Educação volta ao debate nacional após seis anos de esvaziamento

Educadora explica que, desde o governo golpista de Michel Temer, o Fórum Nacional da Educação vem sofrendo um desmonte, que favoreceu o descumprimento de 65% das metas do PNE

Ano que elegeu Bolsonaro também foi o último em que uma Conae esvaziada foi realizada, voltando agora sob moldes mais democráticos.

Entre os dias 28 e 30 de janeiro de 2024, a Universidade Federal de Brasília (UnB) sediará a Conferência Nacional de Educação (Conae), um evento para discutir o futuro da educação no Brasil. Sob o tema “Plano Nacional de Educação 2024-2034: Política de Estado para garantia da educação como direito humano com justiça social e desenvolvimento socioambiental sustentável”, a conferência marca uma retomada significativa após seis anos de descontinuidade.

À medida que se aproxima a Conae, as entidades e organizações envolvidas intensificam os preparativos para participar desse importante fórum de debates educacionais. Madalena Guasco Peixoto, coordenadora da Secretaria-Geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) e diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP, compartilhou ao Portal Vermelho a importância deste evento, ressaltando a trajetória conturbada do Fórum Nacional de Educação nos últimos anos.

“O Fórum verdadeiro foi destituído pelo governo Michel Temer e depois foi esvaziado pelo governo Bolsonaro. Uma das lutas nossas, quando a gente assumiu o governo, foi exatamente resgatar o Fórum Nacional de Educação. Então, o governo Lula resgatou-o, nos moldes que ele tinha antes, desse fórum democrático e representativo, com participação de todas as entidades”, explica Madalena.

A Conae extraordinária foi convocada devido à iminência do vencimento do Plano Nacional de Educação (PNE) em 2024, que, segundo a educadora e sindicalista, não cumpriu 65% de suas metas. A conferência visa debater as diretrizes do novo PNE, com um enfoque democrático e participativo, envolvendo estudantes, professores, entidades e movimentos sociais.

“Uma grande mobilização popular, em cima de um documento base para debater a educação nacional e apontar as prioridades para o novo PNE. Por isso que essa Conae é extraordinária”, afirma.

Além das conferências municipais e estaduais, diversos movimentos sociais organizaram conferências temáticas para discutir questões específicas, ampliando o alcance e a profundidade das discussões. A Conae representa, assim, um marco na retomada da mobilização popular para debater o futuro da educação no Brasil, destacando a importância da reconstrução da educação democrática.

Temário essencial

Os temas essenciais que serão foco de debates durante a Conae, que moldarão o futuro da educação no país, não se limitam apenas ao âmbito educacional, sendo um tema transversal que abrange áreas como ciência, tecnologia, cultura e inovação.

“É a discussão da importância da CT&I, da formação de quadros, a importância da discussão sobre a cultura brasileira, o fortalecimento da cultura e da produção cultural brasileira. Então, ela é um tema que atravessa, e vai além da questão da educação escolar propriamente ou educação formal”.

Apesar dessa abrangência, a dirigente sindical mostra que o objetivo é que os delegados que comparecerem a Brasília contribuam ativamente com o novo Plano Nacional de Educação, com o foco principal em um projeto que promova a redemocratização da educação brasileira. O objetivo é delinear propostas e estratégias que promovam a redemocratização e aprimorar a educação no Brasil, visando contribuir efetivamente para o novo PNE. A Conae promete ser um espaço crucial para essas discussões essenciais.

“Não é uma conferência para debater qualquer tema. É uma conferência que tem por objetivo discutir um novo projeto de redemocratização da educação brasileira e orientar as questões que vão estar presentes no novo PNE”, destaca.

Ela ressalta que, embora haja várias mesas temáticas durante a conferência, o objetivo primordial é alinhar-se ao propósito central da Conae, para evitar desvios de foco e favorecer temas paralelos e diversionistas, especialmente com as ameaças que surgem por parte de setores de extrema-direita. Além disso, a educadora destacou a importância de respeitar as contribuições provenientes dos municípios e estados, resultado de debates nacionais realizados anteriormente.

“Foi feito um debate nacional nos municípios e dos estados, então o documento final tem que respeitar as contribuições que vieram dos municípios e dos estados, e aprovar aquilo que veio, que fortalece o documento básico”, acrescenta.

