Apoiamos Lula, mas vamos pressionar por mais mudanças, diz presidente da CTB

Presidente Adilson Araújo fala sobre a necessidade de fortalecer o Estado e reconstituir os direitos perdidos pelos trabalhadores nos últimos anos

Foto: Aquiles Lins

Após anos de graves ataques aos direitos da classe trabalhadora brasileira, que levaram ao desemprego, à precarização e à perda de renda, além de muitos outros retrocessos impostos pelos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, o presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Adilson Araújo avalia que o primeiro ano do terceiro mandato de Lula “é o prefácio de uma reconstrução”. 

Nesta entrevista ao Portal Vermelho, o dirigente sindical analisa o contexto que levou à ascensão da extrema-direita no Brasil, o decorrente desmonte do Estado e a urgência de se reconstruir o país tendo como base a garantia de direitos perdidos pela classe trabalhadora. Para isso, Araújo defende o fortalecimento do Estado, a realização de um pacto entre a produção e o trabalho e salienta: “apoiamos o governo Lula, mas não abrimos mão de pressioná-lo no caminho das mudanças”. 

Leia abaixo os principais trechos dessa conversa. 

Ciclo de ganhos e perdas 

“Em 2002, o Brasil inaugurou um ciclo mudancista e pavimentou um caminho para o novo projeto nacional de desenvolvimento. Nós alcançamos resultados importantes do ponto de vista da ascensão social, dos programas sociais, do aumento da massa salarial, da geração de emprego e renda, o que fez com que o Brasil, ao final de 2014, reunisse condições para ser uma das nações com uma das menores taxas de desemprego no mundo, de 4,3%. E evidentemente que tudo isso esteve sustentado num projeto que deu atenção à classe trabalhadora, ao povo, sobretudo àqueles que mais necessitam”. 

“O hiato que colocou o Brasil em uma encruzilhada surge a partir dos sopros daquilo que se denominou no Oriente Médio como  Primavera Árabe, nos Estados Unidos com o Occupy Wall Street e aqui no Brasil ganhou a forma das jornadas de junho de 2013 e somou-se aos reflexos da Operação Lava Jato. O golpe de 2016, que tirou o mandato da presidenta Dilma Rousseff, teve o propósito de introduzir uma agenda de neocolonização. O que se viu com a implementação da agenda ultraliberal foi a promoção da desconstitucionalização dos direitos alcançados pela Constituição e pela CLT e se traduziu num golpe do capital contra o trabalho”. 

“A gente foi vítima de uma agenda extremamente regressiva. Os governos Temer e Bolsonaro patrocinaram um arcabouço regressivo de grande intensidade. As contrarreformas trabalhista e da previdência, a terceirização generalizada e irrestrita, as múltiplas reformas que se deram através de portarias, decretos e medidas provisórias levaram o país ao fundo do poço. O que se assistiu foi um verdadeiro caos com diminuição da massa salarial, redução dos postos de trabalho, crescimento da precarização e da informalidade, sem contar o estágio degradante de pessoas submetidas ao trabalho análogo à escravidão”. 

A virada a partir de 2023

Foto: reprodução/CTB

“O ano de 2023 é o prefácio de uma reconstrução. Tivemos uma vitória épica com a eleição de Lula, embora num ambiente muito complicado e de muitas dificuldades porque o Bolsonaro, além de fazer todas as maldades possíveis e impossíveis, utilizou toda e qualquer rubrica para tentar a sua reeleição. Foram usados expedientes diversos, desde o orçamento secreto ao orçamento aberto. E, durante seu governo, vivemos a aberração do negacionismo e da negligência que fizeram com que o Brasil assistisse à perda de mais de 700 mil vidas para a Covid-19 e colocaram o país numa situação de colapso”. 

“O terceiro governo Lula traz o desejo de recuperar o tempo perdido. Seu programa de reconstrução e transformação do Brasil reivindica aspetos importantes que foram consagrados na agenda da classe trabalhadora de 2010 e ressaltada em 2022, que proclama um novo curso para o desenvolvimento do país. É claro que o Lula chega com essa energia mas, por outro lado, temos um Congresso majoritariamente venal, conservador, que advoga os interesses do grande capital, que segue promovendo o saqueamento do cofre público na medida em que impõe a todo o tempo pressão sobre o governo para liberar emendas, emendas e mais emendas e destina pouca atenção ao debate principal”. 

