A ciência voltou e o foco é a industrialização, diz Luciana Santos

Em entrevista exclusiva ao Portal Vermelho, a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação diz que a pasta tem papel central no processo de reindustrialização do país

Ministra Luciana Santos no Simpósio Conexões Científicas entre Brasil e Antártica

A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luciana Santos, diz que a sua pasta tem um papel central no processo de reindustrialização do país e “muita coisa vem acontecendo” na área e “mais ainda está para acontecer”.

“Por isso que nós reafirmamos em alto e bom som: o Brasil voltou e a ciência também voltou”, disse a ministra em entrevista exclusiva ao Portal Vermelho.

Luciana afirma que a pasta é central para qualquer projeto nacional de desenvolvimento. “Nós conseguimos fazer uma convergência, que é o que o presidente Lula tem cobrado de todos. Precisamos ter ministérios focados em soluções dos problemas do dia a dia do povo brasileiro”, afirma a ministra.

Para ela, essa convergência vem sendo operada de forma exemplar por outras pastas como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS).

“São múltiplas iniciativas que vão na direção de a gente garantir um país com novas bases tecnológicas, desde que focadas na industrialização. A gente passou por um processo de desindustrialização há décadas e nós precisamos recuperar a industrialização brasileira”, considera.

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De acordo com ela, as tarefas da pasta estão inseridas nos desafios mais dinâmicos que o mundo está passando.

A ministra cita como exemplo a questão da autonomia no complexo industrial de saúde, área com dependência “enorme” de insumos, remédios e equipamentos para atendimento.

“O déficit da balança comercial chega a ser de R$ 20 bilhões no complexo industrial da saúde. Ou seja, o Brasil está com uma agenda de R$ 100 bilhões para os próximos quatro anos e, desses, R$ 41 bilhões são do MCTI e da Finep [A Financiadora de Estudos e Projetos]”, revela.

A ministra, que é presidenta nacional do PCdoB, conseguiu executar em oito meses R$ 10 bilhões, recursos do orçamento integral do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico (FNDC). Isso é tudo que o governo anterior investiu em quatro anos.

Luciana Santos reafirma que encontrou uma pasta com “terra arrasada”.

“Nós assistimos a um desmonte do Estado brasileiro. E na Ciência e Tecnologia não foi diferente, um apagão. Assistimos de maneira trágica o discurso e narrativa na Covid, um negacionismo diante de uma pandemia que abalou o mundo. Nós tivemos um governo que fez apologia e campanha até contra a vacina, um presidente que até hoje nunca se vacinou”, afirma.

Na avalição dela, as consequências disso refletem até hoje. “Nós tivemos a volta do sarampo e da poliomielite. E do ponto de vista prático, houve um corte drástico dos recursos do FNDC, que é o fundo que fomenta a política de ciência e tecnologia”.

Confira a entrevista:

A sua pasta conseguiu executar em oito meses o que o governo anterior aplicou em quatro anos. Como a senhora encontrou a pasta?

Nós assistimos a um desmonte do Estado brasileiro. E na Ciência e Tecnologia não foi diferente, um apagão. Assistimos de maneira trágica o discurso e narrativa na Covid, um negacionismo diante de uma pandemia que abalou o mundo. Nós tivemos um governo que fez apologia e campanha até contra a vacina, um presidente que até hoje nunca se vacinou. E as consequências disso nós ainda estamos tendo de cuidar. Nós tivemos a volta do sarampo e da poliomielite. E, do ponto de vista prático, houve um corte drástico dos recursos do FNDC, que é o fundo que fomenta a política de ciência e tecnologia, além do corte também dos recursos discricionários. Na ciência e tecnologia, como se não bastasse, o ex-presidente contingenciou o fundo até 2026, por meio de uma medida provisória, inclusive inconstitucional. Porque a Câmara já tinha aprovado em 2021 uma lei que proíbe o contingenciamento do fundo. O que o presidente Lula fez foi recompor integralmente esse fundo de uma maneira muito célere. Mandamos o PLN [Projeto de Lei do Congresso Nacional] para abrir um crédito suplementar e recompomos integralmente o fundo.

