Retórica de Blinken revela que resistência palestina dita ritmo das negociações

Em entrevista ao Vermelho, liderança diz que, ao defender estado palestino independente, o principal diplomata dos EUA mostra como Biden está sobre intensa pressão para tirar apoio a Israel

O "ministro de Relações Exteriores" dos EUA, Antony Blinken, após reunião com governo de Israel

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que os civis palestinos devem poder regressar a casa e rejeitou declarações de autoridades israelenses apelando ao deslocamento em massa dos residentes de Gaza. Em Doha, o principal diplomata dos EUA contraria o discurso da extrema-direita israelense, que espera apoio e recursos para garantir a ocupação definitiva da Faixa de Gaza por seus colonos.

Falando numa conferência de imprensa em Doha no domingo (7), ao lado do primeiro-ministro do Qatar, Mohammed bin Abdulrahman bin Jassim Al Thani, Blinken disse que as Nações Unidas podem desempenhar um papel crucial ao permitir que civis deslocados em Gaza regressem a casa à medida que Israel avança para uma “fase de menor intensidade” de sua campanha militar.“Eles [civis palestinos] não podem – não devem – ser pressionados a deixar Gaza”, disse ele.

Em entrevista ao Portal Vermelho, Emir Mourad, secretário-geral da Confederação Palestina Latino-Americana e do Caribe (COPLAC), compartilha sua visão sobre a retórica do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, sobre a complexa situação geopolítica no conflito Israel-Palestina.

Mourad deixa claro que, apesar das declarações retóricas e da pressão internacional, o caminho para um acordo real, seja sobre cessar-fogo, ajuda humanitária ou a questão do Estado Palestino, permanece incerto. A resistência palestina lidera o cenário político, apesar das tentativas de Israel para mostrar o contrário, mas as ações concretas ainda estão por serem tomadas.

Sobre as declarações de Blinken e a pressão internacional para um cessar-fogo em Gaza, Mourad destaca a crescente insatisfação dentro da comunidade árabe-palestina nos Estados Unidos, que ele conhece bem. Ele ressaltou que, apesar de não apoiarem Trump, essa comunidade não vê em Biden um aliado confiável, aumentando assim a pressão sobre o governo norte-americano. Para ele, essa pressão, assim como o espraiamento do conflito para outras áreas do Oriente Médio, é crucial para alcançar um cessar-fogo imediato, assistência humanitária urgente e, a longo prazo, uma solução definitiva para a causa palestina.

“O cerne da questão é que a administração Biden está sofrendo muita pressão, ao mesmo tempo que Israel é um aliado histórico. Biden não gosta de Netanyahu, apesar de declarar-se sionista desde criancinha. Só que esse é o problema dele. Os palestinos têm problemas maiores”, diz o militante com origens no Líbano. 

O dirigente da COPLAC enfatiza que a situação eleitoral nos Estados Unidos tem impacto direto nas ações do governo Biden, enquanto observa as divisões internas em Israel, um aliado histórico dos EUA. Mourad sugere que a pressão externa pode criar fissuras nas alianças, mas lamenta que até o momento, as ações concretas não refletiram a retórica.

“Toda a pressão que gera fricção, desgaste e dissidência dentro do campo israelense e norte-americano é bem-vinda. Mas, por enquanto, o massacre e o genocídio continuam, então, essa pressão está sendo suficiente para declarações e pressões retóricas, mas até o momento nós não vimos nada de concreto”, diz ele, exemplificando com os US$ 10 bi em bombas enviadas recentemente para Israel. 

Mourad avalia que as negociações com líderes do Oriente Médio mostram que Israel não obteve a vitória militar que proclamou, após três meses tentando dominar Gaza. Apesar de ser um aliado potencial da Arábia Saudita, antes de outubro, o cenário mudou drasticamente. Ele ressalta a importância do 7 de outubro como um ponto de virada, levando à mudança de postura da Arábia Saudita em busca de uma solução para o Estado Palestino.

