está em grande parte sobre túneis construídos para entrada de suprimentos de todo tipo, devido ao cerco israelense.

Ghazi Hamad, um alto funcionário do Hamas, rejeitou as alegações israelenses de que o Hospital al-Shifa era um posto de comando para combatentes como “propaganda falsa e enganosa”.

“As forças de ocupação não têm nada que o provem”, disse Hamad. “Nunca utilizamos civis como escudos humanos porque isso vai contra a nossa religião, moralidade e princípios.”

Ashraf al-Qudra, porta-voz do Ministério da Saúde de Gaza, disse que o hospital convidou repetidamente organizações internacionais para visitar al-Shifa para confirmar a sua neutralidade, mas não recebeu resposta.

Israel afirma que o Hamas opera dentro de al-Shifa e abaixo dela em bunkers, no entanto, não divulgou nenhuma prova real que apoie isto.

Para piorar, o porta-voz militar israelense, Daniel Hagari, exibiu no mês passado imagens “simuladas” que alegadamente mostravam “centros de comando” do Hamas, mas mais tarde reconheceu: “Isto é apenas uma ilustração”.

Imagens concretas

O Hospital Árabe al-Ahli, localizado na cidade de Gaza, foi atingido por uma explosão no mês passado, num episódio que causou choque mundial, mas que agora se tornou corriqueiro. Quase 500 pessoas morreram no ataque, cuja origem permanece obscura até agora. Autoridades palestinas disseram que um míssil israelense foi o responsável, enquanto Israel alegou que a explosão foi causada pela falha no disparo de foguetes por grupos armados palestinos.

Israel afirma que o Hamas opera um centro de comando no hospital al-Shifa. Mas o Hamas e as autoridades hospitalares negaram essa afirmação.

Médicos independentes, incluindo o médico britânico-palestino Ghassan Abu-Sitta, que está em al-Shifa, e o médico norueguês Mads Gilbert, que já trabalhou no hospital anteriormente, disseram não ter visto qualquer evidência de atividade militar no hospital durante o guerra.

Autoridades palestinas e pessoas dentro do hospital relataram que as forças israelenses atacaram diretamente o complexo médico com munições e franco-atiradores.

O subsecretário do Ministério da Saúde, Munir al-Boursh, disse que franco-atiradores disparavam contra qualquer movimento dentro do complexo.

Pelo menos 21 dos 35 hospitais de Gaza pararam de funcionar, quer por causa do cerco de Israel, quer por falta de combustível e medicamentos como consequência do bloqueio total imposto por Israel a Gaza desde 7 de outubro.

Os combates continuam perto do Hospital al-Quds, na cidade de Gaza, de acordo com a Sociedade do Crescente Vermelho Palestino (PRCS), enquanto tentavam evacuar os pacientes do segundo maior hospital do enclave.

Al-Quds tem lutado para cuidar dos pacientes, com acesso limitado a medicamentos, alimentos e água. Fechou as portas para novos pacientes no domingo.

“O hospital foi abandonado à própria sorte sob o bombardeamento israelense em curso, o que representa graves riscos para o pessoal médico, os pacientes e os civis deslocados”, afirmou o PRCS num comunicado no domingo.

O PRCS, que administra o Hospital al-Quds desde 2001, disse que responsabilizou a comunidade internacional e os signatários da Quarta Convenção de Genebra pelo colapso total do sistema de saúde de Gaza e pela terrível crise humanitária resultante.

Agora todos pararam de funcionar no Norte de Gaza. O Hospital Infantil al-Nasr e o Hospital Especializado Infantil al-Rantisi não podem mais funcionar sem acesso a assistência médica. Eles também estão sob fogo israelense.

Mustafa al-Kahlout, chefe de ambos os hospitais, disse: “Estamos completamente cercados, há tanques fora do hospital e não podemos sair”.

Na sexta-feira, mais de uma dúzia de crianças e seus pais ou responsáveis ​​foram evacuados do Hospital al-Rantisi para hospitais nos vizinhos Egito e Jordânia, segundo a ONU. Ainda não está claro o que aconteceu com as 30 crianças que permanecem no Hospital al-Nasr.

Outro hospital infantil, o Hospital Kamal Adwan, no norte de Gaza, também suspendeu as operações na segunda-feira depois que seu gerador principal ficou sem combustível, disse o diretor do hospital, Ahmed al-Kahlout.

O Hospital Indonésio localizado no bairro de Beit Lahiya, no norte de Gaza, também foi atacado. Seu diretor, Atef al-Kahlot, disse no domingo que o hospital com 110 leitos está operando apenas com 30-40% de sua capacidade. Ele apelou à comunidade internacional por ajuda.

“Apelamos às pessoas honradas do mundo, se sobrar alguma delas, para que pressionem as forças de ocupação para abastecerem o Hospital Indonésio e o resto dos hospitais na Faixa de Gaza”, disse ele.

Entretanto, o Hospital al-Awda ficou sem combustível e o Hospital da Amizade Turco-Palestina, gerido pela Universidade Islâmica de Gaza, parou de funcionar em 30 de outubro, após ataques aéreos e porque ficou sem combustível e medicamentos. Israel negou ter atacado o hospital, a única instalação de tratamento de câncer em Gaza.

Outros ataques aéreos teriam atingido e destruído a clínica sueca no campo de al Shati, a oeste da cidade de Gaza, onde cerca de 500 pessoas deslocadas internamente estavam abrigadas. O número de vítimas permanece incerto. Outro ataque durante a noite atingiu o Hospital al-Mahdi na cidade de Gaza, matando dois médicos e ferindo outros.

Para onde ir?

Os restantes hospitais no sul de Gaza estão com a capacidade máxima e o Hospital Nasser em Khan Younis, que pode acomodar 350 pacientes internados, está sobrelotado. Também continua a necessitar desesperadamente de combustível, eletricidade e suprimentos médicos, como anestesia e solução salina, para continuar a funcionar.

A situação do Hospital al-Amal, gerido pelo Crescente Vermelho, em Khan Younis, e do Hospital Europeu de Gaza, na mesma área, permanece incerta. Mais dois hospitais em Rafah – o Hospital Al-Helal Emirati e o Hospital Mohammed Yousef El-Najar – também funcionam com capacidade limitada.

A Jordânia criou um hospital de campanha em 6 de novembro e afirma ter tratado 817 pacientes, enquanto os Emirados Árabes Unidos e a Turquia planeiam criar hospitais semelhantes perto da fronteira de Rafah com o Egito.

Com informações da Aljazira

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