Como se deu essa recomposição?

Então, a recomposição integral foi associada à taxa TR, que é uma taxa para o crédito, porque metade do fundo são recursos de subvenção econômica e metade é crédito. Aquelas pessoas adquirem e depois precisam devolver ao fundo. O que nós fizemos foi reduzir a taxa da TJLP para TR, com indexador de 2%. A resultante disso é extraordinária. É o maior montante de crédito que o fundo fez na sua história. Foram uns R$ 7 bilhões que nós colocamos de crédito. E ainda os R$ 5 bilhões da subvenção. Por que a gente fala que quando soma R$ 7 bi com mais R$ 5 bi vai dar mais que R$ 10 bi? Ocorre que você não desembolsa imediatamente os R$ 7 bi. A gente aprovou projetos até esse valor. E você vai fazendo o desembolso ao longo do tempo. Então esse é um resultado espetacular.

Todos os recursos do FNDC foram executados?

Nós conseguimos executar em oito meses mais do que os quatro anos do governo anterior, o que revela a força do nosso Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, que foi tratado com desdém pelo governo anterior. Houve uma tentativa de desqualificação do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, e nós, ao contrário, achamos que o nosso sistema é pujante. Os nossos institutos de pesquisa, as nossas universidades, onde se produz 90% da pesquisa brasileira, a gente não diz isso só pelo desejo que assim seja, são reconhecidos pelo indicador internacional inconteste, que são os papers. Nós somos o 12º país de um ranking de produção científica, revelando a força dessa produção.

A pasta liberou recentemente R$ 1,2 bilhão para a expansão da ciência.

O Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia é baseado e inspirado em quatro eixos estratégicos, que foram frutos de uma portaria que o nosso ministério baixou desde maio. [Trata-se] da recuperação e expansão da infraestrutura de pesquisa; tecnologia para o desenvolvimento social; tecnologia para projetos estratégicos; e tecnologia para o investimento da defesa brasileira. São eixos estratégicos para a reindustrialização brasileira. Esses eixos foram incluídos em dez programas. Entre eles, um dos mais robusto é a área de infraestrutura em pesquisa. Então, o que nós fizemos foi lançar um edital. O que já existia de gaveta na Finep, nós liberamos para executar. E agora nós lançamos um edital mais simplificado, mais ágil, mais focado de R$ 1,2 bilhão para infraestrutura de pesquisa nesse ano de 2024. Então, nós anunciamos isso na Andifes, na reunião dos reitores do país todo. Nós estamos em festa com esses investimentos e dialogando permanentemente, porque todas essas decisões se deram no debate com a comunidade acadêmica, científica e o setor produtivo.

Ministra, a senhora tem dito que a sua pasta está cumprido a missão de implementar políticas públicas estratégicas para inserir o Brasil nas cadeias mais dinâmicas da economia global. Como anda esse trabalho?

É uma chamada por missões. São seis chamadas para a agenda de reindustralização brasileira [com] novas bases sustentáveis. Então ela passa pelo debate da transição energética, que é um desafio do mundo. O Brasil é líder mundial da transição energética, exatamente por que nós temos a matriz energética mais limpa do planeta. Nós temos o desafio da transformação digital, vivemos a era da inteligência artificial, da computação quântica, e o próprio processo de inclusão digital, o desafio de várias nações, a desigualdade é grande. Se não fizermos a inclusão, essa desigualdade vai ser ainda mais alargada. Nós estamos na agenda climática, do aquecimento global, que é também um desafio do mundo, e a agenda da industrialização prevê uma economia que possa reduzir a emissão de gás carbônico, ou seja, uma indústria de baixo carbono. Estamos atentos. E nessa chamada está prevista a questão da autonomia no complexo industrial de saúde, nós temos uma dependência enorme de insumos, remédios e equipamentos para atendimento. O déficit da balança comercial chega a ser de R$ 20 bilhões no complexo industrial da saúde. Ou seja, o Brasil está com uma agenda de R$ 100 bilhões para os próximos quatro anos e, desses, R$ 41 bilhões são do MCTI e da Finep [A Financiadora de Estudos e Projetos].