“A Constituição cidadã de 1988 previu, de forma muito concreta, a possibilidade de o Brasil caminhar, de maneira acelerada, para a construção do tão desejado Estado de bem-estar social. Um país que chegou a deter a condição de sexta maior economia do mundo não deveria permitir, sob hipótese alguma, o analfabetismo ou a existência de milhões de pessoas sem ter um prato de comida. Então essas garantias, do ponto de vista do desenvolvimento social, precisam estar no centro de um governo democrático e popular”. 

“Penso que o Lula tem esse olhar e está voltado, também, a recuperar o diálogo sobre a integração com os países e vai se reposicionando na medida também em que vocaliza uma agenda de expectativas que se aproxima mais da camada mais pobre, dos trabalhadores assalariados. A política de valorização do salário mínimo, a igualdade salarial entre homens e mulheres, a correção da tabela do Imposto de Renda — ainda que não tenha alcançado a isenção para quem ganha até R$ 5 mil —, entre outras mudanças, vão criando as condições para a gente ir esperançando a nossa gente”. 

Estado, juros e reindustrialização

“Está mais do que evidente que a salvaguarda deste mundo em crise é o Estado pleno. As teses do Estado mínimo já foram derrotadas há muito tempo. No caso brasileiro, temos uma questão principal, que é a luta pela redução substancial da taxa de juros. A manutenção dessa política de uma certa autoridade do Banco Central precisa ser desconstituída. Nós precisamos caminhar para uma redução importante da taxa de juros porque este é um fator preponderante para a retomada da reindustrialização do país. Além disso, a volta do PAC (Programa de Aceleração de Crescimento) é outro fator que pode contribuir muito para o fortalecimento da indústria”. 

“Eu sou defensor de que nós devemos realizar um pacto entre a produção e o trabalho. Nós queremos uma indústria nacional fortalecida no tamanho daquilo que representa hoje a economia de commodities, por meio do avanço da ciência e da tecnologia. O mundo todo voltou sua atenção para o problema da crise climática. Nós temos a Amazônia e temos potencialidade de trabalhar, como ninguém no mundo, uma política assertiva de enfrentamento aos gases poluentes, com carbono zero e energias limpas e renováveis e empregos verdes. Outro ponto importante é que a pandemia, revelou que é central a instalação, de forma acelerada, do Complexo Econômico e Industrial da Saúde. O exercício feito pela China no mundo mostra que o Brasil pode exercer esse mesmo protagonismo no continente latino-americano e caribenho e o Lula é um porta-voz importante nesses processos”. 

“Além disso, acredito que a gente deve construir um pacto do governo democrático e popular com o povo e um pacto do povo com a produção para que a gente possa criar uma nova mentalidade, apartar esse complexo de de vira-lata, essa malfadada ideia de que a gente tem que seguir dependente de uma política de grãos, que não agrega tecnologia e inovação e não potencializa o Brasil para tudo aquilo que o avanço tecnológico pode oferecer para a construção de um mundo mais humano, menos desigual. Sou esperançoso nisso”. 

Os 16 anos da CTB

“O nascimento da CTB é a resposta ao esgotamento daquilo que se viu nascer na década de 1980 e que se denominou como o novo sindicalismo. Eu diria que a CTB é uma central contemporânea, alicerçada em propósitos inovadores e não é por menos que temos muito orgulho de dizer que somos a central sindical que mais cresce no Brasil. Não paramos no tempo, evoluímos sustentando bandeiras que, para nós, foram fundamentais. Foi ancorado na defesa da contribuição e da unicidade que o nosso movimento sindical se fortaleceu ao ponto de contribuir efetivamente para vitórias políticas fundamentais para o redesenho do Brasil”.  