As razões dessa mudança, segundo Mourad, se devem a uma conjugação de frentes de resistência, incluindo resistência armada, o que gerou um impacto significativo em Israel, tanto internamente, quanto internacionalmente.

“Por que agora estão falando do Estado Palestino depois de anos de esquecimento? Porque houve uma conjugação de várias frentes de resistência. E resistência armada. Que gerou um baque em Israel. Tanto é que a questão da Ucrânia foi pro espaço”, pondera ele. 

Hoje quem dita regras do ponto de vista politico, na opinião enfática de Mourad é a resistência palestina, tanto na Cisjordânia, como na Faixa de Gaza, que é apoiada pelas outras frentes de resistência. “Quem lidera a resistência hoje são os palestinos, apoiados pelo Hezbollah no Líbano, pelos hutis, no Iêmen, no Iraque. Israel pode dizer o que eles quiserem, mas tudo isso que o Blinker está falando agora, trata de pura retórica”, avalia.

Retórica vazia

Analistas do Catar chamaram a atenção para os lamentos de Blinken sobre a morte de jornalistas renomados da Aljazira, sem responsabilizar Israel por isso, em nenhum momento. Também apontaram a contradição do Departamento de Estado dos EUA ao emitir declarações de emergência duas vezes nas últimas semanas para entregar bombas a Israel sem supervisão do Congresso. 

Apesar das declarações que tem dado publicamente, toda a ação concreta dos EUA tem sido no sentido de garantir a força e violência de seu enclave no Oriente Médio, apesar do modo como o conflito se espalha pelos países da região de forma alarmante.

Na conferência de imprensa em Doha, Blinken disse que todas as entregas de armas dos EUA a qualquer país, incluindo Israel, são feitas com condições de que o direito humanitário seja respeitado. Ele disse que embora Israel tenha o direito de atacar o Hamas e garantir que o grupo não possa mais lançar ataques, é “imperativo” proteger os civis.

Al Thani, do Catar, disse que o mundo está se acostumando com as imagens do sofrimento civil em Gaza. “Este é um grande teste para a nossa humanidade”, disse ele.

Al Thani disse que o assassinato do vice-líder político do Grupo armado, Saleh al-Arouri, em Beirute, afetou os esforços do Catar para negociar entre o grupo palestino e Israel sobre a libertação dos cativos.

Conflagração regional

O principal diplomata dos EUA esteve em Doha como parte de uma viagem diplomática de uma semana no Oriente Médio, procurando acalmar o que ele disse ser um “momento de profunda tensão” na região no meio da guerra de três meses de Israel em Gaza, com bombardeios na região fronteiriça do Líbano, aumentando a preocupação de que a guerra em Gaza possa evoluir para uma conflagração regional.

Numa frente separada, os rebeldes Houthi do Iêmen, alinhados com o Irã, dispararam mísseis contra Israel e realizaram vários ataques a navios comerciais no Mar Vermelho, no que consideram serem atos de solidariedade com os palestinos. O grupo, que controla grande parte do Iêmen, afirma ter como alvo navios com destino a Israel.

Os ataques levaram muitas companhias marítimas globais, incluindo a Maersk, a evitar a rota marítima do Mar Vermelho, e os EUA responderam criando uma força marítima multinacional para proteger as rotas marítimas na região.

Palestina soberana e independente

Blinken debateu com as autoridades árabes e israelenses “o rumo futuro da campanha militar em Gaza”, que já fez mais de 23 mil mortos em três meses, bem como o que “fazer mais para proteger os civis”. Ele falou após os encontros em Doha e também em Jerusalém, com tom mais transparente sobre os árabes e tergiversando sobre os israelenses.

Depois de reunir com os líderes da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, Antony Blinken garantiu que os países da região estão interessados em tentar normalizar as relações com Israel. Contudo, tanto Mohammad bin Salman como Mohammed bin Zayed Al Nahyan exigem um caminho claro no sentido de assegurar a soberania de um Estado palestino.