A pasta tem uma função estratégica nesse processo.

Exatamente. Porque a ciência, tecnologia e inovação é central para qualquer projeto nacional de desenvolvimento, ainda mais quando nós conseguimos fazer uma convergência, que é o que o presidente Lula tem cobrado de todos nós. Nós precisamos ter ministérios focados em soluções dos problemas do dia a dia do povo brasileiro. Essa convergência [vem sendo operada] de forma exemplar por outras pastas como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), em múltiplas iniciativas que vão na direção de garantir um país com novas bases tecnológicas, desde que focados na industrialização. A gente passou por um processo de desindustrialização há décadas e nós precisamos recuperar a industrialização brasileira.

Uma das novidades da sua pasta foi a criação da Subsecretaria Nacional da Amazônia. O que esperar dessa nova estrutura?

Por estarmos na agenda climática, do aquecimento global e dos impactos e eventos extremos que o Brasil está sofrendo, nós estamos dando atenção especial a essa agenda. Participamos dos Diálogos Amazônicos, inclusive a nossa Vanessa [Grazziotin, ex-senadora do Amazonas pelo PCdoB] foi eleita para a Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA). Ela será diretora adjunta e isso vai nos dar cada vez mais desafios para essa agenda que é tão importante para o Brasil e para o mundo. Nós estamos no G20. Vamos receber a COP30 [em novembro de 2025, em Belém-PA]. Nos diálogos amazônicos, neste ano, anunciamos mais R$ 3 bilhões nos próximos quatro anos dentro dos dez programas do FNDC. E tem Pró-Amazônia, o CBA (Centro de Bionegócios da Amazônia) resgatado, que é ligado ao MDIC, mas que nós temos uma interseção com esse desafio, além da Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus), porque estamos nesse desafio da bioeconomia, aproveitar essa biodiversidade que é ímpar no mundo e que pouco se sabe dessa biodiversidade. Precisamos de pesquisa, desenvolvimento e fazer com que isso gere riqueza pra nossa população. Vai de medicamentos e passando por cosméticos. Já existem experiências exitosas de empresas brasileiras que exploram positivamente essa riqueza. Afinal, precisamos da floresta em pé e precisamos que as pessoas que moram na região amazônica, 30 milhões de brasileiros, tenham qualidade de vida a altura da riqueza que é a Amazônia. Então, nós criamos essa subsecretaria que é uma novidade, uma mulher à frente, uma jovem que é a professora universitária Tanara [Lauschner], que tem a responsabilidade de conduzir essa política pública no nosso ministério. Estamos completamente sintonizados com esse desafio. Têm experiências como a Amazon Face e Torre ATTO, experimentos científicos que têm cooperação com Reino Unido e Alemanha, porque esse desafio atrai vários países do mundo para que a gente possa dar conta desse grande bioma brasileiro.

O MCTI tem uma estrutura na região para isso?

O nosso sistema nacional tem as universidades que possuem laboratórios de pesquisas e nós também temos unidades de pesquisa. O Museu Emílio Goeldi, que estava completamente destroçado, injetamos imediatamente R$ 2 milhões para recuperação. Estamos fazendo o Museu da Amazônia que será um grande equipamento que estará pronto para a COP30, financiado pela Finep e vai completar ali a estruturação daquele cais [Belém] e vai ser inspirado na modernidade do Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro. Então, nós vamos [atuar] com [Instituto] Mamirauá e Inpa (Instituto de Pesquisa da Amazônia) para que haja sinergia dessas instituições voltada para os desafios da bioeconomia. Fora o Inpe (Instituto de Pesquisas Espaciais), que também tem unidade na Amazônia, embora fique em São Paulo. É pelo Inpe que a gente subsidia a ministra Marina Silva [Meio Ambiente e Mudança do Clima] com os dados da Amazônia e, com isso, reduzimos o desmatamento na Amazônia, o que nos deu muita autoridade quando o presidente Lula participou e eu estava lá, em Dubai, na COP, exatamente porque nós estamos fazendo nosso dever de casa e queremos que os países do mundo não só fiquem financiando a redução da emissão de baixo carbono, mas que eles precisam ter metas de redução para não ficar numa posição de ditar regras para os países do hemisfério sul e os emergentes. Todos os países do mundo precisam ter responsabilidades com o aquecimento global. É esse o espírito que tem pautado o presidente Lula que faz a reinserção do Brasil de maneira altiva e ativa.

