“Choque” de Milei vai agravar caos econômico e social na Argentina

A depender da vontade da nova Casa Rosada, vêm por aí demissões do funcionalismo, desmonte do serviço público e privatizações — a meta é cortar 5% do PIB

O suspense continua. Sem citar medidas econômicas concretas, o ultradireitista Javier Gerardo Milei, novo presidente da Argentina, assumiu a Casa Rosada com a promessa de entregar “luz no fim do túnel”, mas à custa de um “choque” sem precedentes. “¡No hay plata!” (“não há dinheiro!”), tentou justificar-se o mandatário, recorrendo a uma frase que já virou bordão entre seus apoiadores.

Seu discurso de posse, neste domingo (10), na escadaria do Congresso, em Buenos Aires, durou pouco mais de  meia-hora. À falta de ações e propostas, Milei recheou a fala de recados, como a própria expressão “¡No hay plata!“.

O termo com que os argentinos denominam o dinheiro está presente no nome do país. “Argentina” deriva do verbete latino argentum, que quer dizer extamente “prata”. Por isso, “¡No hay plata!” é a forma como Milei, mais do que reclamar da inexistência de reservas, acaba por negar qualquer interesse nacional ou popular em seu receituário ultraliberal.

Trombeteando que “nenhum governo recebeu uma herança pior” que o seu, Milei previu dias duríssimos para  o povo argentino. Às voltas com inflação acumulada de 142,7% nos últimos 12 meses, ele disse que o índice pode chegar a 15.000% ao ano. E emendou: apenas um mega-ajuste fiscal tirará a Argentina da “pior crise de sua história”.

Ainda assim, antes de uma eventual “luz no fim do túnel”, o país viverá sob longa e aflitiva escuridão. “Lamentavelmente, tenho que dizer a vocês que não há dinheiro. Por isso, a conclusão é que não há alternativa ao ajuste e ao choque”, disse. “Naturalmente, isso impactará de modo negativo o nível de atividade, emprego, salário real e quantidade de pobres.” O choque de Milei vai, inevitavelmente, agravar o caos social e econômico da já sofrida nação sul-americana.

Segundo o presidente empossado, a primeira tragédia a ser contabilizada é uma combinação explosiva de estagnação econômica e hiperinflação — a chamada “estagflação”. A missão do novo governo é convencer o povo de que vale a pena atravessar um tão tortuoso “caminho da reconstrução”, sem saber extamente aonde se vai chegar. Como Milei projeta dois anos para “ajustes dolorosos”, o prazo não é curto.

Pesa contra o novo governo uma base parlamentar frágil. Milei terá de ceder (e muito) para aprovar tantas medidas impopulares. Na posse, ao discursar do lado de fora da Assembleia Legislativa e esnobar até congressistas de seu partido, o presidente sinalizou mal.

Fora o palavrório, o que há de novo? No primeiro dia de mandato, o número de ministérios foi reduzido à metade, uma iniciativa mais simbólica do que produtiva. A irmã do presidente, Karina Milei, a quem ele chama de “O Chefe”, foi nomeada sua secretária-geral, o que exigiu a revogação de um decreto antinepotismo editado em 2018 pelo ex-presidente Mauricio Macri.

O “pacotaço” fiscal ficará para esta terça-feira (12). “Ao contrário do passado, o ajuste recairá quase inteiramente sobre o Estado, e não sobre o setor privado”, adiantou Milei, que não citou nem a dolarização da economia nem o fechamento do Banco Central – duas de suas promessas mais polêmicas de campanha. É certo, no entanto, que, a depender da vontade da nova Casa Rosada, vêm por aí demissões do funcionalismo, desmonte do serviço público e privatizações — a meta é cortar 5% do PIB.

Milei prometeu, ainda, um governo antissindical, que vai reprimir “piqueteiros”. De acordo com seu discurso de posse, “quem bloqueia as ruas violando os direitos dos seus concidadãos não recebe assistência da sociedade. Para aqueles que querem usar a violência ou a extorsão para obstruir a mudança, dizemos que encontrarão um presidente com convicções inabaláveis”. A fórmula autoritária está dada. Tudo indica que, sob Milei, a Argentina voltará a ser um laboratório da luta de classes.

 

Autor