Adoção de câmeras corporais pela polícia militar no Brasil avança lentamente em dois anos

Apenas SP, RJ e SC possuem um número de câmeras superior a 10% do efetivo policial, representando quase a totalidade (93%) das câmeras em operação no Brasil

A implementação de câmeras corporais pelas polícias militares no Brasil tem progredido lentamente nos últimos dois anos, revela um levantamento realizado pela Folha de S. Paulo, junto às secretarias estaduais e do Distrito Federal. De acordo com os dados levantados, apenas sete estados relataram utilizar esses equipamentos nos uniformes de seus policiais militares. Um levantamento feito pelo Monitor da Violência do g1 detectou praticamente os mesmos números sete meses atrás.

Além dos estados que já adotam o uso das câmeras, outros dez afirmavam que estão em processo de adoção, seja elaborando editais de licitação para compra dos equipamentos, em fase de testes ou já com o processo de licitação em andamento. E mais nove unidades federativas estão em estágios anteriores, realizando estudos de viabilidade e avaliações sobre a utilização das câmeras. O estado do Maranhão é a única exceção, informando que não utiliza as câmeras e não tem planos de avaliar seu uso no momento.

Dentre todas as unidades federativas, somente Rondônia não respondeu à solicitação de informações. O governo local justificou o silêncio, alegando que os dados estão sob sigilo de acordo com um decreto de abril de 2021, que restringe a divulgação de informações relacionadas à segurança pública, exceto quando determinado pela Justiça.

Os estados de São Paulo, Minas Gerais, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima e Santa Catarina informaram adotar as câmeras corporais, representando um avanço em relação aos três estados que, em agosto de 2021, afirmaram utilizar esses equipamentos (São Paulo, Santa Catarina e Rondônia, que agora não divulga os dados). Entretanto, o uso das câmeras ainda é limitado.

Apenas São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina possuem um número de câmeras superior a 10% do efetivo policial. Os três estados concentram 93% das câmeras em operação no Brasil. Por outro lado, o Rio Grande do Norte conta apenas com 15 câmeras em operação, enquanto Roraima possui 40.

O número ideal de câmeras corporais para o efetivo policial ainda é um ponto obscuro da adoção desse sistema. Santa Catarina, por exemplo, adquiriu um número de câmeras suficiente para equipar um policial a cada dois em serviço, totalizando 2.245 câmeras para um efetivo de 9.952 PMs.

Já São Paulo utiliza câmeras em 52% do efetivo na capital e região metropolitana, além de batalhões específicos no interior do estado, como Santos, Guarujá, Campinas, Sumaré e São José dos Campos.

A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo justificou recentemente a redistribuição de 400 das 10.125 câmeras para agentes de trânsito, uma medida que gerou críticas. No entanto, segundo a pasta, essa medida não prejudicou os batalhões que já dispõem das câmeras.

Em quatro dos sete estados que utilizam as câmeras corporais, a letalidade policial em 2022 foi inferior à média nacional, segundo o Anuário Brasileiro da Segurança Pública. No entanto, em três estados, a letalidade foi maior que a média nacional.

Apesar das dificuldades iniciais, há planos de adoção ou expansão das câmeras corporais em vários estados. Por exemplo, o Pará, que atualmente utiliza 390 câmeras, pretende expandir para 3.900 até o final do ano. Da mesma forma, o governo da Bahia planeja implementar 3.200 câmeras em um ano, com as primeiras mil operacionais em 60 dias.

No entanto, a lentidão na adoção desses equipamentos está ligada a questões políticas e burocráticas. A comparação com experiências internacionais sugere que o uso das câmeras não representa uma ameaça aos policiais, mas sim uma ferramenta para aumentar a transparência, melhorar a relação com as comunidades e a qualidade das intervenções policiais.

No entanto, desafios como o regramento claro sobre o uso das câmeras e o acesso às imagens ainda precisam ser superados. A falta de transparência no acesso às imagens, como evidenciado por casos no Rio de Janeiro e em São Paulo, destaca a importância de regulamentações claras sobre o manejo dos dados e protocolos para garantir a privacidade das pessoas filmadas e o controle externo das ações policiais.

Apesar do avanço na adoção das câmeras corporais, é importante ressaltar que a tecnologia por si só não garante a redução da letalidade policial. Decisões políticas e regulamentações adequadas são fundamentais para maximizar os benefícios desses dispositivos e garantir a transparência e a eficácia das operações policiais em todo o país.

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