A primeira eleição direta, há 130 anos, não servia nem pra fingir republicanismo

A eleição quase teve mais candidatos que eleitores, e foi tão precária e anedótica que estava longe de ser considerada um pleito democrático, como se esperava de outras repúblicas da época.

No ano de 1894, o Brasil viveu um marco histórico: sua primeira eleição direta para a escolha do presidente. Contudo, não é preciso comparar esse evento à luz dos pleitos contemporâneos, pois, mesmo à época, era visível a olho nu, que o processo eleitoral já nascia uma farsa para eleger quem já estaria no poder, independente de qualquer voto. Desde a extraordinária quantidade de candidatos até as peculiaridades das escolhas dos eleitores, a paisagem política da época era amplamente anedótica, desde sempre mantendo o povo à margem de qualquer decisão.

Em um contexto permeado por revoltas, dissidências políticas e a transição do poder entre governos militares e civis, o país vivenciou sua segunda eleição presidencial e a primeira votação direta em 1º de março de 1894. Esse acontecimento marcou não apenas uma mudança no regime político, mas também o fim da chamada República da Espada (1889-1894) e o início da República Oligárquica (1894-1930), caracterizada pelo domínio das elites agrárias, especialmente os grandes cafeicultores.

A eleição de 1894 foi notável pelo impressionante número de candidatos: 205 no total. O vencedor foi Prudente de Moraes, porém, registros guardados no Arquivo do Senado, em Brasília, revelam escolhas curiosas e até mesmo esdrúxulas por parte dos eleitores.

No final da extensa lista de candidatos, uma multidão de desconhecidos emergiu. Dos 205 postulantes, 116 receberam apenas um voto. Essa peculiaridade intrigou até mesmo figuras notáveis da época, como Machado de Assis, que sugeriu em uma de suas crônicas que muitos eleitores utilizaram a urna para homenagear amigos.

Outro aspecto singular desse pleito foi a ausência dos estados da Região Sul – Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul – devido à Revolução Federalista (1893-1895), um conflito armado entre federalistas, que almejavam maior autonomia regional, e o governo central.

Naquela época, as leis eleitorais eram bastante permissivas. Não era necessário filiar-se a um partido ou oficializar a candidatura, e os eleitores podiam escrever qualquer nome na cédula, inclusive o próprio ou de um cidadão não candidato.

Os príncipes Pedro de Alcântara e Augusto de Saxe-Coburgo-Gotha, apesar de terem sido expulsos do país junto com a família imperial, e o visconde de Ouro Preto, ex-primeiro-ministro do Império, receberam votos, evidenciando anseios por um retorno ao antigo regime.

O período anterior à eleição foi marcado por agitação política, com a renúncia do presidente Deodoro da Fonseca em meio a uma grave crise política em 1891. Floriano Peixoto assumiu o cargo, consolidando-se no poder após enfrentar revoltas e opositores internos, ganhando o apelido de “Marechal de Ferro”.

Floriano Peixoto, apesar da proibição constitucional de reeleição, ficou em 16º lugar. Na prática, Prudente de Moraes foi aclamado, refletindo um jogo político de cartas marcadas.

As eleições naquela época eram cerimoniais, com as elites ditando quem seria o presidente. O eleitorado era irrisório, com apenas 5,6% da população habilitada a votar, devido a restrições brutais, como a negação do direito de voto a mulheres, analfabetos, mendigos, soldados rasos e religiosos sujeitos ao voto de obediência. Em um país com uma população de mais de quinze milhões de habitantes, apenas cerca de 2,2% compareceram às urnas.

A Constituição de 1891 não vedava o voto feminino explicitamente, mas à época, a mulher não tinha direito nem liberdade, pois era subordinada ao pai, ao marido ou quando viúva, ao filho mais velho. Uma lógica eleitoral que vigorou até 1932, quando foi criado o Código e a Justiça Eleitorais. Mas o corte brutal, realmente, se expressava no analfabetismo, que excluía uns 90% da população. Mesmo ricos proprietários de terras eram analfabetos.

As elites usavam fraudes e o controle do Congresso Nacional para garantir a vitória de seus aliados. O voto não era secreto, e os coronéis exerciam grande influência, utilizando práticas fraudulentas e coerção para manipular os resultados eleitorais. Enquanto em outros países a República estava associada à eleição, partidos e imparcialidade da lei, no Brasil, era identificada com fraude, corrupção e ausência do povo.

Durante a República Velha, as alianças políticas entre o Partido Republicano Paulista (PRP) e o Partido Republicano Mineiro (PRM) dominaram a cena política nacional, em um arranjo conhecido como “política do café com leite”, no qual esses partidos se revezavam no poder, representando os interesses das elites agrárias. Apesar de tudo, 1894 foi um momento importante para iniciar uma importante transição para novos regimes de governo no Brasil, com lenta evolução democrática, com sobressaltos ditatoriais.

Havia um receio de que Floriano se recusasse a entregar o poder, mas tudo se resumiu a pirraça. Moraes assumiu sem pompas, nem faixa, encontrando o Palácio do Itamaraty totalmente abandonado.

Embora a República tenha sido implantada para acabar com os vícios do Império, os desafios democráticos persistiram nas primeiras décadas. A eleição de 1894, portanto, foi não apenas uma transição política, mas também uma revelação das complexidades e limitações do sistema político da época. Hoje, refletimos sobre o progresso alcançado em termos de participação democrática e transparência eleitoral, reconhecendo ainda os desafios contínuos para garantir eleições justas e representativas para todos os cidadãos brasileiros.

Com informações da Agência Senado

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