Em 11 anos, mais de 326 mil jovens foram mortos pela violência no Brasil

Atlas da Violência mostra, ainda, que entre os anos de 2011 e 2021, 107.456 crianças e adolescentes de zero até os 19 anos foram vítimas da violência letal no Brasil

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O desprezo pelo direito à vida e à cidadania de jovens e crianças é um dos marcadores mais explícitos da brutalidade presente na sociedade brasileira. Nesse ambiente, a violência letal intencional continua sendo a principal causa de morte dos jovens. Em 2021, de cada 100 pessoas entre 15 e 29 anos que morreram no país, 49 foram vítimas de assassinatos. 

Naquele ano, 66 pessoas dessa faixa etária foram mortas por dia no país, o que corresponde a uma a cada 20 minutos, num total macabro de 24.217 vidas arrancadas. De 2011 a 2021, o Brasil perdeu 326.532 jovens para a violência. Os dados são do Atlas da Violência 2023, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Ilustração: Atlas da Violência 2023

Segundo o estudo, divulgado nesta semana, “em que pese a extrema gravidade do problema que atinge a juventude brasileira, alguns avanços podem ser observados na comparação com o ano anterior. Em 2021, houve queda de 6,2% no número absoluto de homicídios de jovens em comparação a 2020”. 

De acordo com os dados analisados, essa redução vinha sendo observada desde 2017 e acompanha a queda geral do número de homicídios do país, de maneira que entre 2016 a 2021 essa diminuição foi de 25,2%. 

Amapá e Bahia são os estados que tiveram a maior taxa de assassinatos por 100 mil jovens em 2021, com 128,1 e 121,1 respectivamente. O índice é 12 vezes o indicador de São Paulo, onde foi verificada a menor taxa de letalidade juvenil (10,5), seguida por Santa Catarina (18,3), Distrito Federal (21,4) e Minas Gerais (23,7). A média nacional foi de 49 a cada 100 mil. 

A pesquisa destaca que “a vitimização juvenil, ainda que tenha sido reduzida nos últimos anos, constitui um problema de primeira grandeza”.  Para além da tragédia humana, aponta, “há que se considerar o impacto econômico dessa vitimização de jovens”. 

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Conforme estudo feito pelos pesquisadores do FBSP Daniel Cerqueira e Luciano Moura e utilizado no Atlas, “essas mortes redundam em um custo intangível de 1,5% do PIB a cada ano, ou R$ 150 bilhões, tomado como referência o desempenho econômico do Brasil em 2022”.

Crianças e adolescentes

Nas faixas etárias mais jovens, a situação também é grave. A violência interpessoal ainda é a principal responsável pelas mortes de crianças e adolescentes. Entre os anos de 2011 e 2021, 2.166 crianças pequenas (0 a 4 anos), 7.396 crianças (5 a 14 anos) e 97.894 adolescentes (15 a 19 anos) foram vítimas da violência letal por agressão no Brasil, num total de 107.456 assassinatos. 

Os adolescentes figuram entre os mais afetados pela violência letal: 38,5% dos óbitos foram decorrentes de homicídios. Também neste segmento, houve redução de 18,2% nesse período de 11 anos. Sete estados, no entanto, tiveram aumentos expressivos: Piauí, 94,9%; Roraima, 93,3% e Amapá, 90%.

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“No caso das crianças, tanto na primeira infância (0 a 4 anos) quanto entre 5 e 14 anos, as taxas de homicídios em 2021 eram significativamente menores em comparação com as dos adolescentes, sendo de 1 e 1,3 homicídios por 100 mil crianças, respectivamente”, aponta o Atlas. 

Em relação à faixa etária entre 5 e 14 anos, houve redução de 44,1% na taxa de homicídios durante a última década, sendo que a maioria dos estados também registrou decréscimo em suas taxas. No entanto, o estado destaca que o Acre (541,7%) e o Amapá (100,3%) tiveram crescimento vertiginoso nesse indicador no período, ainda que o número absoluto de casos seja pequeno.

Agressões são rotina 

Importante destacar que além da violência letal, há uma série de outras que afetam as crianças e adolescentes cotidianamente, entre as quais estão a física, psicológica, sexual, patrimonial, institucional, negligência e o trabalho infantil. No caso da física, segundo a pesquisa, mais da metade dos casos reportados ao sistema de saúde se inseriam em um contexto de violência doméstica, sendo que cerca de 60% deles ocorreram dentro da residência. 

No total, foram mais de um milhão de agressões contra crianças e adolescentes, entre 2011 e 2021, uma média de quase 94 mil casos por ano; a cada hora, 11 crianças e adolescentes sofreram agressões a ponto de necessitar de ajuda médica. Além da violência em si, as agressões de toda ordem afetam a qualidade de vida e o desenvolvimento físico, emocional e intelectual das crianças e adolescentes. 

Ilustração: Atlas da Violência 2023

Um avanço neste sentido foi a Lei Menino Bernardo, de 2014, que colocou no Estatuto da Criança e do Adolescente a proibição do castigo e da violência física como forma de educar os filhos, um tipo de comportamento que foi normalizado ao longo de décadas.

O pesquisador Daniel Cerqueira chamou atenção, durante coletiva de imprensa em que os dados foram apresentados, para a pedagogia da violência ensinada dentro dos lares brasileiros, que resulta num aprendizado de modelos comportamentais antissociais vivenciados no próprio corpo dessas vítimas. “Grande parte dessa violência, em torno de 60%, acontece no lugar onde a criança deveria estar protegida, que é dentro de casa”. 

Ele acrescentou que violência, nascida no lar, atinge outras instâncias da sociedade, inclusive a educacional. “Ora, se a escola é o local, por definição, da cidadania e da inclusão, vemos que na verdade, muitas vezes, a escola também está sendo o espaço onde essas violências estão sendo perpetradas, violências que são aprendidas a partir de modelos antissociais dentro de casa e que chegam às escolas”. 

Embora o tema da violência nas instituições de ensino ganhe projeção nacional quando ocorrem casos extremos de assassinatos e massacres em suas dependências, o pesquisador alerta para o fato de que a violência está presente no dia a dia das escolas. 

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Segundo a pesquisa PeNSE, do IBGE, de 2019, 40,5% dos alunos do nono ano nas capitais brasileiras disseram ter sofrido bullying nos 30 dias anteriores ao questionamento. Além disso, 11,4% dos estudantes das capitais brasileiras do nono ano do ensino fundamental reportaram que deixaram de ir à escola no mesmo período por não se sentirem seguros nesse ambiente. 

“Precisamos pensar, enquanto sociedade brasileira, num modelo de educação para a cidadania, que não pode ficar somente dentro da escola, a gente tem de atrair as famílias para isso porque se não, vamos remar sem sair do lugar”, concluiu Cerqueira. 

Portal Vermelho vai disponibilizar, em breve, matérias sobre outros dados do Atlas, mostrando a situação da violência em grupos como mulheres, LGBTQIA+, negros, indígenas, idosos e pessoas com deficiência.