Debate acalorado

A iminente Conferência promete ser palco de debates acalorados sobre os desafios e metas não cumpridas na educação brasileira. Madalena detalha alguns dos temas centrais que serão discutidos durante o evento.

A educadora destacou a não realização de metas cruciais estabelecidas anteriormente. Um exemplo notório é a meta de ampliação de 40% das vagas nas instituições públicas, especialmente nas federais, ao longo de uma década. Essa meta não apenas deixou de ser cumprida, mas houve uma estagnação e até um enfraquecimento das instituições federais durante o governo Bolsonaro. Madalena aponta para a desregulamentação da educação à distância, principalmente no setor privado, como uma resposta inadequada e prejudicial a essa falta de avanço.

“Essa desregulamentação da educação à distância, privada, de grupos de capital aberto, que ampliaram seu escopo, através de cursos de péssima qualidade. Então, claro, está articulada a ideia da não ampliação das vagas públicas com o fortalecimento de uma educação privada de capital aberto. Esse foi o jogo deles”, esclarece ela.

Dentre os temas estratégico, encontra-se a discussão em torno da possível criação de uma agência reguladora de educação superior privada, proposta que gerou controvérsias e motivou manifestações contrárias em alguns estados.

“Surgiu na mídia que o ministro da Educação queria fazer uma agência reguladora de educação superior privada. Agência reguladora não é regulamentação do Estado. Então a gente conseguiu em alguns Estados tirar uma manifestação contrária a essa posição”, ressalta Madalena.

No contexto da Conae, a regulamentação da educação privada, o fortalecimento da educação pública, a avaliação e a supervisão estatal serão temas centrais de discussão. Os eixos estabelecidos no documento base da conferência buscam orientar as reflexões sobre a elaboração do novo Plano Nacional de Educação, considerando os desafios e as lacunas que se acumularam nos últimos anos.

“Agora o governo Lula tem dito, nós vamos ampliar o número dos institutos e vamos ampliar o número de vagas. Porque é claro, se você não amplia o número de vagas públicas, você fortalece a educação privada”, complementa.

Dessa forma, a Conae se configura como um espaço crucial para a construção de diretrizes que nortearão a educação no Brasil nos próximos anos, buscando superar os desafios e corrigir os rumos diante das metas não alcançadas.

Guerra cultural

A Conae traz consigo não apenas debates sobre metas educacionais, mas também enfrenta desafios decorrentes da intensificação da polarização política no país. Madalena aborda como a extrema direita tenta se inserir no contexto da conferência.

As ameaças e ataques que a Conae vem enfrentando por parte da extrema-direita, fazem com que o Fórum reforce medidas de segurança para o evento, que será realizado na UnB. Madalena ressalta a importância da mobilização da sociedade brasileira para entender o caráter democrático da conferência.

“O mais importante é a mobilização, entender o caráter dessa conferência, entender esse caráter e fortalecer, porque é fundamental que a sociedade brasileira faça o diagnóstico da educação nacional e faça também propostas para o novo plano nacional de educação”, enfatizou.

Um dos aspectos-chave dessa inserção é a disseminação de fake news e o envolvimento na chamada “guerra cultural”. Madalena observa que temas como a regulamentação da internet e a sustentabilidade ambiental, embora não sejam eixos específicos do evento, são agora parte integrante do debate educacional. A diretora destacou a necessidade de regulamentar a internet, pois a falta de controle tem permitido a manipulação e a propagação de ideologias extremistas, especialmente entre os jovens.

“No grupo de trabalho que discutiu a violência nas escolas, a gente sabe como é que está sendo manipulado, como é que essa internet desregulada tem agido inclusive como instrumento da ultradireita para aliciar jovens, sem controle nenhum, sem regulamentação”, afirma.

Quanto às propostas mais conservadoras que podem ser apresentadas durante a Conae, Madalena esclarece que as emendas ao texto-base já devem ter vindo dos estados, e o processo de discussão e votação ocorrerá em mesas específicas para cada eixo temático. Ela ressalta que qualquer proposta contrária à visão democrática será debatida e enfrentada.

“Não deixa de ser uma disputa”, concluiu ela, destacando a importância da participação ativa dos delegados para garantir que o documento final da conferência represente uma visão de educação inclusiva e democrática.

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