“Há um interesse claro na região em prosseguir com isso, mas isso exigirá que o conflito termine em Gaza e também exigirá claramente que haja um caminho prático para um Estado palestino”, disse Blinken aos jornalistas, no fim dos encontros com os líderes árabes.

“Mas o interesse existe, é real e pode ser transformador”, acrescentou. “Para que isto aconteça, precisamos ver o estabelecimento de um Estado palestino independente”, repetiu.

Esta é a quarta viagem de Blinken à região do Oriente Médio desde que escalou o conflito e tem mantido, desde então, mais conversações com líderes árabes como parte de um esforço diplomático para impedir que a guerra em Gaza se alastre ainda mais.

Durante a visita ao Médio Oriente, Blinken apelou aos países da região para que tentem reduzir as tensões que já provocaram violência na Cisjordânia, no Líbano, na Síria e no Iraque ocupadas por Israel e levaram a ataques do movimento Houthi do Iémen nas rotas marítimas do Mar Vermelho.

O governante norte-americano sustentou igualmente que a Faixa de Gaza e a Cisjordânia “devem estar unidas sob um Governo liderado por palestinos” e que, para tal, é necessária “a criação de um Estado palestino independente”.

“Os israelenses foram muito claros conosco quanto a quererem encontrar uma forma diplomática de avançar que crie o tipo de segurança que permita a seus cidadãos regressarem aos seus lares”, afirmou Blinken, sobre as trocas de fogo fronteiriças entre o Hezbollah e Israel.

Do outro lado, em Jerusalém, embora tenha falado em nome dos líderes árabes, desconversou quanto a pontuar o que conseguiu efetivamente do líder israelense da guerra, Benjamin Netanyahu. Falando numa conferência de imprensa em Jerusalém, Blinken disse que os EUA continuam a apoiar Israel na sua missão de “garantir que o 7 de Outubro nunca aconteça novamente”, mas também procurou evitar mais perdas civis em Gaza e impedir que o conflito se espalhasse para o mundo mais amplo.

Falando dos planos para Gaza do pós-guerra, Blinken disse que os países da região manifestaram a sua disponibilidade para trabalhar no sentido de uma “região integrada”, mas que qualquer acordo deve incluir o cumprimento das ambições políticas palestinas.

“Muitos países da região estão preparados para investir quando o conflito terminar na reconstrução e segurança [de Gaza]”, disse Blinken. “Mas é essencial para eles que também haja um caminho claro para a realização do Estado político palestino .”

Acrescentou que o momento atual apresenta uma “oportunidade poderosa”, mas que todas as partes devem trabalhar em conjunto para atingir este objetivo. “Israel deve parar de tomar medidas que minam a capacidade dos palestinianos de se governarem eficazmente”, disse ele, incluindo “a violência dos colonos levada a cabo com impunidade, a expansão dos colonatos, as demolições e os despejos”.

O alto funcionário dos EUA também reiterou que Washington rejeita quaisquer planos para o deslocamento permanente de palestinos da Faixa de Gaza.

“Assim que as condições o permitirem, queremos que as pessoas voltem para casa e temos sido muito claros sobre isso”, disse ele, acrescentando que foi acordada uma missão de avaliação da ONU para determinar a presença de condições adequadas para os residentes se mudarem. de volta ao norte de Gaza.

Blinken desviou a pergunta de um repórter sobre se o governo israelense de Benjamin Netanyahu aceitaria uma solução de dois Estados e concordaria com uma solução diplomática, dizendo que não poderia falar por Tel Aviv. 

Israel é acusado de genocídio no Tribunal Internacional de Justiça (CIJ), com sede em Haia, depois de a África do Sul ter apresentado a ação no final de dezembro.

Blinken rejeitou a acusação como “sem mérito”, dizendo que o processo “distrai a guerra” e minimiza as ameaças contra israelenses e judeus.

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