Zagallo (1931-2024), o homem que amou e engrandeceu a Seleção Brasileira

Velho Lobo foi pioneiro na trinca de campeões mundiais como jogadores que voltaram a vencer uma Copa como técnico

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

O corpo de Mário Jorge Lobo Zagallo, único tetracampeão mundial de futebol, foi enterrado neste domingo (7), no Rio de Janeiro, após um velório restrito a familiares e amigos na sede da CBF (Confederação Brasileira de Futebol). Nas ruas e no cemitério, porém, a população aclamou o “Velho Lobo” com palmas, papéis picados, músicas e palavras de reconhecimento.

Zagallo morreu na noite desta sexta-feira (5), de falência múltipla de órgãos. Se a causa da morte pode ter sido ignorada por parte das pessoas, a causa de sua vida era pública e notória: a Seleção Brasileira. Seja como jogador ou treinador, seja como auxiliar ou coordenador técnico, o alagoano Zagallo amou, dignificou e engrandeceu a camisa verde-amarela como ninguém.

Sua estreia em Copas do Mundo foi extracampo. Em 1950, quando o Mundial ocorreu no Brasil, o jovem Mário Jorge tinha 18 anos e era soldado da Polícia do Exército – ele integrava o 6º Pelotão do Rio de Janeiro. O jogo decisivo entre Brasil e Uruguai foi realizado no estádio do Maracanã, e Zagallo foi recrutado para trabalhar no policiamento, de farda verde-oliva.

A postos numa das escadarias de acesso à arquibancada, de pé, ele testemunhou a derrota mais inesperada na história da Seleção Brasileira – que abriu o placar já no segundo tempo, mas tomou a virada e perdeu por 2 a 1. “Os lencinhos brancos que a torcida acenou para receber a seleção na saída do vestiário para o jogo serviu para enxugar as lágrimas depois da derrota”, declarou Zagallo. “Mas eu não chorei. Mantive a postura de um soldado.”

O reconhecimento militar veio na despedida do ex-soldado. Foi sobre um carro do Corpo de Bombeiros que o caixão de Zagallo percorreu a distância entre a sede da CBF e o cemitério São João Batista. E foram militares também que levaram o caixão da entrada do cemitério até o jazigo da família.

Botafogo

Se o primeiro Mundial foi desolador, as demais terminaram invariavelmente em festa. Com uma carreira profissional relativamente curta – que incluiu 205 jogos pelo Flamengo (de 1951 a 1958) e 300 partidas pelo Botafogo (1958-1965) –, Zagallo brilhou como ponta-esquerda da Seleção Brasileira. Disputou e venceu duas finais seguidas de Copas. Na primeira delas, em 1958, quando o Brasil enfrentou a anfitriã Suécia, Zagallo marcou um gol, deu assistência para um outro de Pelé e ainda evitou um gol sueco, tirando a bola em cima da linha.

Na segunda final, em 1962, o Velho Lobo jogou lado a lado com quatro outros atletas do Botafogo: Nilton Santos, Garrincha, Didi e Amarildo. O vínculo de Zagallo com o Fogão era tão grande que a data de seu aniversário, 9 de agosto, se tornou o Dia do Torcedor Botafoguense, conforme a homenagem aprovada em 2014 na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Ao pendurar as chuteiras, em 1965, Zagallo acumulava, como jogador, cinco títulos do Campeonato Carioca e dois do Torneio Rio-São Paulo. O número de troféus só cresceu na sequência, quando virou técnico. Num único ano, em 1968, levou o time do Botafogo ao bicampeonato carioca e ao título da Taça Brasil. Ao lado de Joel Santana e Abel Braga, integrou o seleto trio de brasileiros que já treinaram os quatro grandes clubes do Rio de Janeiro. Zagallo foi o primeiro entre os três.

Futebol arte

Ele também foi pioneiro em outra trinca: a de campeões mundiais como jogadores que voltaram a vencer uma Copa como técnico. O alemão Franz Beckenbauer (que, por coincidência, morreu nesta segunda-feira) e o francês Didier Deschamps completam a lista.

Foi em 1970 que Zagallo alcançou o feito. Em março daquele ano, a menos de três meses do Mundial, o regime militar obrigou a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) a demitir João Saldanha do comando da Seleção. Zagallo herdou o embalado “time de feras” de seu antecessor, mas fez alterações relevantes na escalação.

Foi mérito seu, por exemplo, ter unido cinco camisas 10 na equipe titular – Jairzinho (Botafogo), Gérson (São Paulo), Tostão (Cruzeiro), Pelé (Santos) e Rivellino (Corinthians). Na zaga, Brito e Piazza substituíram Djalma Dias e Joel. O jovem volante Clodoaldo, de 20 anos, ganhou uma vaga entre os titulares. Com as mudanças, o esquema tático mudou do 4-2-4 nas Eliminatórias para o 4-3-3 na Copa.

A atuação do Brasil da Copa de 1970, no México, é considerada a quintessência do futebol arte. Primeiro selecionado a vencer seis jogos seguidos num mesmo Mundial, a equipe superou todos os adversários, marcou 19 gols em seis jogos e aplicou na final uma contundente goleada contra a Itália, então campeã da Eurocopa. Na primeira Copa a ser transmitida em cores na TV, o título garantiu o tricampeonato da Seleção Brasileira e a conquista em definitivo da Taça Jules Rimet.

Os outros Mundiais

Zagallo levou o Brasil novamente à semifinal da edição seguinte, o Mundial-1974, na Alemanha. A Seleção mantinha alguns craques do tri, mas estava sem Pelé e Tostão, artilheiros da geração anterior. Em sete jogos, o ataque brasileiro fez apenas seis gols e terminou a Copa em quarto lugar.

O Velho Lobo representaria a Seleção Brasileira em mais duas Copas, sendo campeão em 1994, como coordenador técnico de Carlos Alberto Parreira, nos Estados Unidos, e vice-campeão em 1998, como treinador, na França. Apesar da presença de craques como Romário, Bebeto, Ronaldo e Rivaldo, a marca do futebol brasileiro no período é mais o pragmatismo. A década de 1990 foi a mais vitoriosa da Seleção Brasileira, mas sem brilho.

Dessa fase, Zagallo é mais lembrado pelo desabafo contra jornalistas como Juca Kfouri após a conquista da Copa América de 1997, quando olhou para a câmera, apontou o dedo e disparou: “Vocês vão ter que me engolir”. Ou pelo vibrante discurso que antecedeu a disputa de pênaltis entre Brasil e Holanda na semifinal da Copa do Mundo de 1998.

Mas o título de 1994, para todos os efeitos, fez dele o primeiro, único e único tetracampeão mundial. Em 2006, Zagallo até integrou a comissão técnica brasileira na Copa, mas nem o treinador, Parreira, parecia ter o comando de um time de craques que se portavam mais como celebridades. Nosso último timaço em Copas decepcionou.

Como a Seleção Brasileira hoje é uma piada, faltam referências atuais de jogadores que tenham compromisso com a tradicional camisa amarelinha. É irônico que essa mesma camisa tenha sido usada, em anos recentes, por gente envolvida em atos antipatrióticos e golpistas, os quais, na prática, desvirtuam o País. A família fez bem em vestir Zagallo, no caixão, com o manto que ele tanto honrou. Ali se reencontraram dois símbolos de um Brasil que tanto nos orgulhou nos campos de futebol.

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