O Brasil está no comando do G20. Por conta disso, sua pasta está organizando encontro de ministros da ciência tecnologia de outros países na região. Como isso está sendo organizado?

Nós estamos com responsabilidade tanto do conteúdo quanto da organização de algumas rotas do G20. Vamos receber os ministros no final do ano, os ministros da Ciência e Tecnologia, que será lá na Amazônia, exatamente por conta desses experimentos que são singulares no mundo, que é o Amazon Face e a Torre Alta – ATTO. Eles vão conhecer esse experimento e terão mais dois encontros: um na minha terra, em Pernambuco, no Parque Tecnológico, e no Síncrotron de Luz que será no CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), em Campinas, que é um equipamento de orgulho da inteligência brasileira, que é um acelerador de partículas e que a gente vai mostrar ao G20 esse equipamento extraordinário que serve de cooperação internacional para a gente fazer trocas com cientistas do mundo todo e possibilitar um desenvolvimento mais robusto, um tipo da ciência dos materiais que é também muito inovador.

Ministra sua perspectiva para a 5ª Conferência da Ciência e Tecnologia?

A quinta conferência é muito importante. Há mais de dez anos não se fazia a Conferência de Ciência e Tecnologia, o que demonstra o distanciamento desses governos que se sucederam com o debate e a formulação. Não tem como você ter uma política pública robusta que não seja com forte diálogo com quem esteja na ponta, ou seja, a comunidade acadêmica, cientifica e o setor produtivo. O secretário-executivo é o ex-ministro Sérgio Rezende, que coordena esse processo de discussão da conferência. E nós já fizemos a etapa de Pernambuco. Esse é o momento também de todos aqueles que sabem a importância da popularização, da divulgação científica, da ciência, participarem ativamente dessa festa da ciência, da tecnologia, que nós queremos garantir na 5ª Conferência Nacional em julho, porque ela vai garantir o debate amplo das diretrizes até 2035 para a ciência e tecnologia e o plano de ação dos próximos anos do nosso governo do presidente Lula.

E no ano que vem?

Nós temos, por exemplo, para além da agenda reindustrialização, dos programas dos editais da Finep, como lançamos o Pro-Infa, nós estamos com seis grandes programas no PAC, o Plano de Aceleração do Crescimento. A relevância política é que o PAC é um programa monitorado pelo próprio presidente da República, então isso dá força e peso político. Vamos ter, por exemplo, a ampliação do monitoramento de equipamentos de desastres naturais, que é comandado pelo Centro de Monitoramento de Acidentes e Desastres Naturais. Nós vamos ampliar as estações geológicas e hidrológicas que possibilitam um sistema de alerta junto às defesas civis dos estados e dos municípios, ampliando a cobertura de mais municípios. Nós vamos ter o Pro-Infra que está dentro do PAC. Dentro do PAC está o Síncrotron de Luz, a continuidade das três estações de luz, que é associado a outro programa do PAC, que é o NB4, um laboratório de segurança nível 4, que é para a manipulação de microrganismo no caso de vírus. Por exemplo, quando eu estive na Alemanha agora, eu fui visitar o Instituto Robert Koch e lá tinha um cientista manipulando nada menos que o vírus do Ebola. Esse equipamento será singular, porque esse laboratório será ligado ao Síncrotron de Luz. Isso possibilitará uma análise daquele microorganismo em escala nanométrica, que será singular no planeta. E colocamos no PAC o reator multipropósito, que é o uso da ciência nuclear para fabricação de radioisótopos, insumos importantes para produção medicamentos contra o câncer. Queremos nos tornar autônomos. Ou seja, muita coisa acontecendo e mais coisas ainda para acontecer. Por isso que nós reafirmamos em alto e bom som: o Brasil voltou e a ciência também voltou.

Assista a íntegra da entrevista.

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