“Eu penso que a CTB se consolida enquanto um grande projeto sindical nacional porque soube suportar as investidas da crise que eclodiu no final de 2007 — o ano em que a CTB nasceu — e ganhou fôlego em 2008. A CTB foi crescendo, ajudou na eleição do Lula duas vezes, ajudou nas eleições da Dilma duas vezes, seguiu contribuindo com a eleição do Lula em 2022, esteve atenta e ambientada nas lutas de rua, nas ações na porta das fábricas, sempre presente no chão da fábrica, na organização no local de trabalho, desenvolvendo uma política de formação contínua, interagindo com a organização sindical no Brasil e no mundo e colocando, no centro de suas ações, a visão de que a classe trabalhadora é a força motriz das transformações”. 

“Desde Margaret Thatcher, passando aqui por Fernando Henrique e mais tarde Michel Temer e Jair Bolsonaro, esses setores neoliberais partem do pressuposto de que é preciso quebrar a espinha dorsal do movimento sindical e eles seguem nos satanizando. E nós precisamos seguir vivos. Por quê? Porque é do DNA da luta sindical. Se a greve dos operários de Chicago em 1886 levantou a bandeira da redução da jornada de trabalho para oito horas, nós não podemos conceber que, em pleno século 21, pessoas estejam trabalhando 14 horas, 20 horas, ou seja, esse trabalho à exaustão remete a uma nova modalidade que é a escravidão contemporânea. Daí a necessidade da gente fortalecer a nossa voz. Eu penso que a CTB segue coerente porque a nossa política sindical é orientada no sentido da gente promover a radicalidade consequente. Nós apoiamos o governo Lula, mas não abrimos mão de pressioná-lo no caminho das mudanças”. 

“Evidentemente que o mercado vai seguir ganhando, afinal, o mundo é capitalista. Agora tem que desconcentrar, tem que distribuir e para isso a gente vai precisar ter um organismo sindical forte. É claro que nós passamos ainda por muitas dificuldades, sobretudo com a perda da principal fonte de receita, a contribuição sindical. Mas está em debate a possibilidade da retomada do custeio e tudo o que nós reivindicamos para finalizar é o direito à liberdade de autonomia para que a gente possa definir, com os trabalhadores, a melhor forma de garantir a sustentação material para as suas entidades sindicais”. 

O trabalho e o avanço da Inteligência Artificial

“Esse é um debate central do qual precisamos nos apropriar. O tempo histórico indica que o avanço tecnológico é inevitável e é algo mais do que necessário para que a gente possa responder a questões complexas de forma mais ágil, mas isso também demanda tomada de posição. Segundo a Confederação Nacional da Indústria, em junho de 2019, o Brasil não tinha ainda ultrapassado 30% da fronteira da terceira revolução industrial. E nós já estamos falando de indústria 4.0, nanotecnologia, inteligência artificial, tecnologia 5G. Nós estamos defasados porque, durante muitos anos, o Brasil dedicou um percentual muito pequeno de seus recursos para a ciência, a tecnologia, a inovação e a logística. Então, penso que essa é uma questão principal. Nós temos que disputar esse orçamento”.

“Acredito que tecnologia não pode ser vista como algo que vem para afastar as pessoas do trabalho, que venha servir à marginalização, à exclusão e à potencialização de um exército de miseráveis. Pelo contrário, nós vamos cada vez mais ter a exigência do trabalho formal dada a possibilidade que uma ferramenta com grande capacidade tecnológica e de produtividade tem deve suprir aquela mão de obra”. 

“Com o avanço tecnológico, o Estado precisará garantir a subsistência das pessoas e que os trabalhadores sejam parte dessa discussão. Nossa disposição é no sentido dialogar com o governo sobre como é que nós vamos lidar com essa questão. Está claro que um seguro de vida, um seguro desemprego vitalício, vai ser uma necessidade. O avanço tecnológico vai exigir essa contrapartida. Ou seja, você vai produzir mais, ganhar mais, mas você precisa pagar esse custo social. O trabalho precisa estar assentado num tripé fundamental: saúde, assistência social e seguro. Não há como abrir mão disso. O trabalho digno é o trabalho regulamentado, a regulamentação serve à necessidade da gente responder a esse avanço que é inevitável, mas que precisa de regra, como tudo na vida”. 

Veja a íntegra da Entrevista: