País precisa de ciência e tecnologia para se desenvolver socialmente

Inácio Arruda, secretário de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social do MCTI, diz que é preciso investir na área para melhorar a vida do povo

Uma das frentes de atuação do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) é a do desenvolvimento social que tem, dentre seus focos, usar essas áreas do conhecimento para a superação de problemas que atingem a população brasileira e garantir a autonomia do país, em benefício de toda a nação. Apesar de sua importância, essas frentes foram desmontadas pelo governo de Jair Bolsonaro, tendo sido retomadas apenas com a chegada de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. 

À frente da Secretaria de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social (Sedes), o ex-senador Inácio Arruda abraçou esses objetivos. Além de contribuir com a reconstrução do MCTI — comandado por Luciana Santos —, ele tem se empenhado em aproximar o povo da ciência, seja viabilizando soluções que impactam diretamente na vida dos brasileiros, seja procurando estimular o estudo dessas áreas, aspectos fundamentais para que o Brasil avance e progrida econômica e socialmente. 

Nessa entrevista concedida ao Portal Vermelho, Arruda fala sobre o processo de retomada da área, das principais iniciativas trabalhadas neste ano e das perspectivas para o próximo período. “Acreditamos que não é possível ampliar a possibilidade do povo melhorar objetivamente de vida sem um forte investimento em ciência e tecnologia que permita ao país ser uma potência econômica, mas que ao mesmo tempo inclua o seu povo”, declarou. 

Acompanhe abaixo os principais trechos da conversa. 

Destruição da ciência e resistência

“O governo anterior foi desastroso para o Brasil e na área da ciência, tecnologia e inovação não foi diferente. Isso já tinha começado com Michel Temer e piorou muito com Jair Bolsonaro, que procurou destruir a credibilidade da pesquisa científica, da tecnologia, da inovação numa espécie de tratativa colonial. O que ele queria, na verdade, era um país completamente subordinado, que não precisasse investir nessas áreas. Bastava o país comprar tudo isso das matrizes, de maneira que não caberia ao Brasil ter um projeto de desenvolvimento avançado”.

“Nesse cenário, é importante lembrar que tivemos também muita resistência dos cientistas e pesquisadores em todo o Brasil. Houve um forte movimento que permitiu, inclusive, aprovarmos uma lei que exigia o não contingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Inclusive, aprovamos a sua financeirização, o que dá mais força ao fundo. Tudo isso foi fruto da resistência, mas evidentemente que aquele governo não teve interesse em executar essas diretrizes que vieram do Congresso Nacional. Então foi um período de grande dificuldade, de desmonte da ciência e de ataque aos pesquisadores e aos cientistas”. 

Retomada da política de CT&I

“Ao contrário do que vinha sendo feito, nós acreditamos que não é possível ampliar a possibilidade do povo melhorar objetivamente de vida sem um forte investimento em ciência e tecnologia que permita ao país ser uma potência econômica, mas que ao mesmo tempo inclua o seu povo. Por isso, começamos reconstruindo a Secretaria de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social (Sedes), que havia sido extinta”. 

“Este ano, portanto, foi marcado pela retomada, com o apoio do presidente Lula e da da ministra Luciana Santos, das ações do MCTI. Conseguimos, por exemplo, dar andamento a programas e colocar de pé o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), com a recomposição integral dos seus recursos e a garantia de redução da TR (Taxa Referencial, que diminuiu o custo dos empréstimos do FNDCT), tornando a pesquisa científica na área empresarial realizável. Além disso, reconstruímos o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico que foi empossado pelo próprio presidente da República”. 

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“Conseguimos, ainda, que as instituições ligadas ao ministério — principalmente o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) — protagonizassem o setor de pesquisa e inovação tecnológica do país. Quer dizer, todos os programas foram retomados com energia e com garra para que o nosso país possa contar, de fato, com um programa forte de ciência e tecnologia”.

Recomposição dos recursos para o MCTI

Inácio Arruda e Luciana Santos. Foto: Diego Galba(ASCOM/MCTI)

“O Fundo é o principal instrumento de políticas públicas para o setor de ciência e tecnologia, mas também precisamos recompor os recursos do próprio MCTI. Nós tivemos um importante amparo no primeiro ano do governo, mas é preciso ir além. Muitas vezes pensa-se que pelo fato de haver o FNDCT, o ministério não precisaria de recursos para os outros programas que estão, por exemplo, no CNPq, nas agências espacial e de energia nuclear e em secretarias, como a Sedes. Toda a política de inclusão social e de transferência de tecnologia que está nesta pasta precisa de recursos da Lei Orçamentária. Então, este é um debate que nós temos de travar com muita força dentro do governo”. 

Papel da Sedes no desenvolvimento social brasileiro

“Primeiro, é preciso compreender que a população tem muitas iniciativas próprias: ela resolve problemas locais objetivos e de maneira empírica, mas muitas vezes, quando você vai examinar essas soluções, percebe que elas correspondem àquilo que os cientistas consideram ser a alternativa mais correta”. 

“Da mesma forma, é preciso confiar nessa população, desenvolver tecnologias e transferi-las para o nosso povo sem receio e, ao mesmo tempo, receber as informações que ele te oferece. Também é preciso compreender que se você entregar a tecnologia nas mãos do povo, ele vai usá-la para melhorar a qualidade de vida. A tarefa principal da nossa secretaria, portanto, é fazer essa transferência de tecnologia através de um grande número de programas que têm base na pesquisa científica”. 

“Além disso, também nos dedicamos à educação científica e à popularização da ciência. As feiras científicas podem colher grandes experiências populares. Outra iniciativa importante são as Olimpíadas, para estimular o aprendizado naquelas áreas. A de matemática chegou ao recorde de mais de 18 milhões de inscritos. As Olimpíadas nas áreas de astrofísica, aeronáutica, física, química, biologia, história, ciências humanas, são fantásticas. Quer dizer, temos um conjunto de iniciativas que têm o sentido de ganhar a população para que o país possa investir mais em tecnologia e em inovação”.

Capacidade brasileira

“Quando se precisou fazer o carro híbrido, o Brasil fez o carro flex. Quando foi preciso construir satélite, nós construímos. Isso tudo exigiu grandes investimentos, grandes encomendas tecnológicas que foram patrocinadas pelo governo, e isso nós estamos decididos a fazer em muitas áreas. Agora, na pandemia, o setor de produção de vacina no Brasil ficou à margem do mundo inteiro porque o governo Bolsonaro não estava interessado em usar grandes instituições, como a Fiocruz e o Butantan, para alavancar o setor e, sobretudo, produzir as vacinas que nós precisávamos. Então, tivemos que importar não apenas os imunizantes, mas máscaras, respiradores etc. Mas, o povo brasileiro tem capacidade de sobra para produzir tudo isso. Nós deveríamos estar fornecendo esses produtos”. 

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“O Brasil pode investir desde o desenvolvimento das tecnologias sociais até a construção do laboratório de máxima contenção biológica, conhecido como NB4 (que foi incluído no novo PAC). Vamos fazer um grande Reator Multipropósito (para a produção dos radioisótopos, usados em fármacos para tratamento do câncer e em diagnósticos de imagem) em consórcio com a Argentina. Acho que retomar um ministério com esse potencial, essa capacidade, foi um grande desafio colocado pelo presidente Lula nas mãos da ministra Luciana Santos, que vem fazendo isso com com muita tranquilidade e ousadia”. 

Perspectivas para a popularização da ciência

“Fizemos, neste ano de retomada, o maior investimento em programas de popularização da ciência — quer dizer, nas feiras e nas olimpíadas. A nossa ideia é não descer desse patamar e ir subindo mais. Há inúmeras iniciativas muito ricas espalhadas pelo Brasil, ideias de filhos do nosso povo nas escolas, nas prefeituras e que muitas vezes ficam de fora do nosso apoio. Você imagina: se nós fizemos todo esse investimento e deixamos mais da metade dos projetos fora, olha o potencial que ainda temos na popularização da ciência e, sobretudo, na educação científica. Muitos projetos ficam de fora porque não temos condições de dar o suporte. Mas, a gente tem procurado apoiar muitas dessas iniciativas”. 

“Um exemplo bem-sucedido é a Mostratec (Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia), em Novo Hamburgo (RS). Ela começou com o setor produtivo local, com a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologia para atender à indústria de calçados. E transformou-se em uma das maiores feiras do Brasil, que envolve toda a população da sua cidade, dos municípios vizinhos e ganhou notoriedade internacional. Essa feira sempre quis ter o nosso apoio. Hoje ela tem e o prêmio mais importante é chamado Prêmio MCTI”. 

“Outro ponto fundamental são as Olimpíadas. O presidente Lula foi quem massificou a de Matemática no seu primeiro governo, decidindo que as escolas públicas públicas, que são majoritárias no país, fossem parte fundamental do programa. Queremos transformar outras grandes Olimpíadas — como as de física, de química, de ciências humanas — em feiras com grande suporte do MCTI. Acho que esse é um caminho importantíssimo. Todos os países mais desenvolvidos fazem grandes investimentos na massificação da educação científica da população”. 

Tecnologias assistidas 

“Outra área importante em que estamos trabalhando é a de tecnologias assistidas, um campo vasto no qual fizemos grandes investimentos em pesquisa nos governos Lula e Dilma. Nós geramos produtos e agora é necessário transferi-los para a população, como produto e também como possibilidade de negócio. Com um investimento pequeno, fizemos um programa muito importante com um dos institutos federais de Goiás para o treinamento de cães-guia para pessoas cegas sem condições financeiras de adquirir um cão desses com a formação adequada. E esse programa pode ser escalonado para atender em nível nacional. Na área do esporte paraolímpico, por exemplo, temos produtos desenvolvidos em escala, respondendo às necessidades dessas pessoas e, ao mesmo tempo, da produção local de equipamentos, criando uma demanda industrial importantíssima, geradora de emprego e renda, que nós devemos alavancar”. 

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“Temos um comitê interministerial, com oito pastas, sob o comando do MCTI e da Sedes, dirigido às tecnologias assistidas. Nossa pesquisa científica está muito avançada nessa área e tem gente de muita qualidade entre os nossos pesquisadores oferecendo saídas positivas. Também estamos criando uma rede nacional que envolve universidades, institutos federais, instituições locais, governos estaduais e municipais para colocar essas tecnologias ao acesso da população”.

Resíduos sólidos 

“Outro tema importante é a gestão dos resíduos sólidos e a situação dos catadores. Lula tem tido muita atenção com esse tema porque ele enxerga ali uma situação degradante da vida humana. É uma tragédia social gigantesca, e nós estamos aqui também com essa responsabilidade, discutindo como criar maneiras de tirar essa parte da população deste tipo de trabalho que eu considero escravidão. Estamos discutindo também na Secretaria como oferecer uma alternativa que eleve a qualidade de vida dos catadores e, no futuro próximo, que a gente também deixe de ter catadores e passe a ter profissionais respeitados, com direitos e com dignidade”. 

Transição energética

“O MCTI também está envolvido com a questão da crise climática e da transição energética. No caso do hidrogênio verde, por exemplo, sua viabilidade hoje está ligada a projetos de exportação. Somos grandes produtores de hidrogênio, mas não somos grandes produtores de hidrogênio verde, não temos excedentes, mas temos grande potencial. Agora, esse potencial de produção de hidrogênio verde pode oferecer também soluções para os pequenos produtores que precisam de energia mais barata e limpa”.

“E como fazer isso? Como desenvolver uma tecnologia que ofereça este produto para a população mais simples, das regiões rurais, dos bairros periféricos das nossas grandes metrópoles? É possível? Sim, é possível. Agora, é preciso um investimento grande em pesquisa, para desenvolver a tecnologia mais adequada para oferecer esse produto barato à população, de forma viável — a transição energética exige isso. Quer dizer, a energia que quer substituir os hidrocarbonetos, que quer substituir o combustível fóssil, precisa ser viável economicamente e a capacidade de chegar a esse ponto exige muita pesquisa, muita ciência e nós estamos fazendo isso nas várias secretarias do Ministério. Aqui, na Sedes, a responsabilidade é fazer essa energia chegar para as pessoas mais simples do povo da forma mais adequada, o que significa também diminuir a grande dependência de importação de produtos que viabilizam a geração de energia”. 

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Crise climática

“Quanto ao clima, é preciso viabilizar um grande debate no país sobre os diversos biomas porque normalmente a discussão sobre o assunto considera, muito  corretamente, as florestas tropicais porque elas são fundamentais para o clima da Terra. Ocorre que nós temos uma área do planeta que é deserta, outras em processo de desertificação pelo uso exaustivo da terra e de agrotóxicos. No caso do Brasil, nós temos a grande Floresta Tropical Amazônica, a Caatinga, o Cerrado, o Pantanal e o Pampa, além da Mata Atlântica e outros pequenos biomas, como o Agreste.  Então, temos de oferecer cada vez mais novas tecnologias não apenas para preservar, mas também para garantir o uso adequado da terra nesses biomas, para assegurar não só que ele esteja sendo bem cuidado, mas que ele também ofereça as oportunidades de produção, muitas vezes de alimento que a população dessa região necessita. Quando o nosso ministério olha a questão do clima e da transição energética, enxerga sempre como conjunto e não como parte”. 

Assista na TV Vermelho, a íntegra da entrevista com Inácio Arruda.