Em busca de redenção, Bolsonaro pode estar prestes a dar novo tiro no pé

Não são poucos os que avaliam o ato de domingo como mais um momento de ataque às instituições e à democracia, à moda bolsonarista, que pode complicar a vida do ex-presidente

Foto original: Tania Rego/Agência Brasil

Diante de uma longa lista com fortes indícios de crimes, abusos e omissões sob investigação — sendo a mais avançada a da trama golpista envolvendo o ex-presidente e seu entorno — Jair Messias Bolsonaro veste, novamente, o traje de vítima de perseguição. E, para tentar manter seu séquito de apoiadores mobilizado, babando e vociferando pelas redes e pelas ruas, ele articula com gente de reputação também “ilibada”, como Silas Malafaia, um ato para o domingo (25). Mas, o evento pode acabar sendo um tiro no pé. 

Por um lado, vai ficando cada vez mais claro, até para os mais apaixonados dos bolsonaristas, que o Messias não é santo — e a Operação Tempos Veritatis, da Polícia Federal, escancarou isso, assim como deixou claro que importantes nomes das Forças Armadas estavam dispostos a apelar para um golpe para impedir que Lula tomasse posse. Talvez por questão de má fé ou de “defesa da própria honra”, esses apoiadores ainda tentam dizer que as acusações não passam de uma conspiração contra o “líder anti-sistema”. 

Por outro, a quantidade de evidências colhidas vai mostrando que a margem de manobra da turma golpista é cada vez menor e que qualquer deslize — inclusive na Paulista, onde o ato ocorrerá — poderá piorar essa situação. 

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Bolsonaro e companhia fizeram chamamentos para o ato defendendo que seria em prol da democracia — aquela mesma que ele sempre atacou — e para que possa se defender de “todas as acusações”. Bom momento para isso seria o depoimento desta quinta-feira (22) na Polícia Federal, mas neste, o ex-presidente resolveu se calar — talvez pela falta da claque que está sempre pronta para ovacionar qualquer um de seus devaneios.

Também como parte da convocatória, o ex-presidente deu mais um de seus vexames: para alguns apoiadores pediu que usassem a “medalha dos três is”, de “imbrochável, imorrível e incomível” — faltou o “inelegível” — que ele entrega a aliados (entre eles, vejam só, o jogador Neymar Jr.). 

Mas, a farsa da tal “manifestação democrática” vem sendo sistematicamente desmontada pelo mundo político, jurídico e por analistas. “O ato que Bolsonaro convocou é uma farsa. Não é para se defender, nem para defender o Estado Democrático de Direito. Isso ele nunca respeitou. É mais uma tentativa de afrontar instituições e o devido processo legal, que pouco a pouco nos mostra o papel do ex-presidente na tentativa de golpe contra a democracia”, disse a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, pelas redes sociais. 

O deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) assinalou, em artigo publicado na revista CartaCapital, que “o ato convocado para o próximo domingo 25 não é demonstração de força ou coragem do ex-presidente. Muito ao contrário, revela fraqueza, isolamento, pânico”.

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De acordo com o jornalista Kennedy Alencar, do Uol, “Bolsonaro corre um risco jurídico alto. Conversei com dois ministros do Supremo e são dois ministros que têm o Bolsonaro entalado na garganta”. O colunista completou dizendo que falando com esses magistrados, eles sinalizaram “que tem um grande risco para o Bolsonaro e que será difícil o controle do discurso para ele não repetir ataques às instituições e não voltar a se complicar juridicamente”. 

Na terça-feira (20), o PT apresentou uma representação no Ministério Público Eleitoral de SãoPaulo contra o ato. Segundo o partido, o evento pode ter como resultado “um novo ataque violento ao Estado Democrático de Direito, a exemplo do que ocorreu em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023 e também em outras manifestações realizadas pelo ex-presidente e apoiadores”. 

Neste sentido, solicita “a adoção de medidas para prevenir e investigar eventuais crimes contra o Estado democrático de Direito, de financiamento irregular do ato e de propaganda eleitoral antecipada”.

Na avaliação do cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), feita ao site BBC Brasil, “o principal objetivo do protesto é medir sua força entre os profissionais da política. Quanto mais parlamentares e governadores aparecerem, melhor para ele”. Mas, pondera, “para mim, será surpreendente se a manifestação for muito grande”. 

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Talvez como uma estratégia de dupla utilidade — atiçar seus seguidores a irem para a Paulista e, ao mesmo tempo, usar como argumento caso a coisa toda “flope” — um vídeo que circulou recentemente nas redes sociais dizia que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, teria afirmado que manifestantes que participarem de ato com Bolsonaro estarão cometendo um crime. 

A peça, claro, é fake. Conforme o site Aos Fatos, que checa a veracidade de informações veiculadas na internet, o vídeo é manipulado e tem o objetivo de “tentar insuflar manifestantes a compareceram ao ato no próximo domingo, como se a participação fosse uma forma de desafiar Moraes”. Até esta quarta-feira (21), segundo a página, “a peça de desinformação já acumulava mais de 2.000 curtidas no Instagram e centenas de compartilhamentos no Facebook”. 

A tentativa de golpe por parte de Bolsonaro e seu entorno, sua reação, o ato e a forma como vem sendo feito a convocatória são o mais puro suco azedo do bolsonarismo, da extrema-direita tosca que destruiu o país. Mas, a julgar pela contundência das investigações e pelo desespero que envolve o bando, o 25 de fevereiro não será suficiente para barrar o curso da Justiça.